Marcelo Zelic: Apuração de morte de Guarani-Kaiowá corre risco de manipulação

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Zelic: É fundamental que o ministro José Eduardo Cardozo,  determine o caráter federal da investigação deste caso. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr

de Marcelo Zelic, via e-mail

Caros Luiz Carlos Azenha e Conceição Lemes:

Há tempos não escrevo para o Viomundo por estar envolvido com a pesquisa das violações de populações indígenas durante o período em análise pela Comissão Nacional da Verdade (1946-1988). Mas a execução de Denilson Quevedo Barbosa, indígena Guarani-Kaiowá de 15 anos, me obriga a solidarizar-se com a dor dos povos Guaranis e kaiowás e pedir publiquem esta carta.

O assassinato ocorreu no sábado, 16 de fevereiro de 2013,  em Caarapó, Mato Grosso do Sul (MS). Foi na Fazenda Sardinha, vizinha à aldeia Tey ‘ikue, onde Denilson vivia. No dia 19, o fazendeiro Orlandino Carneiro Gonçalves assumiu a autoria do crime, alegando que foi sem intenção. Após prestar depoimento, foi solto.

A morte do jovem Denilson não pode ser entendida como um simples caso de homicídio, pois está inserida num contexto de violência extrema contra indígenas que se arrasta há muito tempo naquele Estado. A apuração deste caso, entregue à polícia civil, tirando com isso todo o seu contexto de conflito agrário, é uma manipulação absurda da realidade.

Cabe, sim, à Polícia Federal apurar mais este assassinato de indígena, tipo de crime que nos últimos 9 anos chega à absurda cifra de 273 casos na região. Lembro-me que até a presença do Ministério Público Federal foi hostilizada lá em meados do ano passado, quando realizava reunião com as lideranças indígenas na aldeia. Tiros foram desferidos por agentes dos fazendeiros para intimidar a ação dos procuradores.

A terra sem lei, é sem lei quando o Estado não se faz presente de forma efetiva na defesa do que é certo e justo. Quando o Estado brasileiro vai enfrentar este problema e resolver os reclamos da nação Guarani e Kaiowá?

É fundamental que o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo,  determine o caráter federal da investigação deste caso, apure se houve TORTURA antes do assassinato e desloque para a região um efetivo permanente da Força de Segurança Nacional, como pedem as lideranças, para garantir a vida em comunidade desta população indígena.

O reconhecimento do limite de seus territórios reclamados e o empenho para a desocupação daqueles que ali não deveriam estar, com seus gados, segurança privada e jagunços, é o mínimo que esperamos de nosso governo. Não é de hoje que esta violência está presente na vida destas comunidades, são décadas e décadas de sofrimento e dor.

Para construir um NUNCA MAIS a esta barbárie, só há um caminho: a responsabilização e esclarecimento não só deste caso, mas também dos demais, e a prisão de mandantes e executores.

O BRASIL SEM MISÉRIA não é um assunto só de renda per capita e índices. Mesmo que logremos extirpar essa chaga da miséria profunda, só será possível comemorarmos, quando efetivamente a porção não-índia desta nossa nação compreender que todos têm o direito de EXISTIR neste país. E também que aos povos indígenas cabe, por direito ORIGINÁRIO, uma parcela necessária de território para seguir sua vida e cultura.Se continuarmos como nação a negar os direitos indígenas, seremos uma nação de miseráveis.

No vídeo abaixo um depoimento contundente de Valdelice Veron sobre os crimes de assassinatos praticados contra as lideranças Guarani e Kaiowá.

Atenciosamente,

Marcelo Zelic
Vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais-SP e membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo
Coordenador do Projeto Armazém Memória

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renato

Quem mata Índio em nosso território esta desrespeitando
nossa Bandeira, nosso País, nossos valores.
Quem mate índio por terras, NÃO É BRASILEIRO.
Portanto deve ser tratado como mercenário.
Há eles nem o direito de Justiça.
Mercenário não tem pátria, não tem pai.
O único direito que tem é o de retornar ao pó.

Marisa Greeb

Fico com muita vergonha de ouvir esse clamor indígina. Afinal de quem é esta terra, quem foi invadido? Precisamos urgente recuperar nossa dignidade reconhecendo nossa história, e devolvendo a quem de direito as terras que dão a sobrevivência a eles.Afinal de que lado estão os meus amigos? Estarei perdendo a visão?

    renato

    policia Federal no caso.
    É só chamar alguns policiais federias
    que conhecem este assunto, e eles resolvem
    já. MAS a FEDERAL.

Urbano

Quando se trata principalmente de defesa dos pobres em geral e de interesses do Brasil, esse é de fazer inveja a pôncio pilatos.

Eduardo Oliveira

Índios,lideranças,caciques e até professores indígenas estão sendo brutalmente, assassinadas e o estado brasileiro, e em particular na pasta do ministério da Justiça não tem encontrado a devida ressonância. O caso do jovem Denilson Quevedo Barbosa, indígena Guarani-Kaiowá de 15 anos, no dia 16/02/2013, reflete o descaso. No dia 19, o fazendeiro Orlandino Carneiro Gonçalves assumiu a autoria do crime, alegando que foi sem intenção. Após prestar depoimento, foi solto. Cadê o Governo, ministério da justiça, cadê o tal ministro ?

Julio Silveira

No Brasil, as elites adoram lideranças populares mortas.
Infelizmente eles não gostam de serem confrontados com as próprias consciências. Tem preferencia pela falta de sensação de humanidade que suas vidas lhes ensinam e suas culturas anestesicas lhes impõe.

Mardones

“Cabe, sim, à Polícia Federal apurar mais este assassinato de indígena, tipo de crime que nos últimos 9 anos chega à absurda cifra de 273 casos na região.”

273 mortes e o governo federal ainda não montou uma força tarefa para atuar na região?!

Também pudera, esse homem que ocupa o cargo de ministro da justiça da Dilma é moço de recado do fazendeiro, banqueiro, especulador, patrocinador de mensalões Daniel Dantas.

João Vargas

É muito grave o que foi relatado nesta carta. Um indígena de 15 anos, praticamente uma criança, assassinado por um fazendeiro. Tem que haver uma mobilização de entidades como OAB, Direitos Humanos, Ministério Público Federal para que não haja mais um caso de impunidade. Só por tratar-se de um indígena com o agravante de ser menor de idade já impõe legalmente a interferência da polícia federal e do MPF na apuração do crime.

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