Indígenas Warao: Organizações denunciam negligência do Estado e cobram garantia de direitos; íntegra

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Sem trabalho, moradia adequada e vivendo de doações, essa é a realidade dos indígenas Warao em Recife, PE. Foto: Assessoria de Comunicação Cáritas Brasileira, Regional Nordeste 2

Organizações da sociedade civil denunciam negligência do Estado e cobram garantia de direitos aos migrantes indígenas Warao em Pernambuco

Em carta publicada nesta quinta, 03, organizações da sociedade civil, exigem providências da prefeitura do Recife e do Governo do Estado de Pernambuco

Cimi

Organizações da sociedade civil tornaram pública nesta manhã do dia 03 de dezembro, uma Carta-Denúncia (na íntegra, ao final) e um Relatório detalhado sobre as condições absolutamente insalubres de sobrevivência de migrantes indígenas Warao em Pernambuco.

Nela, expressam repúdio e cobram providências do Estado brasileiro, bem como, das autoridades competentes para que, no bojo de suas responsabilidades, acionem a Prefeitura da Cidade do Recife e o Governo do Estado para cumprirem medidas necessárias à proteção e garantia de direitos e dignidade aos indígenas Warao, migrantes venezuelanos hoje residentes em Pernambuco.

Sem trabalho, moradia adequada e vivendo de doações, este povo enfrenta uma condição de hipervulnerabilidade.

O quadro é agravado pela negação do direito fundamental à saúde, em meio à crise sanitária causada pelo novo coronavírus, pelo despreparo estatal para lidar com a diversidade étnica e cultural e pelo racismo e xenofobia estrutural que caracterizam nossas instituições.

“É de se destacar também o caso de internação de uma criança de 03 (três) anos de idade, já no corrente mês de novembro, em estado gravíssimo com meningite meningocócica”, além de casos de tuberculose pulmonar levando à morte evitável de adolescente indígena, conforme informações da Carta-Denúncia e Relatório.

No documento, são expostas várias outras situações violatórias e atentatórias ao núcleo mais básico dos Direitos Humanos, como a fome, desnutrição, falta de acesso adequado à água potável, habitações inadequadas e a inexistência de políticas públicas que contemplem migrantes internacionais em condição de vulnerabilidade e/ou com especificidades étnicas e culturais como as dos indígenas Warao.

“É preciso somar forças, por isso estamos em busca de Instituições, Organizações, Movimentos, Coletivos e Coletivas para compor a assinatura desta nota”, apontam as organizações signatárias do documento.

A Carta-Denúncia sobre as violações de direitos de migrantes indígenas Warao permanece recebendo assinaturas.

Para assinar também, clique aqui.

Sobre os Warao

O povo indígena Warao, habitantes tradicionais do delta do rio Orinoco, em grande parte localizado no estado Delta do Amacuro, Venezuela, é um grupo étnico com formas específicas de organização social e costumes.

Compartilham uma língua comum chamada Warao e atualmente, somam cerca de 49 mil indivíduos.

Sob agressivo processo de ocupação de suas terras tradicionais, esses indígenas deram início à sua trajetória migratória forçada, em direção a centros urbanos, inclusive de outros países.

Diante da crise humanitária em curso no país vizinho, assim como muitos venezuelanos não indígenas, os Warao viram-se obrigados a buscar outras localidades fora do país nas quais pudessem viver com condições mínimas de saúde, dignidade e segurança.

Os primeiros grupos de migrantes indígenas Warao chegaram a Pernambuco no segundo semestre de 2019, provenientes de uma longa jornada de migração, sendo, atualmente, registrada a presença em diversos municípios do estado, como Recife, Jaboatão dos Guararapes, Caruaru e Garanhuns.

Na capital pernambucana passaram a ocupar, inicialmente, imóveis abandonados com sérios problemas estruturais no centro da cidade, sem fornecimento de água e energia elétrica, sem quaisquer condições sanitárias, além de um sério risco de desabamento apontado pela Defesa Civil.

Hoje, persiste a precariedade em relação à moradia, ao acesso à atenção primária à saúde, à segurança nutricional e hídrica.

Abaixo, a íntegra da carta-denúncia

Carta-denúncia à proteção e garantia de direitos e dignidade dos indígenas Warao, migrantes venezuelanos hoje residentes em Pernambuco

A presente carta, assinada pelas organizações da sociedade civil subscritas, vem externar repúdio, denunciar e demandar providências das autoridades competentes para que, no bojo de suas responsabilidades, acionem a Prefeitura da Cidade do Recife e o Governo do Estado de Pernambuco para cumprirem as medidas necessárias à proteção e garantia de direitos e dignidade dos indígenas Warao, migrantes venezuelanos hoje residentes em Pernambuco.

O povo indígena Warao, tradicionalmente habitante do delta do rio Orinoco, em grande parte localizado no estado Delta do Amacuro, Venezuela, é um grupo étnico com formas específicas de organização social e costumes, compartilhando uma língua comum, também chamada Warao, e totalizando, atualmente, cerca de 49 mil indivíduos.

Em razão de um processo agressivo de ocupação de suas terras originárias, esses indígenas deram início à sua trajetória migratória forçada, ainda no interior da própria Venezuela em direção a centros urbanos.

Com a grave crise humanitária em curso naquele país, conjuntamente a muitos venezuelanos não indígenas, viram-se obrigados a buscar outras localidades fora do país nas quais pudessem viver com condições mínimas de saúde, dignidade e segurança.

Nesse contexto, os primeiros grupos de migrantes indígenas Warao chegaram a Pernambuco no segundo semestre de 2019, provenientes de uma longa jornada de migração, sendo, atualmente, registrada a presença em diversos municípios do estado, como Recife, Jaboatão dos Guararapes, Caruaru e Garanhuns.

No Recife, esses migrantes passaram a ocupar, inicialmente, imóveis abandonados com sérios problemas estruturais no centro da cidade, sem fornecimento de água e energia elétrica, sem quaisquer condições sanitárias, além de um sério risco de desabamento apontado pela Defesa Civil.

Diante dessa situação, a Defensoria Pública da União (DPU) e Defensoria Pública do Estado de Pernambuco (DPPE) propuseram uma Ação Civil Pública (ACP) distribuída sob o nº 0804566-11.2020.4.05.8300 e em trâmite perante a 2ª Vara Federal da Seção Judiciária de Pernambuco com o objetivo de impelir o poder público a garantir o direito à moradia digna aos migrantes indígenas Warao, sendo deferido o pleito pelo Juízo.

Em consequência da determinação no âmbito do referido processo, foi firmado um acordo extrajudicial em que a Prefeitura da Cidade do Recife (PCR) se comprometeu a realizar, mensalmente, depósitos bancários, em valor equivalente a 15 (quinze) benefícios eventuais, totalizando R$ 3.000,00 (três mil reais) a serem destinados ao custeio de aluguéis de imóveis que oferecessem condições adequadas de habitação até dezembro de 2020, o que, entretanto, ocorreu de forma mitigada e incipiente, pois não contempla a integralidade dos migrantes indígenas Warao.

Ademais, para além dos dois grupos favorecido pelos benefícios eventuais (que não são suficientes para custear imóveis com as condições necessárias), há pelo menos um grupo de migrantes indígenas Warao que segue vivendo numa ocupação e mais outros dois grupos que, de maneira precária, bancam o pagamento dos aluguéis dos imóveis com enorme dificuldade para custeá-los, visto que a expressiva maioria dessa população não tem acesso a trabalho, vivendo de doações voluntárias intermitentes e dinheiro recolhido nas coletas feitas nas ruas, ao arrepio de uma política pública integrada e consistente por parte do Poder Público.

Todas as casas supramencionadas, frise-se, enfrentam problemas de coabitação excessiva, falta de ventilação, excesso de umidade, precariedade nas redes elétrica e hidráulica, falta de cobertura adequada pela atenção das forças de segurança pública e rede de atenção primária à saúde.

É de suma importância destacar que, a despeito do tratamento que tem sido conferido pelo poder público à população migrante indígena Warao no Recife, a Portaria nº 468, de 13 de agosto de 2020, do Ministério da Cidadania dispôs sobre o repasse emergencial de verbas federais para a oferta de ações socioassistenciais específicas para migrantes e refugiados no município do Recife, no montante de R$ 288.000,00 (duzentos e oitenta e oito mil reais), o que seria suficiente para a disposição de imóveis com as condições necessárias para o alojamento dos migrantes indígenas Warao em condição de hipervulnerabilidade na cidade.

A realidade, porém, é que já no início do mês de dezembro e às vésperas do prazo final fixado no acordo extrajudicial supracitado para o pagamento dos benefícios eventuais que garantem, ao menos em parte, a locação de dois dos imóveis em que estão alojados os migrantes, a Prefeitura da Cidade do Recife, mesmo mediante insistentes provocações de entidades da sociedade civil, ainda não apresentou de maneira formal qualquer solução habitacional definitiva para os migrantes indígenas Warao.

Para além do grave atentado ao direito à moradia, expressamente previsto e garantido a todos no rol dos direitos sociais assegurados pelo artigo 6º, caput, da Constituição Federal da República de 1988, o direito à saúde dos migrantes indígenas Warao também tem sido sumariamente violado, conforme passará a dispor.

Recentemente, ganhou grande notoriedade o falecimento de uma adolescente por tuberculose pulmonar em uma das casas que alojam os migrantes indígenas Warao na cidade do Recife, o que enfatiza a grave ineficiência do sistema público em proporcionar um acompanhamento médico adequado às pessoas e acarreta, nos casos mais extremos, a perda de uma vida por uma doença curável.

É de se destacar também o caso de internação de uma criança de 03 (três) anos de idade, já no pregresso mês de novembro, em estado gravíssimo com meningite meningocócica.

Acontece que, além de os imóveis que alojam os migrantes indígenas Warao estarem em áreas descobertas pelo sistema público de saúde, não há, até o presente momento, o desenvolvimento de um fluxo de atendimento que leve em consideração as peculiaridades comportamentais e culturais dessa população, o que denota o despreparo estatal para lidar com a diversidade étnica e cultural, seu racismo e xenofobia institucional, o que faz com que os migrantes não tenham acesso à atenção primária à saúde, recorrendo aos postos públicos de atendimento apenas em casos de extrema gravidade.

Com relação às violações de direitos vinculadas a episódios que envolvem o sistema público de saúde, merece destaque ainda o caso da migrante indígena Warao parturiente que sofreu violência obstétrica, incluindo cesárea sem esclarecimento e consentimento adequado, supressão do direito de amamentação e contato pele a pele com a criança por cinco dias, contrariando o fluxo de amamentação do próprio Ministério da Saúde e da OMS, e os desdobramentos do falecimento da adolescente por tuberculose pulmonar que teve seu corpo retido à sua família, o que retardara por três dias a possibilidade do sepultamento, inviabilizando a realização dos ritos fúnebres tradicionais.

Diante do exposto, é revelado que, para além dos casos graves e emergentes que vêm assolando os migrantes indígenas Warao, é notória a paulatina falta de atenção estatal que acarreta em fome, desnutrição, habitações insalubres, mortes precoces e a inexistência de políticas públicas específicas para migrantes internacionais em condição de vulnerabilidade e/ou com necessidades culturais próprias.

Diante de todo o exposto, vimos manifestar a necessidade premente de um amplo debate sobre o quadro violatório aos direitos dos migrantes indígenas Warao, sob a ótica da garantia da dignidade da pessoa humana, livre de toda e qualquer forma de discriminação, conforme apregoa o artigo 1º da CF/88 e requerer:

a) A elaboração e desenvolvimento de um Plano de Ação de assistência social inclusivo que leve em conta as particularidades culturais e peculiaridades do modo de vida dos migrantes indígenas Warao;

b) A aplicação dos recursos federais repassados para a oferta de ações socioassistenciais a migrantes e refugiados, instituído pela Portaria nº 468/2020, para a locação de imóveis destinados ao alojamento dos migrantes indígenas Warao, de forma a garantir a efetivação de moradia digna a essas pessoas;

c) O estabelecimento de um fluxo de atendimento inclusivo para os migrantes indígenas Warao no sistema público de saúde, considerando as especificidades dessa população e o advento da pandemia do vírus COVID-19, para que se facilite o acesso simplificado aos serviços de atenção primária, à saúde da gestante e demais procedimentos médico-hospitalares, sendo reconhecido o protocolo de refúgio para os atendimentos a essa população específica;

d) A garantia da segurança alimentar e nutricional a todos os migrantes indígenas Warao;

e) A reparação dos danos causados por todas as violações de direitos provocadas até então.

Recife – PE, 03 de dezembro de 2020

Cáritas Brasileira Regional Nordeste 2
Neilda Pereira da Silva
Secretária Executiva Regional

Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social (CENDHEC)
Antonio Celestino
Airon Oliveira

Conselho Indigenista Missionário (CIMI) – Regional Nordeste
Alcilene Bezerra da Silva
Coordenadora Regional

Grupo Migrações, mobilidades e gestão contemporânea de populações (MIGRA)
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
Profa. Ana Carolina Gonçalves Leite
Prof. Bertrand Cozic
Profa. Sofia Zanforlin
Coordenadores

Serviço Pastoral dos Migrantes do Nordeste
Shirley Luis da Silva
Presidenta

Serviço Pastoral dos Migrantes Nacional
Roberto Saraiva
Coordenação Executiva Colegiada

Controle Social do Comitê de Estudos da Mortalidade Materna de Pernambuco

Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante (CDHCI/SP)

Coletivo Indígena Karaxuwanassu (RMR/PE) – Precisamos não ser omissos chega de desigualdade e injustiça

Comitê Mineiro e Apoio as Causas Indígenas (CMACI/MG)

Congregação Religiosa Carmelitas da Caridade de Vedruna

Conselho Nacional de Ouvidorias de Defensorias (AC)

Cruzando Histórias (SP)

Grupo Curumim – Gestação e Parto (Recife/PE)

Grupo de Pesquisa sobre Identidades Coletiva, Conhecimentos Tradicionais e Processos de Territorialização da UFPI

Laboratório do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia da UFPI

Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Etnicidade (NEPE) da UFPE

Núcleo de Políticas Públicas em Direitos Humanos (NEPP DH/UFRJ)

Observatório Popular de Direitos Humanos (OPDH/PE)

Pastoral Ambiental da Arquidiocese de Olinda e Recife

Pastoral da Criança Indígena (MT)

Mandato Coletivo Pretas Juntas

Rede Meu Recife

Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares (RENAP/PE)

Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas

Rede Solidária em Defesa da Vida (PE)

Além das Grades – Grupo de Extensão da UFPE

Recife, 03 de dezembro de 2020.


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Comentários

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Zé Maria

Miguel Arraes se revolve no Túmulo
com essa Oligarquia Pernambucana
montada pelos Campos com o PSBPE

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