Eliara Santana: Por que devemos olhar com cuidado a nota indignada do JN contra Bolsonaro

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Por Eliara Santana

Reprodução de vídeo

por Eliara Santana*

A nota lida de forma contundente por Renata Vasconcelos na bancada do JN na noite de 19 de julho marca um momento importante de certo posicionamento das Organizações Globo em relação ao governo Bolsonaro.

O dia havia sido especialmente profícuo em coisas estúpidas proferidas pelo ocupante do Palácio do Planalto – entre outras declarações racistas, machistas e sem noção, chamou os governadores do Nordeste de representantes de “paraíbas” e disse que ninguém passa fome no Brasil.

Por fim, na reunião com os correspondentes estrangeiros, referiu-se à jornalista Miriam Leitão sugerindo que ela havia mentido sobre a tortura na ditadura militar quando estava grávida.

A nota em defesa da jornalista afirma que ela também foi atacada durante os governos do Partido dos Trabalhadores.

Em relação a esse suposto enfrentamento do JN — e das Organizações Globo — ao presidente, e a tentativa de colocar novamente a ideia de que Bolsonaro e Lula estão num mesmo campo de polarização, é essencial considerarmos três aspectos para termos uma análise mais consistente dos movimentos no jogo.

1: o JN humanizou Bolsonaro para a opinião pública

Trago à memória apenas alguns pontos para ressaltar a grande responsabilidade do JN na configuração desse governo que constrange o país de todas as formas:

a) O JN tratou as duas candidaturas – Haddad e Bolsonaro – como representantes de dois polos num mesmo campo democrático. Nunca foram salientadas diferenças

b) Na entrevista com os candidatos, ainda durante a campanha, a bancada do JN não retrucou a apresentação esdrúxula de Bolsonaro sobre o famigerado kit gay — o então candidato chegou a apresentar o que seria o material, e Bonner apenas disse “candidato, aqui não podem ser mostrados materiais de campanha”.

William Bonner não retrucou nem tampouco questionou o teor absolutamente desqualificado da fala do candidato Bolsonaro. O tal kit gay foi um dos mais virulentos instrumentos a povoar as redes sociais.

c) Durante a campanha, a fábrica de fake news estava em sua capacidade máxima. Nada disso foi levado ao espectador. O JN relevou as denúncias feitas pela Folha de S. Paulo do uso de WhatsApp pela campanha de Bolsonaro. Uma matéria no “horário nobre” certamente mudaria o rumo das eleições…

d) Relevou a fala Bolsonaro no julgamento do impeachment de Dilma Rousseff na Câmara, quando ressaltou ostensivamente a memória de um torturador.

e) O Jornal Nacional colocou em pauta um processo de humanização do candidato Bolsonaro, silenciando sobre seu passado misógino, homofóbico e racista

f) Na campanha, o JN nunca se dedicou a investigar as ligações perigosas dos filhos. Indícios sempre houve…

g) No dia do movimento #elenão, o JN trouxe uma entrevista exclusiva com Bolsonaro, dentro do avião que o levaria de volta ao Rio.

Foi uma entrevista descontraída, que mostrou um candidato emocionado e com saudades da filha (a quem ele havia chamado de “fraquejada” num evento).

A matéria com o então candidato teve um tempo maior que o dedicado às manifestações do #elenão.

h) Ao longo das matérias na campanha, nunca houve cobrança em relação às suas propostas efetivas para o país. Nem durante a entrevista.

i)  A Globo aceitou prontamente as desculpas esfarrapadas para o não comparecimento aos debates, incluindo o debate do segundo turno, que foi cancelado.

Lembrando que, na campanha de 2006, Lula não compareceu a um debate, e a cadeira vazia era mostrada a todo momento, numa referência explícita à ausência.

j) Nunca foi mencionado que Bolsonaro foi deputado por 30 anos sem aprovar um único projeto.

2: JN mantém a perseguição a Lula

O JN/Globo é novamente irresponsável ao colocar o governo Bolsonaro no mesmo rol dos governos Lula e Dilma ao dizer que Miriam Leitão também fora “atacada” pelo ex-presidente petista.

Pelo que tenho observado, analiticamente, a mídia corporativa brasileira disse absolutamente tudo o que queria durante os governos petistas sem nunca ser impedida, calada, censurada, atacada por milícias digitais.

Lula e Dilma nunca pediram cabeças de jornalistas, tampouco impuseram restrições a coberturas jornalísticas.

E tampouco é novidade essa ideia de polarização entre os dois candidatos.

Ao longo da campanha, o jornalismo da Globo sempre colocou as duas propostas como polarizações de um mesmo campo democrático.

Importante lembrar também que o JN atuou em parceria com a Lava Jato para silenciar o ex-presidente Lula e criminalizar o PT.

A clássica imagem do cano num fundo vermelho por onde escorre dinheiro sempre vai lembrar a população da “grande corrupção” do partido, apenas do partido.

Para naturalizar o golpe contra Dilma Rousseff, o Jornal Nacional, particularmente, construiu uma narrativa jornalística com características bem específicas, alicerçada pela base dos repertórios (temas gerais) corrupção e crise econômica, num meticuloso trabalho de demonização da política.

3: Silenciamento conveniente

A partir da divulgação das conversas comprometedoras entre Moro e Dallagnol, o JN intensificou uma estratégia que já vinha sendo adotada em relação a Bolsonaro: certa modalização das falas diretas do presidente.

Em outras palavras: a exposição da fala direta de Bolsonaro era editada, modalizada, para diminuir o impacto de seu discurso.

Se vocês observarem as edições em que há matérias de eventos com o presidente, o discurso é sempre recortado e editado — geralmente as falas são curtas e intercaladas com explicações e falas de um narrador, o chamado discurso relatado.

Nessa forma de apresentar a fala, o narrador tem toda a liberdade com relação à forma — ele pode escolher o que dizer daquilo que foi dito, destacando coisas boas e eliminando os fiascos, diminuindo o impacto de uma declaração péssima e grotesca.

São falas absolutamente sem impacto, que contam com a intervenção de um narrador que “explica” em alguma medida o que Bolsonaro quis dizer.

Se vocês se recordam, as falas de Dilma Rousseff eram colocadas sem qualquer edição, para expor ao máximo a então presidente e gerar reações de escárnio.

Agora, ocorre o contrário. Como haveria uma avalanche de material dada pelo presidente (falas grotescas e sem sentido que vão expor a incapacidade do ocupante do Palácio), esse discurso direto é flagrantemente diminuído no jornal, pois ele expõe o enunciador, o falante.

Esse “silenciamento conveniente”, portanto, é simbolicamente uma blindagem às declarações muitas vezes inadmissíveis do presidente. Mais uma ajudinha do JN.

Por fim, já houve outros momentos de enfrentamento entre JN/Globo e o governo Bolsonaro, como em janeiro, com a ampla divulgação dos negócios escusos de Flavio, o 01.

As coisas, como vimos, se amainaram, e a Globo, então, “passou pano” para o governo.

Meu palpite é que as coisas, depois de uma semana agitada, com a Globo fazendo jornalismo e não assessoria de imprensa, vão se acomodar — pode haver um pedido de desculpas, e Boslonaro dizer que não disse bem aquilo.

Neste momento, desconstruir Bolsonaro significa alavancar a esquerda. Por isso, ainda é cedo para que ele seja totalmente descartado. Fernando Collor durou dois anos.

Vejamos o que virá. Até a próxima.

*Eliara Santana é jornalista, doutoranda em Estudos Linguísticos pela PUC Minas/Capes.

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Eliara Santana

Eliara Santana é jornalista e doutora em Linguística e Língua Portuguesa e pesquisadora associada do Centro de Lógica, Epistemologia e Historia da Ciência (CLE) da Unicamp, desenvolvendo pesquisa sobre ecossistema de desinformação e letramento midiático.


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Comentários

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Zé do rolo

Só mesmo o capitão Bozo Bolsonaro para colocar a Renata Vasconcelos em lugar algum na série de entrevistas com os candidatos o Bozo Bolsonaro calou a Renata Vasconcelos quando falou da difetença de salário entre a Renata Vasconcelos e o Bonner sendo que ambos exercem a mesma função na globo lixo.
O Bozo Bolsonaro me representa quando mete o pau na globo lixo representada nada mais, nada menos que a família marinho.
Solta o verbo contra essa gente Bozo Bolsonaro pois merecem.

Jamilly kessia

Não gosto do Bolsonaro mais agradeço ao Bolsonaro quando ele foi o entrevistado no JN quando ainda era candidato e o Bolsonaro esquentado e de pavio curto que é colocou a Renata Vasconcelos e o william bonemer em seus devidos lugar ou seja a lugar algum pois fez com que a Renata Vasconcelos ficasse furiosinha provando do seu próprio veneno é que a Renata Vasconcelos fica com fisionomia de satanás quando se refere ao Lula já com o Bolsonaro ficou quietinha quando o capitão falou sobre a diferença de salário entre a Renata Vasconcelos e o william bonemer sendo que exercem a mesma função foi essa única vez que o Bolsonaro me representou pois deixou a Renatinha nervosinha e sem chão para pisar.
Foi algo muito gratificante vê a Renata Vasconcelos provando do seu próprio veneno na telinha do JN.

Hugo Mari

O sentimento antipetismo ainda parece sobrepujar qualquer forma de racionalidade minimamente esperada. Ele me parece estampado nos dois primeiros itens da matéria, mas talvez esteja assumindo uma outra feição, quando se trata do silenciamento. O contraste seria gritante diante das mazelas, das bizarrices, da estupidez, da falta de sintonia com qualquer padrão de racionalidade, mas não compensa ressaltá-o e preferível silenciar-se, mantendo a áurea do antipetismo..

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