Professores: Projeto de inclusão da USP tem viés excludente

Tempo de leitura: 4 min

Tucanaram a inclusão social?

sugerido pelo Thiago H. de Sá

Para a comunidade Uspiana:

Foi com preocupação que tomamos conhecimento do projeto PIMESP (Programa de Inclusão com Mérito no Ensino Superior Público Paulista), enviado aos docentes no dia 21 de fevereiro do corrente.

Nosso primeiro estranhamento se justifica pelo fato das Congregações e Conselho Universitário de nossa universidade terem apenas começado a discutir o assunto estratégico das cotas sociais e étnico-raciais apenas nos últimos meses.

Em nossa faculdade, a FFLCH, por exemplo, na qual se encontram os principais estudiosos da USP a respeito do problema da inclusão universitária, a Comissão de Discussão de Cotas Raciais teve oportunidade de apresentar apenas uma primeira reflexão no mês de novembro e fomos já surpreendidos por um projeto que se afirma pronto, e frente ao qual somos instados a nos posicionar no prazo máximo de 30 dias.

Certamente sabemos que nossa universidade, assim como todo o sistema público de ensino superior do Estado de São Paulo, está bastante atrasada, quando comparada a outros centros e instituições, no que se refere à produção de uma reflexão e na gestação de projetos que se destinem ao acesso mais amplo à universidade pública.

No entanto, tal situação não justifica que após anos de silêncio, sejamos levados a tomar decisões de afogadilho e que podem incorrer exatamente nos problemas que queremos corrigir.

Chama a atenção o fato do projeto não trazer autoria definida, o que é estranho em se tratando de uma proposta de tal envergadura, que deverá ser discutida pelos principais produtores de conhecimento, a respeito do tema da desigualdade social e racial existente em nosso estado.

Além do mais, os dados apresentados profusamente ao longo da proposta não estão certificados por referências à sua origem. Assim, persistem dúvidas a respeito das fontes e metodologias que embasaram o projeto em tela.

Além do mais, uma leitura inicial do projeto veiculado pelo CRUESP mostra que este apresenta ainda falhas de digitação e de revisão, sugerindo um texto mais apressado, e certamente não em sua forma final.

A impressão de ser este apenas um projeto preliminar, que deve ser justamente discutido e revisto de maneira exaustiva pela comunidade acadêmica das universidades paulistas, entendida de maneira ampla, se consolida quando passamos à análise do conteúdo do projeto.

A primeira parte do projeto, “Alguns dados”, merece reflexão, pois comprova a existência de ampla exclusão de alunos oriundos da escola pública e, entre estes, especialmente os PPIs (pretos, pardos e indígenas, seguindo as categorias do censo nacional) dos nossos bancos universitários.

Em nosso entender, a proposta do PIMESP apresenta, nesse sentido, uma série de propostas não desenvolvidas a contento as quais correm o risco de, como já adiantamos acima, ao invés de abrir caminho para a diminuição das desigualdades sociais e raciais presentes nas universidades públicas paulistas, aprofundá-los.

Dentre os problemas chamamos a atenção para 4 questões:

1. O termo “Community College”, que aparece reiteradamente ao longo do PIMESP como modelo para o Instituto Comunitário de Ensino Superior (ICES), está sendo utilizado de maneira bastante dúbia. Não parece acertado que a USP, centro de excelência de pesquisa internacional de nosso país, se aproprie de maneira inadequada de um modelo de ensino superior que em nada se coaduna com as reais necessidades de inclusão do contexto paulista, nem reflete a estrutura do ICES.

Os “Community Colleges” são faculdades de cursos mais curtos, normalmente de dois anos, voltados para a capacitação profissional rápida de seus alunos, que saem formados e diplomados em carreiras tais como contador, secretária executiva, assistente jurídico (paralegal) etc…

Ao contrário da formação técnica do “Community College”, o ICES do PIMESP se propõe a oferecer cursos gerais, voltados para a complementação da escolarização média e para a “formação sociocultural superior para exercício de cidadania na sociedade moderna”.

Ora, se queremos de fato enfrentar as desigualdades devemos começar a tratar o jovem de baixa renda e os PPIs, provenientes da escola pública, como cidadãos que merecem e exigem, não uma extensão do ensino médio num formato paternalista, que têm como objetivo formar cidadãos.

Este aluno não merece ser tratado como um indivíduo que precisa ser diferenciado para só depois poder frequentar nossos bancos universitários, em cursos generalistas, que apenas os colocam em novos espaços de exclusão.

O que este aluno almeja é poder participar da vida universitária real de nossos campi, de maneira plena e cidadã.

Imaginar que o aluno de escola pública e de baixa renda e os PPIs precisam de um curso intermediário como esse significa não analisar o grau de inserção dos alunos que vem entrando em outras escolas pelo sistema de cotas e que
não precisaram desse tratamento desigualado. Tal postura distancia o nosso ensino público da direção tão almejada por todos nós da diminuição das desigualdades sócio-raciais.

2. Em segundo lugar, é importante sublinhar que alunos da escola pública e os PPIs fariam este curso, em grande parte, à distância.

Assim, ficariam eles, por pelo menos mais dois anos, excluídos fisicamente da frequência e da utilização de nossas instalações. Não é difícil imaginar que teríamos uma USP predominantemente branca e notavelmente elitista contraposta a uma USP virtual, onde alunos de escola pública, de baixa renda e PPIs, ficariam em espaços separados.

3. O sistema UNIVESP de ensino à distância que surge no PIMESP como ferramenta essencial para a realização do projeto é um sistema que já foi duramente criticado pela comunidade universitária e que andava, nos últimos anos, não sem razão, escanteado.

O ensino à distância pode ser eficaz e estratégico para atingir metas educacionais quando aplicado a populações de difícil acesso geográfico ou físico (população hospitalar e carcerária, por exemplo).

Nada justifica a implantação, porém, desse sistema para tratar com jovens alunos, que são justamente carentes das benesses que só a convivência universitária pode trazer. Que sentido teria oferecermos um curso presencial de excelência em nossos campi quando mantemos jovens também universitários de baixa renda e PPIs segregados em bairros periféricos da cidade de São Paulo e no interior, acessando a universidade apenas ou majoritariamente pela internet?

4. Finalmente, após um ou dois anos, o PIMESP considera a possibilidade do aluno “incluído” ingressar na universidade real, “respeitando o mérito acadêmico e de acordo com as ofertas apresentadas”. O PIMESP, portanto, não oferece nenhuma garantia de acesso desse aluno ao sistema universitário integral.

Frente a problemas, consideramos premente a dilatação desse prazo para que ocorra uma efetiva abertura de um amplo debate público na USP – e nas universidades públicas paulistas em geral. Isso para que não sejamos alijados de um amplo e necessário processo de democratização e inclusão no ensino superior, meta que hoje o Brasil enfrenta como seu grande e mais profundo desafio.

Lilia Schwarcz
Professora Titular
Departamento de Antropologia
Global Professor
Universidade de Princeton

Maria Helena Pereira Toledo Machado
Professora Titular
Departamento de História
Universidade de São Paulo

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Comentários

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Willian

Daqui a uns 10, 15 anos o PT vai propor um projeto destes. Tudo que o PT critica no PSDB ele faz alguns anos depois.

Aguardemos, pois.

    Nedi

    Concordo contigo. Só tem uma coisa que esses petistas mequetrefes não conseguem copiar dos tucanos…a popularidade deles, particularmente dos dois maiores, Çerra e fhc.

rita

também sou contra. nao sou contra uma formação geral de dois anos. a Unicamp faz isso com sucesso. o que eu sou contra sao as aulas virtuais. deem acesso universitario a esses alunos .. acesso real.

Otto

Mas um semialfabetizado de baixa renda que sai de um ensino médio ruim terá condições de interpretar textos e acompanhar a carga de leituras que um curso de humanidades exige? O que as ilustres especialistas dizem a respeito?

    francisco niterói

    o seu discurso é o mesmo que falavam, por ex, na epoca em que a UERJ implantou as cotas.

    Posteriormente, estatisticas comprovaram que estes preconceituosos estavam enganados,.

    E vc que repete este assunto 10 anos depois so demonstra que o semi alfabetizado É VOCÉ visto que nao soube ler os simples textos que foram publicados de la pra ca.

    Volta pra escola pra aprender a ler ja que preconceituosos parece ser cronico em vc e portanto vai te acompanhar, alem da arrogancia em chamar alunos pobres de semialfabetizados.

    francisco niterói

    Errata: ” o preconceito parece ser cronico em vc”

silvia macedo

A administração que fez o que fez com a comunidade de Pinheirinho agiria diferente, no campo da inclusão educacional?

josé maria de souza

Texto esclarecedor.
Parece não haver dúvida que a proposta é, na verdade, de exclusão disfarçada.
josé maria

Urbano

Essa gente da Chuíça falando em exclusão… Aí entra o sambista: brincadeira tem hora.

Wanderson Brum

O Alquimista acabou de descobrir a fórmula para a Inclusão por Fora, é um tipo de segregação high-tech que permite manter os negros e os pobres bem longe dos centros de poder( Sim! Universidade é um espaço de poder)e ainda assim afirmar por que ele incluido, ainda que por fora, que virtualmente. Tudo bem. Eu prefiro as coisa reais às virtuais, que quiser que chupe essa manga…

Rodrigo Leme

Impressionante: essa galera é até contra projeto de inclusão se isso significa ser oposição. Eternamente em campanha, massa de manobra que são.

    Pedro de Toledo

    O PIMESP não inclui. Ao contrário, é feito para segregar. Mas você sabe disso. Não é idiota. Só mal-intencionado.

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