Procuradora Deborah Duprat: Esta Comissão de Anistia, com militares, nós não vamos aceitar

Tempo de leitura: 10 min
A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, empossou nesta quarta-feira (27) os novos integrantes da Comissão de Anistia e anunciou mudanças no regimento do órgão

Audiência pública realizada pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara para tratar da situação dos anistiados políticos no Brasil. Fotos: Fernando Bola/CDHM e reprodução de vídeos

por Conceição Lemes

Desde a posse do presidente Jair Bolsonaro (PSL), em 1º de janeiro, a Comissão de Anistia (até então no Ministério da Justiça) integra a estrutura do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, chefiado por Damares Alves.

Nesta segunda-feira (15/04), faz 11 dias que a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal (MPF), recomendou à ministra, que “revogue o seu ato e faça as nomeações de modo a assegurar a necessária imparcialidade e independência da Comissão de Anistia”.

A PFDC refere-se à portaria nº 378/2019, publicada em 28 de março, que designa a nova composição da Comissão de Anistia.

Damares anunciou-a no dia anterior, quando comunicou também mudanças no regimento do colegiado.

O número de integrantes foi de 20 para 27.

Eles serão responsáveis pela análise dos 11 mil pedidos de reparação pendentes, entre os quais o da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT).

A Comissão de Anistia, de 2002 a 2018, apreciou 67 mil requerimentos, sendo 39 mil deferidos e 24 mil indeferidos.

Dos conselheiros atuais, seis são remanescentes da composição de 2018 e não cinco como está em notícia postada no portal do  Ministério. Faltou Amanda Flávio de Oliveira.

Abaixo a portaria com os nomes dos 27 conselheiros; os sublinhados em laranja são os que já estavam no colegiado.

Entre os nomeados, há militares  e pessoas com atuação manifestamente contrária às  competências da Comissão de Anistia, à concessão de reparação e à instauração da Comissão Nacional da Verdade.

A começar pelo presidente designado pela ministra, o advogado João Henrique Nascimento de Freitas.

Durante sete anos (2005 a 2012), ele foi assessor jurídico do então deputado estadual do Rio de Janeiro e hoje senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), sendo que 2005 a 2007 era o chefe de gabinete.

Em parte desse período,  Freitas teve entre os colegas de trabalho o ex-assessor e ex-motorista do primogênito de Jair Bolsonaro,  o PM Fabrício Queiroz.

Freitas, ex-assessor do vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB), é um notório adversário da agenda da reparação e da memória.

Em 2009, Freitas ajuizou ação na Justiça Federal do Rio de Janeiro para suspender a indenização (dois salários mínimos por mês) a 44 camponeses torturados durante as operações das Forças Armadas contra militantes do PCdoB na Guerrilha do Araguaia, no Pará.

Por dois anos e meio, ele conseguiu suspender liminarmente os pagamentos, mas, em 2012, os camponeses conseguiram reverter a decisão.

Freitas também moveu ação para impedir a reparação à família do ex-guerrilheiro Carlos Lamarca.

Na recomendação à ministra (na íntegra, ao final), a PFDC atenta para a independência e imparcialidade dos órgãos, a competência em direitos humanos dos conselheiros e a possibilidade de visão distorcida dos militares  no processo:

Para assegurar o exercício da memória, o restabelecimento da verdade e a realização da justiça, os órgãos com essa atribuição devem gozar de independência e imparcialidade, e que o perfil de seus membros é fator definidor para o fracasso ou sucesso de seus objetivos;

toda a jurisprudência regional e internacional sobre o tema recomenda que a nomeação dos conselheiros/comissionados deve recair sobre pessoas com competência em matéria de direitos humanos, com a neutralidade necessária para a busca da memória, verdade e justiça;

A presença de integrantes das Forças Armadas em comissões com esse propósito tem o potencial de gerar visão distorcida nesse processo integral de resgate da memória oficial, mesmo aqueles das “novas gerações”, uma vez que a hierarquia e a percepção fortalecida de corporação são características dos segmentos militares;

Assinam a recomendação: Deborah Duprat, Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão; Eliana Pires Rocha, Procuradora Regional dos Direitos do Cidadão no Distrito Federal; e Tiago Modesto Rabelo, Procurador da República e integrante do Grupo de Trabalho Memória e Verdade/PFDC.

Ao final, um alerta, com letras maiúsculas como está abaixo (confira na íntegra do documento, ao final):

ADVIRTA-SE que a presente RECOMENDAÇÃO deve ser cumprida a partir de seu recebimento e que o seu não acolhimento importará no encaminhamento da questão para as providências judiciais cabíveis, inclusive para análise das responsabilidades individuais

Ou seja, era para cumprimento imediato. Mas, a ministra não revogou a nomeação nem respondeu à PFDC. E, pelo saiu na mídia, ela vai rejeitar a recomendação.

DESMONTE INICIADO NO GOVERNO TEMER, ACENTUA-SE AGORA

A Comissão da Anistia é o órgão responsável por reconhecer e reparar as pessoas vítimas de violações de direitos humanos durante a ditatura militar (1964-1985).

Ela foi instituída pela Medida Provisória nº 2.151/01, do então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que, em 2002, se transformou na lei federal nº 10.559/02, que regulamenta também o regime do anistiado político.

Desde 31 de agosto de 2016, quando se consumou o golpe que derrubou a presidenta Dilma e Michel Temer (MDB) assumiu a Presidência da República em definitivo, a Comissão de Anistia está sob ataque.

Na verdade, dois dias depois o desmonte teve início.

O recém-empossado ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, destituiu a maioria dos conselheiros, nomeando 19 novos membros, inclusive um suspeito de ter sido colaborador da ditadura.

As sessões foram diminuindo. As atividades de memória e clínicas de testemunhos interrompidas. Julgamento de processos ficou travado; número ínfimo, foi analisado.

O que era ruim no governo Temer, está pior, pois o desmantelamento só se acentua.

A hostilidade do governo atual em relação à Comissão de Anistia é flagrante e a razão, óbvia. O clã Bolsonaro defende a ditadura militar e as atrocidades perpetradas.

Os Bolsonaro, pai e filhos, rejeitam que pessoas torturadas, perseguidas e mortas pelo aparato estatal de 1964 a 1985 sejam vítimas da ditadura.

No twitter, @DamaresAlves vai dando munição:

A ordem é pente-fino geral. Vamos abrir essa caixa preta”.

“Muita coisa estranha aconteceu nesta Comissão. Amanhã começamos a abrir essas caixinhas”.

No evento de 27 de março a ministra anunciou auditoria e revisão de reparações já concedidas.

Ela tem falado ainda em indeferimentos em massa. Em 26 de março, divulgou a rejeição de 265  pedidos de reconhecimento de anistiados políticos.

Já aventou até CPI e término da Comissão de Anistia.

CDHM: “GOVERNO, VIA MINISTÉRIO, TENTA INVERTER PAPÉIS”

Não é à toa, que no início de abril (03/04), anistiados políticos lotaram o auditório Freitas Nobre, na Câmara dos Deputados, com um misto de indignação e perplexidade.

Participaram da audiência pública organizada pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM), da Câmara, para tratar da situação dos anistiados políticos no Brasil nestes novos tempos sombrios.

A recomendação da PFDC à ministra Damares ocorreu um dia após essa audiência.

“O governo federal, por meio do Ministério de Direitos Humanos, tenta reformular a Comissão de Anistia; propõe uma revisão, que é claramente uma tentativa de inverter os papeis”, condena o deputado Helder Salomão (PT-ES), presidente da CDHM.

“Não podemos aceitar ou achar normal que representantes do Estado brasileiro se coloquem do lado dos torturadores, seja em manobras para impedir o acesso dos anistiados aos seus direitos, seja no disparate de comemorar o golpe de 1964”, alerta.

Para ex-conselheira Eneá Stutz e Almeida, toda e qualquer afirmação no sentido de modificar a atuação da Comissão, extingui-la ou coisa que o valha, a rigor não pode acontecer.

“É que a base, o fundamento, para existência da Comissão de Anistia é constitucional”, argumenta.

José Carlos da Silva Filho, ex-vice-presidente da Comissão da Anistia, considera injusto rever tudo o que foi feito.

“É absolutamente odioso e reprovável criar um espírito generalizado de suspeita sobre o trabalho de reparação que a Comissão de Anistia fez durante todo esse tempo”, lamenta.

“Isso vai atingir diretamente as pessoas que sofreram a violência estatal”, adverte. “Elas estão se sentindo novamente perseguidas”.

DUPRAT: MILITARES NÃO PODEM; FORAM AUTORES DAS VIOLAÇÕES

A Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, participou da audiência pública na CDHM.

Logo início da sua apresentação, ela ressalta que a reparação tem muitas dimensões (assista abaixo), e a compensação pecuniária é apenas uma das interfaces.

Mais do que a questão financeira, ela frisa, a reparação significa o reconhecimento e a responsabilização do Estado pelas violações aos direitos humanos por ele perpetradas.

Dois dados muito importantes, a procuradora destaca:

“A composição, que foi absolutamente alterada — integrantes do aparato militar não podem fazer parte de Comissão de Anistia! E as revisões das decisões pela consultoria jurídica do Ministério da Justiça”.

Quanto à composição atual, são pessoas com pouquíssimo perfil que se exige para tais comissões.

Quanto às revisões das decisões estarem sendo feitas pelo corpo jurídico do Ministério da Justiça, Duprat diz que a atribuição deles é essencialmente a defesa do patrimônio público. Portanto em descompasso com a obrigação do Estado de ressarcir as vítimas.

“Você não pode submeter o que a Comissão da Anistia compreende em relação à dor e às graves violações provocadas pelo Estado a uma composição de juristas que vai analisar na perspectiva da defesa do patrimônio público da União”, justifica Duprat.

A Comissão de Anistia foi criada com o propósito que está dentro da lógica de toda comissão da verdade.

São comissões instaladas, para que a gente faça o luto conveniente desse período de gravíssimas violações de direitos humanos.

“São espaços de acolhimento, de compreensão do que foi ser excluído dessa sociedade pela morte, pela tortura, pelo exílio, enfim, pelas coisas mais abjetas que podem acontecer em uma sociedade”, prossegue.

A Comissão de Anistia tem também a missão constitucional de resgatar a memória dos episódios que ocorreram no período da ditadura militar e torná-los públicos, a fim de evitar a repetição de violações sistemáticas de direitos humanos.

Por isso, a orientação é que essas comissões sejam compostas por pessoas que compreendam direitos humanos e esse papel do Estado.

“Neutralidade é uma das características de toda comissão de anistia”, frisa a procuradora.

E reforça peremptoriamente: ”Integrantes do aparato militar não podem fazer parte de comissão de anistia!Por quê?! Porque foram os autores das violações!”

— E as novas gerações de militares podem?

“Mesmo as novas gerações não podem fazer parte de Comissão de Anistia.  Elas estão dentro de uma corporação que tende a se defender”.

Além disso, o número de integrantes da Comissão caiu de 20 para nove, ela avisa.

— Mas não aumentou de 20 para 27?! – alguém de bate pronto já deve ter questionado.

Também fizemos essa pergunta à procuradora Deborah Duprat, via assessoria de imprensa da PFDC.

Segue a resposta:

Informamos que apesar de terem sido nomeados mais membros nesta comissão, houve uma alteração no regimento, diminuindo o número mínimo de integrantes de 20 para 9. Isso traz vulnerabilidade diante da possibilidade de retirada de membros, levando, consequentemente, a comissão a ter menos que os 20 anteriormente exigia anteriormente”.

Enfim, tudo na contramão de uma Comissão de Anistia, da Comissão da Verdade e da Constituição.

EM VEZ DE ACOLHIMENTO, REENCONTRO COM SEUS ”ALGOZES”

Segue um pouco de informação sobre alguns dos 27 conselheiros da Comissão:

General da reserva Luiz Eduardo Rocha Paiva — Foi comandante da Escola de Comando do Estado Maior do Exército, além de secretário-geral do Comando do Exército.

Ao passar para a reserva, tornou-se, entre os militares, um dos maiores opositores públicos à Comissão Nacional da Verdade.

Em 2012, em entrevista à jornalista Miriam Leitão, colunista de O Globo, ele disse que duvidava que Dilma tivesse sido torturada.

Na ocasião, ao ser indagado sobre se a tortura era justificável, ele questionou:

— Sim, ela (Dilma) diz que foi submetida a torturas. A senhora tem certeza? — afirmou o general Rocha Paiva.

— Eu não sei… Eu quero que me mostre um caso histórico de uma reação a essa esquerda revolucionária que tenha tido um desfecho tão pouco traumático como no Brasil – disse à época.

Cláudio Tavares Casali — Ex-paraquedista do Exército. Comandou o 25º Batalhão de Infantaria Paraquedista. Atuou como oficial de operações da Missão das Nações Unidas no Haiti, em 2006.

Sérgio Paulo Muniz da Costa — Coronel do Exército, comandou o 27º Grupo de Artilharia de Campanha em Ijuí (RS), mesmo posto já ocupado pelo vice-presidente Hamilton Mourão.  Em artigo publicado em agosto de 2018 no Diário do Comércio,  Muniz da Costa escreveu: “o bolivarianismo lulista, tolerado pela justiça e incensado pela intelectualidade, continua à solta, trazendo prejuízos à economia, desafiando a lei”.

Em 28 de março, fez palestra no Quartel-General do Exército, em Brasília, cujo título era “Revolução democrática de 31 de março de 1964”

Diógenes Camargo Soares – Militar da ativa. Tenente-coronel aviador da Aeronáutica, foi chefe da assessoria jurídica do Comando-Geral do Pessoal da Aeronáutica.

Dionei Tonet – Tenente-coronel da Polícia Militar de Santa Catarina.

José Roberto Machado Farias  — Ex-subprocurador-geral da União, exerce desde janeiro o cargo de chefe da Assessoria Jurídica da Vice-Presidência da República.

Joanisval Gonçalves — Não é militar, mas faz parte do órgão de assistência técnica direta e imediata do Ministério da Defesa.

Amanda Flávio de Oliveira — Advogada e professora de Direito. No final de 2018, durante uma sessão da Comissão de Anistia chamou um anistiando de terrorista.

Aécio de Souza Melo Filho — Professor e juiz substituto do Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba (TRE-PB), é colaborador emérito do Exército Brasileiro.O diploma foi concedido pelo Comandante Militar do Nordeste, general-de-Exército Artur Costa Moura, e entregue pelo General-de-Brigada Ridauto Lúcio Fernandes, Comandante da 7ª Brigada de Infantaria Motorizada.

Julio Casarin — Advogado. Em 2016, pediu à Justiça para anular o direito concedido à ex-presidenta Dilma de usar o Palácio da Alvorada, jatos da FAB e receber vencimentos após o início do processo de impeachment.

Procurado pela imprensa, o Ministério da Mulher, disse que os conselheiros foram escolhidos por critérios técnicos, como área de formação e experiência no setor público.

“É esta Comissão de Anistia que nós não vamos aceitar”, afirma a procuradora Deborah Duprat.

“Uma provocação ao movimento e à história daqueles que lutaram e perderam suas vidas enfrentando a ditadura militar”, repudia, em manifesto (na íntegra ao final), a Plenária de entidades, grupos e representantes de anistiados e anistiandos do Brasil, realizada em Brasília.

“Estas nomeações são um escárnio que subverte as finalidades institucionais do órgão legal de reparações”, afirma.

“A nomeação de conselheiros para a Comissão da Anistia em total oposição e contradição com seus objetivos constitui evidente afronta à lei”, completa.

Damares empossa os novos integrantes da Comissão de Anistia. O Viomundo pediu mas a assessoria de imprensa do Ministério da Mulher e Direitos Humanos se negou a identificá-los nas fotos. Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil

RECOMENDAÇÃO DA PFDC À MINISTRA DAMARES

 

Manifesto da Plenária de entidades de anistiados políticos

 


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Comentários

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maria do carmo

Bolsonaro bronco sem nocao escolheu a pastora Damares para ministra tao deslumbrada quanto ele megalomaniacos iguais, Damares pau mandado do maluco e a idiota perfeita comandada pelo louco suicida!

Zé Maria

Aparelhamento de Milicos na Comissão de Anistia.
A PFDC não aceita e Nós também não aceitamos!

    oldhemar

    agentes contrários à narrativa petista não podem fazer parte.mas ex guerrilheiros e gente ligada à bandeira comunista pode né.vocês tem que se foder mesmo. Anistiar não significa dar dinheiro do povo para este bando de vagabundos.A piranha da dima foi tão anistiada que já teve até a honra de ser presidente do brasil.quer mais o que???que tipo de reparação ou indenização pode ser maior do que essa???Artistas consagrados,politicos de carreira e etc ganhando por suposta reparação da perseguição no período militar.babaquice.e não vão conseguir nada.

emerson57

“Esta Comissão de Anistia, com militares, nós não vamos aceitar”
Sei.
Quem aceita Lula preso aceita qualquer coisa!

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