Renata Mielli: Big Techs fazem terrorismo midiático para evitar lei que regule suas atividades no Brasil

Tempo de leitura: 6 min

Big Techs espalham fake news para evitar lei que regule suas atividades no Brasil

Por Renata Mielli*,no blog do Barão de Itararé

Em fase final de debate na Câmara dos Deputados, o PL 2630/2020, que acabou apelidado de PL das Fake News, sofre onda de ataques com conteúdos de desinformação.

Facebook, Google & cia temem a aprovação de medidas que vão impor transparência às suas atividades e outras regras para a sua atuação no país.

Desde que o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, reiterou que o tema é prioridade na agenda de deliberações da Casa, as empresas resolveram subir o tom e partir para o vale tudo, na tentativa de alterar ou até impedir a aprovação da proposta.

As empresas usam o seu poder de mercado, e espaços privilegiados de suas plataformas para fazer a campanha contra um projeto de lei no país, o que é gravíssimo!

Mas o que elas temem? O que as desagrada tanto?

Medo da regulação

Nos anos 90, início dos anos 2000, prevalecia uma visão ufanista de que a internet representaria um mundo de liberdade, de que ela seria um território livre: livre de regulação do estado, livre de fronteiras, livre de regras, onde todos podem construir seus negócios, suas formas de comunicação e expressão.

Essa ideia de ausência de regras foi muito conveniente para o poder econômico que se ergueu no Vale do Silício.

As grandes empresas de tecnologia (Big Techs) se apropriaram desse discurso para impulsionar seus modelos de negócios e erigir um novo mercado monopolista dominado pelas empresas Gafam, acrônimo para Google, Amazon, Facebook e Apple e Microsoft.

A partir do escândalo Cambridge Analityca, das denúncias da sociedade civil e do alerta de pesquisadores muitos países passaram a discutir legislações para regular essas empresas.

Há debates sobre obrigações de transparência, regras para moderação de conteúdos, combate ao discurso de ódio, enfrentamento à desinformação, debates sobre direito autoral e medidas econômicas e tributárias.

Em todos os países que enfrentaram essa agenda, as Big Techs usaram seu poder para tentar impedir que leis fossem aprovadas e aplicadas.

Fizeram de tudo: campanhas baseadas em distorção de informações e dados, e até ameaças de deixar de ofertar seus serviços. Isso aconteceu na Austrália, na Espanha, na França e estão acontecendo agora no Brasil.

Em 03 de março, o Facebook veiculou propaganda em jornais de grande circulação nacional com o título: O PL das Fake News deveria combater Fake News. E não a lanchonete do seu bairro.

No dia 11, foi a vez do Google soltar uma nota dizendo que se aprovado, o PL vai modificar a internet como você conhece.

No dia 14, o Google colocou na sua página inicial, um link para a nota, de forma que todos os usuários que fizeram uma busca neste dia entraram em contato com a visão alarmista da empresa sobre o projeto.

Além disso, passou a circular conteúdo publicitário do Google em outras plataformas com o mesmo conteúdo, que utiliza a retórica do medo, mecanismo largamente usado para estruturar conteúdos de desinformação e manipular a opinião pública.

Sobre o que trata o PL 2630

Afinal, será que o PL 2630 vai prejudicar a lanchonete do seu bairro? Será que ele vai mudar a internet que a gente conhece? Para responder essas perguntas, sem adjetivos, temos que conhecer o que de fato diz o projeto, que está sendo discutido desde maio de 2020.

Ele ganhou o apelido de PL de Fake News no início de sua tramitação. Na sua primeira versão, havia um artigo que tentava conceituar desinformação, que sofreu muitas críticas por trazer riscos à liberdade de expressão: definir numa lei que conteúdo seria classificado como Fake News ou não é muito perigoso.

Por isso, este ponto acabou caindo, e o texto que aguarda votação no plenário da Câmara não traz, em nenhum dos seus 42 artigos, o termo fake news.

Então, qual o escopo do projeto e porque ele continuou sendo chamado de PL de Fake News? O PL 2630 dispõe sobre a criação de uma Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet.

Com base neste tripé, estrutura um elenco de obrigações, regras e mecanismos de governança para enfrentar o abuso do poder econômico nas redes, permitindo aos cidadãos e aos órgãos públicos identificar conteúdos de publicidade e impulsionados, saber o montante e a origem de recursos usados, por exemplo, para impulsionar conteúdos pregando o inexistente tratamento precoce contra a Covid-19 que tantos prejuízos trouxeram e ainda trazem à saúde.

O fenômeno da desinformação e seu impacto atual está relacionado às dinâmicas de circulação da informação no interior das plataformas. Ganham alcance e velocidade graças aos fatores de relevância considerados pelos algoritmos.

Essas empresas, praticamente não fornecem dados sobre, por exemplo, quantos conteúdos são excluídos, com quais critérios, e porque contas são suspensas.

Quantos dos que estão lendo este artigo já tiveram postagens excluídas ou rotuladas sem maiores explicações? E pior, os canais de contestação disponíveis para que possamos recorrer são praticamente inexistentes. Enquanto isso, muitas autoridades e pessoas com mandatos eletivos usam seus perfis e contas para espalhar a desinformação impunemente.

Ou seja, o que o projeto tenta é obrigar as Big Techs que prestam serviços para centenas de milhões de brasileiros prestem informações para que a sociedade compreenda como as fake news circulam e são patrocinadas, o que é fundamental para adotar medidas para combatê-las.

Outro ponto fundamental é uma seção inteiramente destinada a estabelecer responsabilidade diferenciada a agentes e contas de interesse público no uso das redes sociais. Afinal, quanto maior o poder que uma pessoa tem, maior a responsabilidade que ela carrega.

Também traz artigos para conter a viralização das fake news nos serviços de mensagem instantânea – aplicações do tipo WhatsApp e Telegram.

Estabelece vedações à utilização de disparo automatizado de mensagens em massa, como as que foram largamente utilizadas na campanha de Jair Bolsonaro em 2018 e denunciadas pela jornalista Patrícia Campos Mello.

Ou seja, o projeto não proíbe publicidade nem impulsionamento, apenas cria regras para que a transparência seja possível.

Nesse sentido, não há nada no PL que prejudique a lanchonete.

Também não haverá uma mudança na internet que você conhece. Inclusive porque o PL não abrange toda a internet, ele se aplica apenas aos provedores de aplicação com mais de 10 milhões de usuários. Mas ele vai obrigar, sim, uma mudança da postura dessas empresas com relação aos usuários brasileiros. Mudanças que trarão mais segurança e empoderamento do usuário e da sociedade. E é isso que elas querem evitar.

As Big Techs se colocam veementemente contra transparência porque a opacidade é um fator intrínseco ao seu modelo de negócios das Big Techs.

Dar transparência às suas operações é empoderar a sociedade para reduzir assimetrias provocadas pelo poder dessas empresas. Elas querem continuar ganhando bilhões de reais no país, atuando sem qualquer regra, sem ter que prestar contas e informações de suas atividades e, em alguns casos, nem responder às autoridades nacionais.

Amplo debate

O projeto 2630 está em debate na Câmara desde agosto de 2020.

Ao longo desses quase dois anos de debate, foram organizados por iniciativa do atual relator, Dep. Orlando Silva, dois seminários, com a participação de centenas de especialistas.

Organizações da sociedade civil, entidades acadêmicas, empresariais realizaram inúmeros eventos sobre o PL. O tema foi tratado ao longo deste período na mídia especializada, mas também em veículos jornalísticos.

Ou seja, houve um amplo debate que resultou num aprofundamento de muitos dispositivos e amadurecimento do que é a espinha dorsal do projeto. A ofensiva atual das Big Techs nesta reta final é justamente uma reação a isso.

Há aspectos a serem melhorados e aperfeiçoados no projeto. Claro que sim. Um deles diz respeito ao artigo 38, que cria uma obrigação de remuneração de conteúdo jornalístico por parte das plataformas. Esse é um tema que não alcançou uma convergência maior. Vários setores, inclusive que têm posições diferentes sobre o PL, manifestam reservas com relação a esse dispositivo.

Mas os motivos que geram resistência são distintos. As Big Techs têm se colocado contra qualquer iniciativa que surja na perspectiva de remunerar links. Inclusive ameaçaram acabar com sua operação em outros países (Austrália, Espanha por exemplo).

Já, entidades do campo jornalístico, da mídia alternativa e dos direitos digitais que questionam esse tópico não o fazem por serem contra o debate em si, mas porque consideram que esta é uma discussão que precisa ser feita em outro contexto.

Ela diz respeito a questões delicadas como definir o que é ou não conteúdo jornalístico, quem ao final tomaria essa decisão, como se daria essa remuneração, quem teria direito a ela, etc. Então, esse de fato é um tema sensível, para o qual ainda se busca alternativa melhor.

Mas essas melhorias e outras que ainda possam ser feitas no projeto precisam ser construídas a partir de um debate leal.

O que é importante que a sociedade compreenda é que após dois anos de debate, o projeto amealhou muitos consensos progressivos.

Consenso visto não como unanimidade, mas construção de posição comum, principalmente em torno dos dispositivos envolvendo transparência, publicidade, desenho de um procedimento mais transparente sobre medidas de moderação com direito à contestação, para garantir um ambiente mais seguro e menos tóxico nas redes.

E, claro, por se tratar de um tema de fronteira, dinâmico, há algumas questões que ainda ensejam dúvidas. O que precisa ser visto com naturalidade.

É fundamental desfazer as confusões que a campanha de desinformação das empresas estão trazendo.

É preciso seguirmos atentos às discussões nas próximas semanas. E ter a tranquilidade de que essa lei é um dos passos que a sociedade brasileira dá na perspectiva de regular a atividade das plataformas e coibir a disseminação da desinformação.

Outras leis certamente virão. E há também muitas iniciativas que precisam ser tomadas fora do âmbito legislativo.

O que não podemos é ficarmos paralisados. Essas empresas não podem fazer terrorismo midiático e espalhar desinformação para continuar atuando numa terra sem lei.

*Renata Mielli é jornalista, doutoranda em Ciências da Comunicação pela ECA/USP, coordenadora do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé e integra a Coalizão Direitos na Rede.


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Comentários

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Antonio de Azevedo

Esse projeto de lei (PL ) é oportunista e açodado, igual ao PL que deu origem e resultou no famigerado MARCO DO SANEAMENTO, como prova a recente nota publicada pela Prefeitura de Maringá que notificou a Sanepar para assumir o serviço de água e esgoto do município em 30 dias tem como tem como argumento principal “a retomada dos serviços é embasada em decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).” Ora, além da posição desse município, sobre essa matéria, transita ação direta de inconstitucionalidade (ADI), proposta junto ao Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) para que este declare inconstitucional a lei complementar estadual nº 237/2021-PR, que instituiu microrregiões (oeste, centro-leste e centro-litoral) no Paraná para a contratação dos serviços públicos de abastecimento de água e de esgotamento sanitário por, supostamente, ferir a lei federal do marco legal do saneamento (sancionada pelo governo federal em 2020), que determinou que cada município tem autonomia para contratar esses serviços. Destarte, essas contendas remetem a algumas reflexões interessantes. Em primeiro lugar, a lei nº 14.026, de 15 de julho de 2020, conhecida como o “novo” marco legal do saneamento, promulgada pelo atual governo federal foi açodada. Ou seja, sem a efetiva participação popular sob o ponto de vista do conceito de soberania popular como princípio fundador de uma sociedade democrática. Na confecção dessa lei, o legislador ignorou completamente a existência do artigo 2º da lei nº 9.709 de 1998, que regulamenta o art.14 da Constituição Federal: “plebiscito e referendo são consultas formuladas ao povo para que delibere sobre matéria de acentuada relevância, de natureza constitucional, legislativa ou administrativa”. Logo, o marco do saneamento foi aprovado pela representatividade do congresso nacional, mas sem a devida participação popular numa matéria de envergadura, forte eloquência e apelo, de relevância e com efeito “erga omnes” e, de fundamental interesse para a sobrevivência financeira dos municípios pobres. Dito isso, mas não só isso, parece que o marco do saneamento foi, é e será insuficiente para atender aos interesses da população dos municípios pobres. Pior, não refletiu o esperado consenso entre governo federal, estadual e municipal. Outra constatação desse imbróglio, diz respeito à atuação do Supremo Tribunal Federal (STF), que ao confirmar a validade do marco do saneamento na sua integralidade – a despeito da posição no plenário não ter sido unânime, acabou por jogar contra os interesses da maioria dos municípios. Detalhe: o investimento privado só acontece em cidades de médio e grande porte, onde o lucro acontece e o retorno é garantido, em municípios pobres, não existe lucro, não tem retorno do capital investido. Nessa seara, o subsídio cruzado – possibilidade de investimento nos municípios deficitários a partir do lucro obtido em municípios superavitários, surge como instrumento fundamental, aplicado por empresas públicas para garantir a cidadania e o devido respeito aos direitos fundamentais resguardados pela carta magna, dessa forma, garante minimamente uma melhor qualidade de vida a população, proporcionando bem-estar, diminuindo os males da pobreza, reduzindo a mortalidade infantil, permitindo a proteção e preservação do meio ambiente, adequando-se, inclusive, ao princípio do desenvolvimento sustentável, à saúde pública e dignidade da pessoa humana. Enfim, o subsídio cruzado adotado pela empresa pública deve ser aplicado como um instrumento de desenvolvimento que corrige as falhas e as ineficiências típicas do desequilíbrio do mercado. Destarte, é compreensível, que municípios superavitários marquem posição no sentido de proteger os seus próprios interesses em prejuízo do princípio da solidariedade, notório direito de terceira geração (direitos ligados ao valor da solidariedade e da fraternidade – estão relacionados ao desenvolvimento e progresso), em detrimento dos demais municípios pobres do Estado. Nesse sentido, como é possível os municípios pobres do Paraná e do Brasil, arcarem com altos investimentos para atender a população em respeito ao princípio da universalização de acesso para ampliar a rede de fornecimento das atividades que englobam o saneamento, a fim de proporcionar cada vez mais e mais a um maior número de pessoas com acesso a água de qualidade, tratamento de esgoto, e todas as demais atividades elencadas no artigo 3º da Lei nº 11.445/2007, sem uma empresa pública que aplique o subsídio cruzado? Por derradeiro, o que se anuncia como única solução diante desse imbróglio que foi aprovado às pressas pelo Congresso Nacional e chancelado pelo STF é a revogação total da lei nº 14.026, de 15 de julho de 2020, conhecida como o “novo” marco legal do saneamento, no sentido de resguardar e proteger os interesses da maioria da população brasileira.

ANTONIO SERGIO NEVES DE AZEVEDO – Estudante, Curitiba/Paraná.

Zé Maria

Excerto

“Essas empresas [BigTechs] não podem fazer terrorismo midiático e espalhar desinformação para continuar atuando numa terra sem lei.”

Não deveria ser surpresa aqui no Brasil pois “fazer terrorismo midiático e espalhar desinformação ” é precisamente o que faz a Imprensa Venal braZileira – especialmente as Concessões de Rádio e Televisão – notadamente no Período Eleitoral, sem nenhum tipo de Regulamentação.

    Zé Maria

    Nao bastou ao braZil ter o Grupo GAFE* de Fale News
    que agora precisou importar o Grupo GAFAM**,

    *Globo, Abril, Folha, Estadão.
    **Google, Amazon, Facebook, Apple, Microsoft.

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