Pública: No Tapajós, energia para quem?

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Trecho do rio Tapajós em que está prevista a construção da primeira hidrelétrica (foto LCA)

ENERGIA PARA QUEM

da Agência Pública, que fez uma série de reportagens na região (íntegra aqui)

Nos hotéis e restaurantes do centro de Itaituba ou nos trechos mais recônditos da floresta do entorno do Tapajós, é possível dar de cara com caminhonetes e técnicos de camisa polo azul a serviço da CNEC Engenharia. A empresa é a responsável pela realização dos estudos de viabilidade e do projeto técnico da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, mas também operou nas usinas de Belo Monte, no rio Xingu, e de Estreito, no rio Tocantins, além de diversos outros empreendimentos de porte na Amazônia.

Até janeiro de 2010, a CNEC – fundada em 1959 por engenheiros da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) – constituía o braço intelectual, por assim dizer, de uma das maiores empreiteiras do país: a Camargo Corrêa, responsável por algumas das obras de envergadura do PAC, como a hidrelétrica de Jirau, no rio Madeira. Quase três anos atrás, porém, a empresa foi vendida por R$ 170 milhões para o grupo australiano WorleyParsons, uma das mais conhecidas consultorias de energia em todo o mundo.

Foram justamente os engenheiros da CNEC que, na década de 1980, mapearam os projetos de construção de usinas no rio Tapajós – e em quase todos os afluentes do rio Amazonas. Era ela quem municiava de informações e pareceres técnicos a Eletronorte, subsidiária da estatal Eletrobras responsável pelo aproveitamento do potencial hidrelétrico da região norte do país, desde o regime militar. “Naquela época, eu brincava dizendo que a Eletronorte era um escritório da Camargo Corrêa”, conta Arsênio Oswaldo Sevá Filho, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e grande conhecedor do sistema elétrico nacional.

A CNEC é o elo técnico do “cartel barrageiro” que, segundo o professor Sevá, se instalou no Brasil na época da ditadura e, desde então, não mais arredou pé do país, pressionando os governos brasileiros ao longo do tempo para a construção de grandes hidrelétricas. Nesse clube restritíssimo, figuram as principais empreiteiras brasileiras, que rateiam entre si o bolo das obras de construção civil – elas são apelidadas de “cinco irmãs” e congregam Camargo Corrêa, Odebrecht, Andrade Gutierrez, OAS e Queiroz Galvão.

Também participam do grupo as corporações internacionais que fornecem equipamentos de alta tecnologia para as usinas, como a alemã Siemens e a japonesa Toshiba. Fecham a sociedade as grandes mineradoras que não apenas consomem – mas também vendem – a energia produzida nos rios amazônicos, como a Vale e norteamericana Alcoa, por exemplo.

A verdade é que o Brasil é dos poucos países do mundo – ao lado da China, da Índia, da Turquia e do Congo – onde ainda existe espaço para tirar do papel projetos bilionários de hidrelétricas. Em tempos de crise econômica global, construir barragens nos rios da Amazônia é a verdadeira galinha dos ovos de ouro para players do capitalismo que atravessam sérias dificuldades para fechar grandes negócios.

“Estamos oferecendo à indústria internacional a continuidade dos negócios a longo prazo e a custo baixo”, analisa Sevá. “O governo brasileiro libera as licenças, mesmo que se destruam o meio ambiente e a vida das populações locais. Depois, garante o custo baixo da mão-de-obra e, principalmente, o dinheiro necessário às obras, porque coloca as empresas estatais, os fundos de pensão e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para alavancar o negócio.”

A usina de Belo Monte é o exemplo mais bem acabado desse fenômeno. Só o grupo Eletrobras e os fundos de pensão dos funcionários da Petrobras (Petros) e da Caixa Econômica Federal (Funcef) respondem, atualmente, por 70% da composição acionária do consórcio construtor da barragem. Em outras palavras, os riscos e os altíssimos investimentos inerentes à obra fizeram a iniciativa privada passar longe.

Para bancar o prejuízo, o governo tem aberto as torneiras do BNDES. Na última semana de novembro de 2012, o banco anunciou o maior financiamento de toda a sua história para a conclusão das obras da usina: R$ 22,5 bilhões a serem pagos em três décadas. Antes dessa operação, porém, o BNDES já havia feito empréstimos-ponte (de curto prazo) de R$ 2,9 bilhões para o consórcio construtor da hidrelétrica.

“O custo de produzir hidrelétrica na Amazônia é muito alto e incerto”, afirma Wilson Cabral, do ITA. “Todos os projetos geraram aditivos contratuais da ordem de pelo menos 25%”, alerta. No caso do Tapajós, a engenharia financeira para viabilizar a obra ainda não está traçada – até porque os R$ 23 bilhões previstos para as usinas de São Luiz do Tapajós e Jatobá no orçamento do PAC 2 não passam de estimativas. Mas, assim como aconteceu nas usinas dos rios Madeira e Xingu, não há dúvidas de que o tripé formado por empresas estatais, fundos de pensão e BNDES deve entrar na jogada.

Tampouco está decidido o futuro da eletricidade a ser gerada. Na página 80 do Plano Decenal de Expansão de Energia 2020, é possível ler com todas as letras que ela servirá integralmente para alimentar a demanda das regiões Sudeste e Centro-Oeste. Porém, não é demais lembrar que o Pará concentra a maior província mineral do planeta. Além do ouro, que hoje é explorado em mais de 2 mil garimpos ao longo do rio Tapajós, as novas usinas devem consolidar o estado como um grande polo de alumínio.

Atualmente, existem quatro grandes projetos de extração e beneficiamento de bauxita no Pará, envolvendo gigantes como as brasileiras Vale e Votorantim, a norteamericana Alcoa e a norueguesa Hydro. Uma das principais reclamações dessas indústrias – chamadas de eletrointensivas, por consumirem eletricidade em larga escala – é o preço da energia.

O complexo hidrelétrico do Tapajós é uma dos caminhos para baratear os custos. “Os grupos que estão por trás, apoiando inclusive financeiramente a construção das usinas, são empresas de exploração de commodities minerais. Então, esses empreendimentos não vão equalizar a demanda de energia para o Sudeste. Eles são para empresas que estão se assentando na região Norte”, finaliza Cabral.

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Mardones Ferreira

Não sou especialista no setor energético para contestar o que disse o articulista. No entanto pensar que os investimento feitos na produção de energia será para fins outros que não os encampados pelas mineradoras e outras empresas imensas consumidoras de energia é querer tapar o sol com a peneira.

Evaristo Solimões

Tem alguma coisa errada neste post. Oito hidrelétricas no Tapajós? Tá errado. Acho que nenhuma. Tá sobrando energia elétrica em Tucuruí, aliás, o ‘linhão’ deve chegar a Manaus brevemente. É bom rever essa matéria.

Leo Silva

É importante, por um lado, o receio de grupos especializados e parte dos movimentos civis organizados, em relação ao cumprimento dos fatores trabalhistas nos canteiros de obras, bem como do cumoprimento da assistência pública adequada às famílias removidas, que residiam no entorno das construções do complexo.

Mas, por outro, não compreendo o tom apocalíptico dos supostos danos ambientais a serem provocados, partindo do príncípio que a área alagada desses novos projetos hidroelétricos é mínima, com a tecnologia de operação sendo a fio d’água.

Isso ocorre, pois terão reservatórios que permitem a regulação sazonal do sistema (espaço mais reduzido), submetendo-se ao regime de vazão natural dos cursos fluviais. Até pelas caracteristicas geograficas tipicas do território amazônico, com vasta cobertura florestal.

O que é bem diferente do formato de regulação Plurianual, como vimos na de Jurumim ou Furnas (espaço abrangente), em que há grande impacto na correção de cursos dos rios, incluisive com a construção de diversas eclusas. Mas, mais um vez, as condições topográficas e geográficas anexas, permitem.

Rafael Isaacs

Ninguêm se importa com o meio ambiente? Ninguêm se importa que os canadenses levem nosso ouro? Tudo que o o governo do PT faz é certo pra vcs? Essas são obras de um contexto capitalista de sociedades altamente consumistas. Isso não é progresso pra mim.

leoleo

Incrível, ongs com dinheiro internacional, esse papo de defender povos indiginas, que querem mesmo??; avança Brasil em direção ao Norte com tudo. Fora Gringos, Amazonia é do povo brasileiro. (viram o presidente da França com o indio né? falando em teritorio soberano)kkkk se liga Brasil.

Pimon

Artigo purulento!

Por acaso, assim… o autor não conhece linha de transmissão, o mote do programa brasileiro engendrado em 1951?

Eu disse 1951!

Exatamente o que o Brasil não tinha em 2001?

E quem disse que Belomonte dará prejuízo?

É muito lobo sob pele de viado, vixe!!!!!

Willian

Quantos cataventos são necessários para abastecer o Brasil de energia? Alguém fez a conta?

Porco Rosso

É bem comum acusarem os grupos que se opõem a essas mega-hidrelétricas de serem “contra o desenvlvimento e a soberania do Brasil”, “financiados por ONGs estrangeiras a serviço das potência imperialistas” etc.

Entretanto, quanto mais conheço sobre esses projetos, mais vejo que eles é que merecem todas essas acusações. Porque são esses projetos que fazem com que o Brasil continue sendo nada mais do que uma fazenda fornecedora de matéria-prima (metais pesados) para os países desenvolvidos. E para realizar esses projetos a Constituição do Brasil é atropelada: os processos de licitação ambiental, as oitivas com as populações afetadas, a fiscalização das condições de trabalho dos operários das obras: nada disso é feito de forma satisfatória.

Resumindo, o povo brasileiro entra com o dinheiro, a terra, os recursos ambientais, minerais e energéticos, enquanto as potência imperialistas saem com a matéria-prima que será manufaturada nas suas indústrias avançadas cujos produtos serão vendidos aqui com muito valor agregado.

    Manoel Teixeira

    Simplificação infantil.
    De onde virá a energia para gerar os milhões de empregos que precisamos?
    Se não for das hidelétricas, será das termelétricas. A eólica não fornece energia firme o suficiente. Sugiro que estudem Tesla para resolver a equação sem agredir o meio ambiente, enquanto não o fizerem, não atrapalhem a elevação da qualidade de vida do povo brasileiro.

    Porco Rosso

    Você parte distorceu ou não entendeu meu comentário. Não disse que sou contrário às hidrelétricas.

Rafael Isaacs

É fato que hidrelétricas são desastres ambientais. O rio Tapajós está cercado ainda de muita floresta virgem!

Manoel Teixeira

O pessoal do ‘grinpici’ não cansa de combater a matriz energética mais limpa do planeta.
Não os vejo reclamarem das térmicas. Precisamos de energia, muita enegia para gerar empregos para os brasileiros e garantir melhores condições de vida para 200 milhões de pessoas.
O pessoal que reclama da energia limpa das hidrelétricas deveria investir em energia alternativas de baixo custo. Sugiro que estudem Tesla e façam uma cruzada pela energia de flutuação do zero ZPE ( Zero Point Float ). Transformem isso em realidade e poderemos fechar 100% das hidrelétricas, termelétricas, nuclares, eólicas e qualquer outra forma de geração.

Jotage

Os vendedores de máquinas térmicas extremamente poluentes ou as atômicas são perseverantes e continuam seu ataque às hidráulicas.
No próprio texto o articulista cita:
“Na página 80 do Plano Decenal de Expansão de Energia 2020, é possível ler com todas as letras que ela servirá integralmente para alimentar a demanda das regiões Sudeste e Centro-Oeste”.
Oras se o plano prevê o uso da energia de um modo diferente do que o articulista prevê, não é melhor ele lutar contra as mineradoras, etc?
Ele usa um argumento válido, que é a usurpação dos minerais brasileiros para contar uma mentira: “O problema são as hodroelétricas”.

Jairo Falcucci Beraldo

Visão de futuro…apesar de tudo, haverá amanhã!

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