Eliara Santana: JN coloca em Bolsonaro o carimbo de culpado pela tragédia da Covid no Brasil

Tempo de leitura: 9 min
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Por Eliara Santana

Fotos: Reprodução de vídeos

BOLETIM DO JN 5/3: edição carimba Bolsonaro como culpado pela tragédia da Covid no Brasil

Foram 30 minutos de pancada em Jair, colocando nele a culpa pelo drama da Covid no Brasil

Por Eliara Santana*, em seu blog

Após poucas semanas de pouco embate com Jair em relação à Covid-19, o JN desta sexta-feira foi uma sucessão de pancadas no ocupante do Planalto.

O pano de fundo da construção da edição – com cenas emocionantes, atores de primeira linha e muita emoção – foi mostrar que, se o Brasil ainda não tem vacina suficiente e estamos afundando no abismo da pandemia, existe um culpado, e ele se chama Jair.

Ao todo, foram 36 minutos do tema vacina/Covid, em várias reportagens, e a edição como um todo teve a cara de um grande e contundente editorial que sinalizou a grande insatisfação das forças que até aqui apoiaram Jair e seu destempero.

Toda a construção da narrativa foi simbolicamente pensada e estruturada para dimensionar uma situação insustentável – da vestimenta dos dois apresentadores (roupa preta, Renata sem adornos e batom, Bonner com gravata escura e ar muito grave) ao encadeamento das reportagens, tudo significou. E tudo mostrou que Jair é um idiota que está levando o país ao caos.

A narrativa construída nessa edição escancara, portanto, que: O Brasil vive uma situação de DESCONTROLE da pandemia, já representa um PERIGO para o mundo e que há um culpado por essa situação – Jair Bolsonaro, seu negacionismo e a falta completa de ação do governo federal.

Muitos de vocês devem ter visto as várias postagens de apoiadores bolsonaristas que circulam falando que Jair não compra vacina porque não há mais vacina para comprar.

Pois bem, a série de reportagens do JN ontem cumpriu a função de desconstruir essa falácia, mostrar que há um responsável pelo agravamento sem controle da pandemia e destacar um ponto muito importante: dizer, com todas as letras e por uma voz de autoridade, que esse comportamento do presidente é CRIMINOSO.

A narrativa começa já na escalada das manchetes, que pontuou:

1 – DESCONTROLE: “A média de mortos por Covid bate recorde pelo sétimo dia seguido”

2 – PERIGO QUE O PAÍS REPRESENTA PARA O MUNDO: “A Organização Mundial da Saúde alerta que se o Brasil não levar a crise da Covid a sério, vai afetar outras partes do mundo”

3 – O RESPONSÁVEL: “Especialistas analisam passo a passo os erros do governo federal que levaram a esta escassez de imunizantes”.

Com exceção de chamada para viagem do Papa Francisco, todas as demais foram para dimensionar o caos da pandemia no Brasil.

A primeira matéria do jornal estampou a grande preocupação da OMS e do mundo com a situação de descontrole no Brasil em relação à Covid.

Mais do que a fala da Organização, o que fica claro é o isolamento do Brasil e o que isso pode significar em vários aspectos. É uma voz externa de peso a qualificar a situação e a dimensioná-la como grave – “O Brasil está na boca da OMS pelo pior motivo possível”, diz a reportagem, que trouxe com bastante destaque as falas do diretor-geral Tedros Adhanon e do vice, Mike Ryan.

Essas vozes externas, norte-americanas, de organismos reconhecidos têm um peso simbólico na construção dessa narrativa e para mostrar que o problema é grave, que não se restringe a uma questão interna que diz respeito apenas ao país – como Bolsonaro gosta bastante de dizer.

“A situação do Brasil é muito grave”, afirmou Tedros Adhanon.

E pela voz grave de Mike Ryan, a preocupação com a variante identificada no Brasil, que já se espalha por outros países.

Ou seja, os dois estão imbuídos de uma autoridade que é quase inquestionável, sobretudo agora, que Donald Trump não mais existe no cenário.

Em seguida, outra voz externa (norte-americana) de autoridade para dizer da situação nefasta do Brasil: o editorial do jornal The Washington Post. Bonner e Renata dividiram os destaques dos trechos do editorial.

Renata: O jornal americano The Washington Post publicou hoje um editorial com o título “Terreno fértil para variantes no Brasil é uma ameaça para todo o mundo”.

O texto lembra que já foram detectados, nos Estados Unidos, 10 casos da variante brasileira conhecida como P1, e que há indícios de que ela seja mais transmissível.

Bonner: O jornal afirma que os sistemas de saúde de mais da metade dos estados brasileiros já atingiram ou estão próximos de atingir a capacidade máxima, que o país foi consumido por divisões internas e parece incapaz de sair do abismo.

Que a campanha de vacinação está sofrendo com a escassez e com atrasos e que, o que ele chamam de vácuo de liderança do presidente Bolsonaro deu ao vírus abertura para se espalhar.

Na sequência, a matéria seguinte mostra todo o caos a que o jornal norte-americano faz referência.

Renata anuncia: “O Brasil testemunhou hoje cenas deprimentes na cidade fluminense de Duque de Caxias. a prefeitura anunciou a vacinação de todas s pessoas acima de 60 anos, mas não tinha doses pra todo mundo”.

E vemos então a grande bagunça que se tornou o país, com as imagens de centenas e centenas de pessoas nas filas enormes, muitos idosos, e sem vacina pra todo mundo.

Depois, em Pedro Leopoldo, região metropolitana de BH, a mesa situação de caos sem vacina, com idosos passando a madrugada em fila para conseguirem se vacinar.

Dona Francinete, 80 anos, enroladinha num xale, contava que estava morrendo de frio e que era muito difícil, com aquela idade, passar a noite numa fila.

A mãe de Solange, diabética, idosa, com bronquite, não aguentou ficar na fila e voltou pra casa sem ser vacinada.

Na matéria seguinte, “o Jornal Nacional ouviu especialistas sobre o porquê dessa escassez de vacinas no auge da pandemia”.

E vimos então uma linha do tempo muito bem detalhada para mostrar que havia vacinas sendo oferecidas, no momento em que o número de mortos aumentava significativamente no Brasil, e que o governo nada fez.

“Em agosto, a Pfizer/Biontech ofereceu ao governo brasileiro 70 milhões de doses, a serem entregues a partir de dezembro. O Brasil havia passado das 100 mil mortes. O governo federal não respondeu a farmacêutica”.

Ou seja, a linha do tempo destruiu a falácia bolsonarista de que não há vacina para se comprar.

E a fala da ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunização, Carla Domingues, colocou os pingos nos is da responsabilidade pelos caos: “Isso fez com que o Brasil ficasse no fim da fila. Hoje poderíamos ter vacina da Pfizer, vacina da Johnson e Johnson, assinados os contratos com o Brasil e fornecimento no primeiro semestre”.

A linha do tempo prossegue mostrando que, em setembro, o governo de São Paulo assinou um contrato para 46 milhões de doses da Coronavac e que, em outubro, o ministro da Saúde,

Eduardo Pazuello, num encontro com governadores, afirmou que o governo iria também comprar a Coronavac. Mas foi desmentido, no dia seguinte, pelo presidente Jair Bolsonaro.

“Além de negar a compra, Bolsonaro fez diversas críticas à Coronavac, como em outubro do ano passado. Na internet, ele disse: ‘A da China, lamentavelmente, já existe um descrédito muito grande por parte da população. Até porque, dizem, esse vírus teria nascido lá’”.

E a imagem na tela era de um Jair jocoso e bonachão. Na imediata sequência entra a fala contundente da epidemiologista Denise Garret, vice-presidente do Sabin Institute, uma voz de autoridade para falar sobre vacinas: “É uma atitude lamentável do presidente de estar estimulando esse tipo de preconceito ao denominar a vacina chinesa. A plataforma da Coronavac é uma plataforma usada há anos e anos de vacina, é uma plataforma conhecida, de vírus inativado, é uma vacina segura, nós temos vacinas no Brasil, que a gente usa, de vírus inativado, são vacinas ótimas”.

A linha do tempo prossegue, mostrando que o Reino Unido se tornou o primeiro país do mundo a aprovar um uso emergencial de vacina e começou, em dezembro a aplicar as primeiras doses da vacina da Pfizer.

No Brasil, o Ministério da Saúde e a Pfizer não conseguiam chegar a um acordo” E entra então o discurso de Jair, sem cortes, sem edição: “Lá, na Pfizer, tá bem claro lá no contrato ‘nós não nos responsabilizamos por qualquer efeito colateral. Se você virar um… um chi… virar um jacaré, é problema de você, pô. Não vou falar outro bicho porque vou falar besteira aqui, né? Se você virar o super homem, se nascer barba em alguma mulher aí, ou algum homem começar a falar fino, eles não têm nada a ver com isso. E o que é pior: mexer no sistema imunológico das pessoas”.

Corte e na sequência imediata entra a fala de autoridade para contradizer Jair: a epidemiologista Denise Garret.

“Além de não haver um interesse em comprar, em adquirir um maior número de doses, o presidente ainda fez questão de minar a confiança da população na vacina. O que é realmente, totalmente incompreensível uma pessoa fazer isso! Dizendo que vai se tornar jacaré ou se tiver efeito colateral. O presidente não tem nenhuma formação para entender, e parece que ate hoje ele não entende, como é um processo de desenvolvimento de uma vacina. Que é um processo super rigoroso, é um processo extremamente seguro. eu considero isso criminoso, porque nós estamos falando de vidas. Pessoas estão morrendo”.

A fala da pesquisadora insere dois elementos fundamentais na narrativa de desconstrução: a) o presidente não tem capacidade para entender, logo, não tem capacidade para governar b) a postura de fazer a população duvidar da vacina é criminosa.

Até então, as falas contrárias a Jair, nos grandes veículos, nunca haviam mencionado a ideia de crime.

Na sequência da linha do tempo, vários países do começam a vacinar a população, em oposição ao Brasil: “Em dezembro, México, Chile e Costa Rica começaram a vacinar. todos com a Pfizer. Depois do Natal, quando o Brasil chegava perto dos 200 mil mortos, Bolsonaro foi questionado sobre o começo da vacinação no Brasil”.

E então entra o presidente falando: “Ninguém me pressiona… me pressiona pra nada. Eu não dou bola pra isso”.

Entrou também o recorte de uma fala dele, apenas com a imagem e o texto, em que ele dizia que os laboratórios é que tinham de ir atrás do Brasil pra vender.

Na sequência imediata, a fala de Carla Domingues a destruir as falácias de Jair: “Fica muito claro que o Ministério da Saúde não acreditou que haveria necessidade de vacinar uma grande quantidade de pessoas no nosso país. E por isso não se firmaram vários contratos. Principalmente abrindo mão de assinar contratos de laboratórios que procuraram o país, da mesma forma que o presidente falou, né, que os laboratórios deveriam procurar o país. Os laboratórios procuraram e o Brasil negou a assinatura desses contratos”.

Segue a linha do tempo mostrando que a Argentina começou a vacinar a população em dezembro com a vacina russa Sputnik.

Ou seja, vários países com a mesma situação (econômica, política, social) do Brasil ou pior começaram a vacinar muito antes de nós.

Portanto, sem desculpas. E em janeiro, mostra a reportagem, a Fiocruz pediu autorização à Anvisa para uso da vacina da AstraZeneca da Índia, que recuou, e ressaltou também o atraso na entrega dos insumos, por parte da China, como decorrência da falta de negociação do governo.

Carla Domingues falou claramente que os problemas foram em decorrência de questões políticas.

Prosseguindo a linha do tempo, a dimensão de nossa miséria: “No dia 17 de janeiro, o Brasil registrava mais de 200 mil mortos. Quarenta e cinco países já haviam começado a vacinar. Nos Estados Unidos, 10 milhões de pessoas já haviam recebido pelo menos uma dose. Naquele domingo, a Anvisa aprovou o uso emergencial das vacinas da Fiocruz e do Instituto Butantan. E finalmente, começou a aplicação de doses importadas da Coronavac. Dias depois, o ministro Eduardo Pazuello prometeu uma avalanche de propostas de vacinas (entra fala de Pazuello). Ainda em janeiro veio a público uma carta da Pfizer para o presidente Bolsonaro com pontos da negociação para venda da vacina. O Ministério da Saúde afirmou que as cláusulas leoninas e abusivas da proposta criaram uma barreira de negociação e compra. Ele se referia a pontos como a isenção de responsabilidade do laboratório por eventuais efeitos do imunizante”.

Para rebater isso, três pesquisadores vieram falar que isso é uma bobagem e que os outros países providenciaram as vacinas e o Brasil, por incapacidade, não o fez e que nós estaríamos numa outra situação: “O tempo perdido não dá. Infelizmente, foram vidas perdidas. E essas vidas, elas não vão voltar”, disse Denise Garret.

E a linha do tempo da tragédia brasileira prossegue mostrando a insensibilidade grotesca do presidente: “Ontem, quando o Brasil passou dos 260 mil mortos, o presidente Bolsonaro comentou a falta de vacinas no Brasil”, e entra a fala de Jair (sem cortes, sem edição, livre, leve e solto): “Tem idiota que a gente vê nas redes sociais, na imprensa, né: ‘vai comprar vacinas’. Só se for na casa da tua mãe. Porque não tem pra vender no mundo”.

Carla Domingues rebateu a bobagem.

Pra fechar, diz a reportagem, com ironia: “Ele também falou sobre a situação da pandemia no Brasil”, e entra afala do presidente do país: “Nós temos que enfrentar nossos problemas. Chega de frescura, de mimimi. Vão ficar chorando até quando? Temos que enfrentar os problemas. Respeitar, obviamente, os mais idosos, aqueles que têm doenças, comorbidades. Mas onde vai parar o Brasil se nós pararmos?”.

E os especialistas voltam a cena para criticar e retrucar a ala de Jair.

Toda a linha do tempo, que durou 11 minutos, destacou números da pandemia, imagens de enterros e imagens de Pazuello e Bolsonaro, bem como suas falas toscas, sem edição.

Após a linha do tempo, um quadro geral mostrou que não há luz no fim do túnel, poi o governo não assinou contrato com laboratórios para o fornecimento de vacinas.

Houve destaque ainda para o consórcio que reuniu 1700 prefeitos, de vários partidos, que se uniram para tentar uma solução para o problema.

Em toda a construção narrativa da edição, William Bonner e Renata Vasconcelos funcionaram “apenas” como apresentadores – eles não emitiram opinião verbalizada sobre vários temas, apenas silêncios eloquentes e expressões de incredulidade.

Todas as falas que dimensionaram o problema, mostraram os erros do governo, criticaram Bolsonaro e sua conduta foram trazidas por agentes externos de autoridade para aquele dizer – OMS, pesquisadores brasileiros, consórcio de governadores e prefeitos. Falantes com autoridade para falar e para acusar Jair de omissão.

Ao todos, foram 29 minutos e 48 segundos ininterruptos para retrucar as falas e as ações inconsequentes de Jari Bolsonaro em relação à pandemia.

Depois, mais 11 minutos e 45 segundos par dimensionar o caos em várias regiões e mostrar o drama das pessoas envolvidas na linha de frente de combate à pandemia.

Espaço para mostrar o sofrimento dos profissionais que precisam lidar com a falta de vagas nos hospitais, com quem tem de lidar com a transferência de pacientes, e médicos decidem quem segue e quem fica esperando uma vaga de UTI.

A coordenadora da Central de Leitos de Porto Alegre fala, emocionada, da escolha que teve de fazer: “A gente começa a pensar que aquele paciente não é só um nome, não é só um número, ele tem uma história, ele tem uma família, ele tem pessoas que… é muito triste isso”.

Na sequência, espaço também para a fala equivocada do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, no Conselho das Américas, que não mereceu muitos comentários.

Enfim, uma edição que marca, sim, a culpabilização de Jair Bolsonaro pelo caos com a pandemia no Brasil.

Dimensionaram a tragédia, mostraram o caos, destacaram a ânsia de governadores e prefeitos por uma solução, trouxeram a fala de pesquisadores para rebater as desculpas.

Pode haver novo “acordo”, bate e assopra? Sempre pode, claro. Mas a sinalização é de que o embate vai permanecer, porque a defesa da pauta neoliberal teme a instalação da barbárie.

A conferir. Vamos aguardar.

*Eliara Santana é jornalista e doutora em Linguística pela PUC/MG.

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Eliara Santana

Eliara Santana é jornalista e doutora em Linguística e Língua Portuguesa e pesquisadora associada do Centro de Lógica, Epistemologia e Historia da Ciência (CLE) da Unicamp, desenvolvendo pesquisa sobre ecossistema de desinformação e letramento midiático.


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Comentários

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Zé Maria

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Os Neoliberais são os Agentes Causadores da Barbárie.
Temem que, por Interesse exclusivamente Eleitoral,
Jair Bolsonaro tenha um Arroubo Nacionalista Estatizante e mande o Guedes pastar.
Aliás, alguém sabe se baixou o Preço
do Óleo Diesel ou da Gasolina ?

Novaes Maluco

Claro. A vaza jato explodiu e implodiu a lava jato então o negócio agora e desviar o foco. Esconder as merdas da Globo.
Mas quem pos o Bozo na presidência foi a globo e o Moro.
A globo pos o Bozo lá qdo a uma semana do primeiro turno impediu o Haddad de levar no primeiro turno pois ele iria virar ali. O Bozo foi eleito com muita ajuda da Globo ao noticiar a delação fajuta do Palocci que nunca comprovou nada, nunca apresentou 1 prova.
Pallocci está morto politicamente nem pra vereador de Ribeirão preto uma cidade sem emprego ganha.
Certo o Lula que nunca confiou nesse bosta.

roberto garcia

bela matéria, parabéns. o que ela indica é que os próprios responsáveis
pela eleição do presidente estão cansados, não aguentam mais. embora continuem apoiando as políticas de seu governo na área econômica. mas uma coisa está ligada a outra. um governo responsável não trata mal a própria população, não corta seus direitos, não desmonta a estrutura do estado encarregada de deles cuidar. essa disjunção atrapalha a resolução do impasse.

Sinceramente

A Globo, entenda-se seus proprietários e altos-funcionários/executivos, está querendo se desvincular de fiadora do jumento. Agora é tarde.

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