Eliara Santana: Jornal Nacional dá 253 segundos para Barroso defender Lava Jato e 7 segundos para Gilmar Mendes

Tempo de leitura: 5 min
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Por Eliara Santana

Fotos: Ricardo Stuckert, reprodução de vídeo e Agência Brasil

por Eliara Santana*

BLOCO 1: COMBATER CORRUPÇÃO E BUSCAR DIÁLOGO

No dia em que o STF impõe uma derrota à Operação Lava Jato, com o placar de 6 x 3 mostrando uma tendência à revisão das decisões, o Jornal Nacional abre a edição da noite com o ex-juiz Sérgio Moro, ex-coordenador da Lava Jato, cujas condutas e práticas nada republicanas foram reveladas pelo The Intercept e estão agora sendo questionadas pelos ministros do STF.

A matéria mostra em destaque o encontro de Moro com Rodrigo Maia para discutir o pacote anticrime.

A notícia sobre a decisão do STF vai aparecer apenas no final do terceiro e último bloco do jornal. A matéria de abertura do jornal tem três minutos e mostra as negociações bem republicanas de Moro com o presidente da Câmara.

O tom em destaque é a necessidade de construir e buscar um arranjo bom para o país –, assim, a fala de Moro que é mostrada (no discurso direto) em destaque ressalta ideias importantes, como “trabalho conjunto”, “busca por diálogo”, “renovação”.

A fala de Rodrigo Maia também aparece corroborando tudo o que foi dito e salientando a importância das conversas.

Na sequência, a posse de Aras como novo PGR, espaço também de destaque, com 4 minutos, em que ele reforça o combate à corrupção como meta de trabalho e aponta a relevância do tema para o país.

O repórter reforça que ele se compromete a ter um “trabalho independente e autônomo”.

Marca-se, nessa sequência, o peso de uma voz do Judiciário que se coloca no combate à corrupção e busca diálogo para o bem do país. A matéria seguinte mostra o incessante combate à corrupção, com a prisão do ex-governador do Tocantins por desvio de recursos e o prefeito de Coari, também preso por temas ligados à corrupção.

Ainda nenhuma menção à outra parte do Judiciário, simbolizada pelo STF que agora coloca em xeque a Lava Jato. A construção simbólica que privilegia campos de sentidos — JUDICIÁRIO 1 (aquele que não se curva à corrupção) X JUDICIÁRIO 2 (aquele que ousa questionar a Lava Jato) — funciona plenamente na edição.

A ideia simbólica que se firma é a de combate à corrupção como compromisso e busca por diálogo.

BLOCO 2: PAÍS SEGUE ROTINA

O segundo bloco é uma surpresa para quem esperava notícias quentes.

Há uma quase nota sobre “boa” expectativa de crescimento para a economia (0,9% já vira destaque no JN) e duas matérias quase frias sobre economia (discutindo taxa selic e cartão de crédito, tema que pode ser usado ao longo de toda a história do Brasil que terá o mesmo enfoque e o mesmo peso, com 3 minutos) — e sobre pesquisa revelando que 2% das escolas públicas de Ensino Médio têm desempenho bom — 4 minutos para essa coisa inédita).

Nenhuma novidade. Nenhuma abordagem diferente. Seriam matérias corriqueiras num país cuja vida segue corriqueiramente sua rotina. Não é o caso do Brasil.

BLOCO 3: NÃO VOLTAR AO PASSADO DE CORRUPÇÃO

Chega o terceiro bloco, e a tão aguardada matéria sobre o julgamento do STF enfim aparece. Matéria ampla, com 13 minutos ao todo.

O tom da abordagem já se anuncia pela fala do narrador:  “O julgamento no STF é de interesse de pelo menos 143 réus condenados pela Lava Jato”.

Não se trata portanto de condenar ou questionar eventuais abusos da Operação – isso não está dado. A matéria, percebam, não é de interesse do país, mas sim dos “condenados”, portanto, culpados.

Faz-se uma recapitulação das alegações e segue mostrando os votos dos ministros – e a estrutura narrativa é de uma fala do narrador/repórter entremeada pela fala literal do ministro.

Seguem-se os votos, e cada um tem o seguinte tempo no JN (lembrando que Fachin votou no dia anterior), pela ordem em que aparecem na reportagem:

Alexandre de Morais — 59 segundos

Luis Roberto Barroso — 4 minutos  e 13 segundos

Rosa Weber — 25 segundos

Fux — 45 segundos

Carmen Lúcia — 13 segundos

Lewandowski — 28 segundos

Gilmar Mendes — 7 segundos

No voto do ministro Barroso, o que tem maior tempo e maior destaque, o narrador ressalta alguns pontos, entre eles o de que o resultado do julgamento poderá afetar outros casos (e aqui não caberia referir-se a “outros”, pois não há citações literais específicas anteriores relativas a casos em particular – fica então a alusão subliminar ao caso principal, de Lula).

Destaca ainda a fala do ministro que dá o tom predominante, de que a Lava Jato “está no contexto de um país que quer se libertar da corrupção”. E então, entra o voto do ministro, colocado com grande destaque, com quatro minutos de fala ininterrupta.

Além de ser a de maior tempo, a fala de Barroso foi editada de forma a ser plena de significados.

Quando ele fala nos “perigos” de o país retornar à corrupção, ele retoma referências ao julgamento do Mensalão, frisando que o julgamento mudou a história do país; há uma brevíssima interrupção do narrador para salientar que Barroso enfatiza que os rumos estão novamente mudando e para muito pior.

Barroso dimensiona a corrupção, situando-a no grande problema do país: “Agora chega este caso, com  o risco de se anular o esforço que se vem fazendo até aqui para enfrentar esta corrupção que, como disse, não é fruto de pequenas fraquezas humanas, de pequenos desvios individuais, são mecanismos profissionais de arrecadação, desvio e distribuição de DINHEIROS”.

Sim, ele coloca no plural o substantivo, o que, no caso da formação intelectual de Barroso não pode ser tomado como equívoco – até porque, ele frisa com calma a expressão.

“Dinheiros” é um termo que remete ao discurso bíblico, Judas traiu Jesus por 30 DINHEIROS.

Pode parecer non sense, mas devemos nos lembrar o grau de messianismo que envolve a Lava Jato, cujas ações são descritas e ressaltadas como “missões” para livrar o país da “grande corrupção”.

E é essa a mensagem que deixa o discurso em maior destaque: O Brasil se LIBERTOU da grande CORRUPÇÃO que liberava DINHEIROS  e existia com o MENSALÃO e que agora este caso pode ANULAR o esforço que vinham fazendo.

A linguagem não é transparente e é plenamente simbólica, amigos.

A reportagem sobre o julgamento se encerra com Toffoli justificando o seu não voto e dizendo ter observações importantes para a próxima sessão. Cenas para o próximo capítulo…

Foto: Ricardo Stuckert

P.S: No mesmo dia do julgamento da Lava Jato pelo STF, o ex-juiz espanhol Baltasar Garzón, responsável por condenar e prender o ex-ditador chileno Augusto Pinochet, visita Lula na prisão na sede da Política Federal, em Curitiba.

Ao vê-lo na sede da PF, Lula afirma: “Se eu tivesse um milímetro de dúvida da minha inocência, não teria te convidado para vir aqui”.

Ao que Garzón responde: “Se eu tivesse um milímetro de dúvida, eu não estaria aqui”.

Para o JN, isso não foi um acontecimento merecedor de destaque.

*Eliara Santana é jornalista e doutoranda em Estudos Linguísticos pela PUC Minas/Capes.

PS do Viomundo: Pode ser apenas uma coincidência, mas a Lava Jato fez que não viu o nome da neta preferida de Roberto Marinho, o patrono do Grupo Globo, em anotações apreendidas na sede da empresa que o próprio diário O Globo definiu como  “a serviço de ditadores e delatores”, a Mossack & Fonseca, do Panamá.

A apreensão foi feita na avenida Paulista, em São Paulo, numa das fases da Operação Lava Jato.

Sugere que a filha de João Roberto Marinho, Paula, pagava taxas de manutenção de empresas criadas pela Mossack em refúgios fiscais: Nevada (Estados Unidos), Panamá e ilhas Seychelles.

A pergunta que não quer calar: Paula pagava as taxas de manutenção em nome do agora ex-marido? Por que? Ela ou ele precisavam de três empresas offshore, sendo empresários aparentemente de médio porte no Rio de Janeiro? Ou prestavam serviços a terceiros? Parentes?

Onde anda a delação em que o Palocci prometeu falar sobre uma empresa de comunicação supostamente beneficiada pelo governo Lula?

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Eliara Santana

Eliara Santana é jornalista e doutora em Linguística e Língua Portuguesa e pesquisadora associada do Centro de Lógica, Epistemologia e Historia da Ciência (CLE) da Unicamp, desenvolvendo pesquisa sobre ecossistema de desinformação e letramento midiático.


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Henrique Macedo

#LulaLivre

Zé Maria

https://pbs.twimg.com/media/EFpmuh0XYAIC_7p.jpg

Globo faz campanha contra o STF para manter instituições
sob seu controle e impedir investigação de seus próprios crimes

Por Joaquim de Carvalho, no DCM: https://t.co/goAf5AinpV

A Globo está em uma campanha intensa para emparedar o Supremo Tribunal Federal e manter a Lava Jato como a última instância do Poder Judiciário, o que, em última análise, representa o poder dela própria.

Para a emissora, é mais fácil manter sob controle os jovens procuradores de Curitiba do que encabrestar todos os experientes magistrados que ocupam a corte constitucional.

Na quinta-feira, foi a edição desonesta da cobertura da sessão do STF, ontem o editorial do jornal e hoje seus colunistas se empenham na tarefa de apresentar o STF como uma ameaça ao que seria o ‘novo Brasil’.

Qualquer semelhança com o discurso de Bolsonaro não é mera coincidência.

A conversa de ‘novo Brasil’ é a arma de ambos para atacar
um projeto de desenvolvimento com inclusão social e soberania
que deu certo nos governos de Lula e Dilma.

Se a preocupação da Globo agisse, como diz, a defesa de um país
sem corrupção, começaria por fazer o dever de casa,
já que é grande o passivo dela nessa área, conforme eu mesmo
pude testemunhar, em reportagens recentes.
[…]
Globo e Lava Jato não estão preocupadas com a corrupção.

Usam um instrumento de investigação em nome do Estado
para alcançar Poder.

No condomínio golpista que se instalou com a derrubada
de Dilma Rousseff, cada um tem seu papel, e alguns brigam
entre si, como Bolsonaro e Globo.

Mas a Globo não solta a mão da Lava Jato e nisso tem um elo físico. É Luís Roberto Barroso, que era prestador de serviços
da emissora, e hoje parceiro e uma espécie de tutor de Deltan Dallagnol.

Não estão preocupados com o Brasil.

Investem contra ministros do Supremo porque querem fazer
o país refém de seu projeto.

Falam de um novo Brasil, como se as práticas da Globo
não fossem a coisa mais antiga deste país, que remetem
às capitanias hereditárias.

O Supremo deve se manter firme para não ceder à chantagem.
Não precisa brigar com ninguém, basta seguir a Constituição,
doa a quem doer.

https://twitter.com/DCM_online/status/1178300783328137216
íntegra:
https://www.diariodocentrodomundo.com.br/globo-faz-campanha-contra-o-stf-para-manter-instituicoes-sob-seu-controle-e-impedir-investigacao-de-seus-crimes/

abelardo

A participação ativa da Globo, via JN e outras formas de noticiarem os vazamentos seletivos e direcionados, mostra mais uma vez a Globo ajudando a interferir em um resultado eleitoral. Isso faz lembrar do Proconsult, da filha de Lula e Miriam, das edições dos debates políticos que enfraqueceram o favoritismo de Lula, etc … Existem provas, com sobras, para enquadrar a Globo em quebra de contrato pelo uso indevido e abusivo da concessão pública que lhe foi concedida, por contrato que tem regras e normas para serem cumpridas. Basta uma rápida pesquisa na Internet, que surgirão uma fartura de envolvimento do nome da Globo, em diversos escândalos e acusações que provam a má fé, a parcialidade, a não isenção e o favorecimento explícito a um lado político em flagrante prejuízo do lado adversário, que foram provocados pelos tele jornais e alguns programas da casa. Falta apenas a coragem e o desejo real de corrigir definitivamente o debochado abuso de poder, a desonroso falta de ética, a indecorosa falta de isenção e a deslavada ausência de pudor que a Globo esnoba desde o início da sua existência.

Abelardo

E porque falta coragem aos deputados para criar a CPI das empresas concessionárias dos canais de televisão? Se elas se comportam, conforme várias denúncias ao longos dos anos, como partidos políticos e/ou advogadas de defesa de determinado partido em detrimento de outros; se ela transparece de forma ousada e reincidente como produtora de edições que, dependendo do assunto, prejudicará um determinado lado em benefício do outro; se ela, como demonstram várias denúncias, continua interferindo e manipulando determinada mensagem que passa ao público, ao conceder disparates absurdos de tempo em favor de um lado para causar prejuízo do outro, então já é hora de nossos representantes (sic) tomarem vergonha na cara e coragem, para criar a CPI das empresas que receberam a concessão pública, para administrarem com isenção e imparcialidade os veículos de telecomunicação no país.

Zé Maria

“JN manda jornalismo às favas” ?!?

Pelo menos desde o último Debate
da Campanha Presidencial de 1989,
(Lula x Collor), a Rede Globo e seu JN
mandaram o Jornalismo não só às
Favas, mas ao Vácuo, no Espaço,
e permanece na Inércia, até hoje.

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