Pugnaloni: Meia Itaipu de pequenas hidroelétricas dorme nas gavetas da Aneel

Tempo de leitura: 6 min

por Ivo Pugnaloni, no Portal PCH

Não poderia ter sido outro o pronunciamento da presidenta Dilma, na semana passada, retomado pelo ministro das Minas e Energia Edson Lobão, garantindo que o Brasil tem toda a garantia energética de que precisa para continuar crescendo.

Fizeram muito bem ambos os dirigentes, ao desmentir as vozes do catastrofismo de sempre, mais político do que técnico, que durante várias semanas trombetearam excitadíssimas que “caminhávamos para o racionamento”, igualzinho como em 2001, quando o governo federal passou 10 anos investindo por ano a metade do que investiu na década anterior, de 1980 a 1990.

Sabemos agora, que existe uma garantia. O problema é saber quanto nos custará essa garantia, que agora existe, pois temos hoje muito mais usinas, de várias fontes, do que tínhamos em 2001 e muito mais linhas de transmissão para levar de uma região para a outra a energia que se fizer necessária.

A propósito do custo enorme dessa garantia fundamental, nesta semana, novamente a EPE (Empresa de Pesquisa Energética) nos alerta, no texto da proposta de plano de expansão decenal de 2022, que aumentará mais ainda a dependência que o Brasil terá da energia das termoelétricas, que graças ao retardo de obras hidroelétricas, aparecem agora como sendo as verdadeiras “salvadoras da pátria”.

O mais preocupante, mas, ao mesmo tempo, mais alvissareiro é que o Brasil é tão grande e tão bem servido de recursos hídricos que esse retardo pode ser compensado, com algumas ações relativamente simples do governo, simplesmente mandando que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel)  cumpra suas leis e regulamentos.

Sobre isso, tomamos hoje a liberdade de informar por escrito em correspondência dirigida ao Dr. Maurício Tolmasquim, presidente da EPE que, segundo afirmação pública do superintendente de gestão e estudos hidroenergéticos da Aneel, Odenir dos Reis, em palestra em São Paulo em março passado, existem parados naquele órgão público, nada menos do que 737 projetos de pequenas centrais hidroelétricas esperando análise na agencia.

Alguns destes projetos estão parados na agência esperando há mais de seis, sete anos, porque a Aneel, de forma equivocada e querendo ser “mais católica até do que o próprio papa” está exigindo seu licenciamento ambiental antes do momento da outorga, previsto em lei. O que é ilegal.

Somados, informamos ao Dr. Tolmasquim, esses projetos, todos já com o devido “aceite” da Aneel, já ultrapassaram a incrível marca de 6.950 MW, equivalente a meia Usina de Itaipu e estão espalhados em todos os estados brasileiros.

Seu alagamento médio não ultrapassa ínfimos 1,2 quilômetros quadrados. Ou 120 hectares. Seu impacto ambiental é favorável, ao invés de negativo, pois sua existência obriga empreendedores a recompor e conservar uma área de preservação ambiental permanente em torno dos reservatórios, com espécies nativas.

Nesse sentido, em vista do enorme interesse público representado na necessidade premente de aproveitamento dos potenciais hidráulicos nacionais para a geração de energia elétrica, é impossível deixar de relacionar a concessão, pela Aneel, do “aceite” a alguns projetos incompletos e inconsistentes de pequenas centrais, criando assim uma concorrência artificial entre interessados diligentes e não diligentes, em torno de um mesmo potencial hidráulico da União, em benefício destes últimos. O que é ilegal.

Bem como, é impossível deixar de relacionar esta concorrência artificialmente instalada e mantida com um “rito interno”, seguido até aqui, de negar-se a Aneel a cumprir seu dever e hierarquizar os interessados imediatamente após o “aceite” dos projetos, segundo manda o artigo 18º da Resolução 395/98, mantendo indefinidamente, “a concorrência” sem resultados. O que é ilegal.

E ainda mais: não é possível deixar de relacionar a manutenção indefinida e artificial dessa “concorrência” por meio dos procedimentos acima, com a exigência da mesma superintendência da apresentação de licenciamento ambiental em dobro ou triplo, por todos os interessados num mesmo potencial. O que é também é ilegal. Além de absurdo e irracional. Mas que é usado para justificar a falta de pessoal para análise, já que a Aneel possui menos de 300 funcionários com nível superior em seus quadros, pois aí a culpa é “da falta de licenciamento ambiental” e não da falta de interesse em analisar os projetos de PCHs (Pequenas Centrais Hidroelétricas).

Sem dúvida, erros acontecem. Mas quando existe, como nesse caso, uma sucessão de erros que combinados, resultam em paralisação da concessão de licenças governamentais para geração de energia renovável, não-poluente, não-fóssil, nacional, com preço não atrelado ao cambio, como esses aqui relatados, é preciso ligar os fatos e seus resultados para perguntar-se, como recomenda o Direito Romano: “Qui profit?” – a quem isso aproveita?

A quem favorece essa teimosa “não-análise” pela Aneel de meia Itaipu de projetos hidroelétricos de baixo impacto ambiental, quando o Brasil gasta 6 vezes mais com energia térmica?

Ao interesse público e nacional, seguramente, ISSO NÃO INTERESSA.

Como seria possível que interessasse à população brasileira que ficassem paralisados projetos de novos empreendimentos que somam 6.950 MW, equivalentes à metade da potencia da gigantesca Usina de Itaipu, que responde por 18% da geração nacional, mas resultante da soma de 737 projetos de hidroelétricas de reduzido impacto ambiental, espalhados por todo o Brasil?

Como seria possível pensar que interessasse á população que essa paralisação de projetos hidroelétricos se desse através da prática, aparentemente premeditada e não ocasional, de procedimentos que contrariam regulamentos, seguidos dentro exatamente da agencia encarregada de fiscalizar e regular o setor elétrico?

Como poderia ser de interesse público que estes projetos, de tão baixo impacto ambiental, ficassem em prateleiras acumulando poeira, ao invés de serem aprovados e de uma vez, construídos pela iniciativa privada e entrarem o mais breve possível em operação, para contribuir para que as grandes hidroelétricas economizassem a agua dos seus reservatórios nos períodos umidos, para usarem no período mais seco do ano, como agora, ao invés das termoelétricas, cuja energia CUSTA SEIS VEZES MAIS CARA AOS CONSUMIDORES?

Numa época em que o acionamento de usinas termoelétricas por falta de agua nos reservatórios das grandes usinas hidroelétricas está impondo custos de 1,3 bilhões anuais a mais para todos os consumidores, reduzindo a economia conseguida pelo governo federal com a redução das tarifas, não há como deixar de pensar na formidável e incrível coincidência com que esta sucessão de fatos irracionais vem ocorrendo nos últimos anos.

Nem dá para deixar de pensar em como essa sucessão de fatos desagradáveis vem beneficiando tanto a alguns poucos donos de termoelétricas e prejudicando tanto a centenas de milhões de pessoas que são obrigadas a reduzir seus gastos com alimentação, saúde, educação, habitação para pagar, ainda mais caro, pela quarta mais cara energia do mundo, produzida por termoelétricas a carvão, óleo diesel, óleo combustível pesado e gás natural liquefeito?

O mais impressionante é como isso pode estar acontecendo em pleno século XXI no Brasil, terra do terceiro maior potencial hidráulico do mundo, numa conjuntura de falta de energia, sem que nenhum órgão de informação se interesse pelo assunto. Afinal não é qualquer país que tem um tesouro hidroelétrico como este parado numa agencia reguladora…

Ainda que as tarifas de energia tenham sofrido vigorosa redução pelo fim do período de amortização de ativos, é evidente que se a situação continuar assim, em pouco tempo, essa economia, que foi uma vitória dos consumidores, do governo federal e dos cidadãos brasileiros será coisa do passado e o custo das tarifas subirá pelo acionamento cada vez maior das termoelétricas, que é um subproduto da inexplicável não-análise de meia Itaipu de pequenas usinas, exatamente, pela Aneel.

Será que, como dizem alguns analistas, isso estaria sendo feito de forma intencional para “abrir mercado para as termoelétricas”, aumentando nossa dependência delas? Será que isso poderia ser algo concebido pela “turma do contra” que ainda atua dentro do próprio governo, “para compensar as perdas das geradoras com a redução das tarifas” e “queimar a língua da presidenta”?

Será que a EPE, responsável pelo planejamento do sistema elétrico, o Ministério de Minas e Energia e a Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados e do Senado Federal não teriam como  responsabilidade conhecer mais sobre esse caso vexatório, apurando os verdadeiros motivos pelos quais, meia Itaipu de projetos hidroelétricos de baixo impacto ambiental jaz nesse momento, parados nas prateleiras da Aneel, quando a cada dia, novas e velhas termoelétricas fósseis aumentam sua fatia no mercado, aumentando a conta de energia das famílias e empresas brasileiras, diminuindo sua renda, a competitividade de nossos produtos e a geração de novos empregos?

Ivo Pugnaloni é engenheiro eletricista, foi diretor da COPEL e é presidente do Grupo ENERCONS/ENERBIOS.

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