Faz 10 anos que Alyne Pimentel, grávida de 27 semanas, morreu de causa plenamente evitável

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Alyne da Silva Pimentel: Uma morte materna plenamente evitável

por Conceição Lemes

Nesta sexta-feira 16, faz exatamente dez anos que Alyne da Silva Pimentel morreu. Negra, 28 anos, moradora de Belfort Roxo, na Baixa Fluminense (RJ), casada, mãe de uma menina de 5 anos.

O Viomundo denunciou o caso aqui  e aqui. Para quem ainda não o conhece, relembramos os pontos principais.

Em 2002, grávida de 27 semanas, Alyne procurou uma casa de saúde particular com vômitos e fortes dores abdominais. Foram-lhe prescritos remédios para náuseas, vitamina B12 e infecção vaginal.

Dois dias depois piorou, voltou à casa de saúde, fez ultra-sonografia. O feto estava morto. Os médicos induziram o parto. Mas só fizeram a cirurgia para retirar a placenta 14 horas depois. Alyne teve hemorragia, vomitou sangue, a pressão arterial caiu. Decidiram transferi-la para um hospital público.

O único que a aceitou foi o Hospital Geral de Nova Iguaçu. Alyne esperou oito horas por ambulância. Como a casa de saúde não encaminhou junto qualquer documento que indicasse o seu estado clínico, ficou horas no hall da emergência, pois não havia leito disponível. Aí, entrou em coma e faleceu. Entre o mal-estar inicial e o óbito se passaram cinco dias.

Alyne morreu devido à falta de acesso a um pré-natal de qualidade, o nosso calcanhar-de-aquiles,  pesando muito, é claro, a discriminação sistemática por ser negra e pobre. Aliás, a alta taxa de mortalidade materna no Brasil se deve principalmente à má qualidade do atendimento e à falta de organização das redes de serviços, e não por falta de acesso ao pré-natal, como muitos  como muitos propagandeiam.

O caso foi denunciado ao Comitê para a Eliminação de Discriminação contra a Mulher (Cedaw), da Organização das Nações Unidas (ONU).

Em 10 de agosto de 2011, o Brasil foi condenado. Foi o primeiro de caso de morte materna julgado pelo Comitê Cedaw.  Ele concluiu que o Estado brasileiro falhou em proteger os direitos humanos de Alyne: o direito à vida, o direito à saúde e o direito à igualdade e não discriminação no acesso a saúde.  Como sanção , determinou reparação à família, inclusive financeira, e a implementação de uma série de recomendações, para que mais Alynes não morram de uma morte  evitável.

A advogada Beatriz Galli atuou no caso.  Foi coautora da petição de amicus curiae apresentada ao Cedaw em nome do Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher  — o Cladem Brasil. Ela é relatora do Direito Humano à Saúde Sexual e Reprodutiva da Plataforma Dhesca e assessora de políticas para a América Latina do Ipas. Pedimos então que fizesse, numa data emblemática como a de hoje, um balanço do caso Alyne e da situação morte materna no Brasil.

Viomundo – O Estado brasileiro foi condenado pelo Cedaw a indenizar a família de Alyne e a adotar uma série de medidas para evitar mortes maternas. Como está a indenização da família? Eu soube que estava enfrentando sérias dificuldades financeiras.

Beatriz Galli – O governo vem realizando reuniões para tratar do assunto com as organizações não governamentais peticionárias do caso. O governo se comprometeu a pagar a indenização, mas, infelizmente, ainda não o fez.

Realmente, como você disse, a família vive uma situação financeira difícil. Por isso, foi formado o Grupo de Apoio à Família de Alyne, integrado por um grupo de pessoas que mora no estado do Rio de Janeiro, conhece o caso e que vem dando suporte financeiro e emocional à família.

Viomundo – O Cedaw determinou também a implementação de medidas para prevenir a morte materna. Em que pé estão? Daria para apontá-las?

Beatriz Galli —  Além da reparação financeira para a família, as outras medidas pelo Comitê Cedaw são:

* Assegurar o direito das mulheres à maternidade segura e acesso à assistência médica emergencial adequada, a preços acessíveis.

* Proporcionar formação profissional adequada aos profissionais de saúde, especialmente sobre os direitos reprodutivos das mulheres à saúde. Incluem-se aí  tratamento médico de qualidade durante a gravidez e o parto, bem como assistência obstétrica emergencial adequada.

* Assegurar acesso a medidas eficazes nos casos em que os direitos das mulheres à saúde reprodutiva tenham sido violados e promover a qualificação do Poder Judiciário, responsável pela aplicação da lei.

* Assegurar que sanções adequadas sejam impostas a profissionais de saúde que violem os direitos humanos relacionados a saúde reprodutiva das mulheres.

* Reduzir as mortes maternas evitáveis através da implementação do Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna nos níveis estadual e municipal. Isso implica criação de comitês de mortalidade materna em lugares onde ainda não existem.

Mas essas medidas também estão pendentes.

Viomundo — O atestado de óbito de Alyne aponta hemorragia digestiva como causa da morte. Ele vai ser alterado a partir do momento em que o Brasil assumir responsabilidade pela morte dela?

Beatriz Galli – Creio que isso poderá ser definido no rol de medidas a serem tomadas pelo Brasil em cumprimento à decisão do Comitê Cedaw. Deverá ser feito em conjunto e anuência da organização peticionária do caso, o Center for Reproductive Rights.

Viomundo – Como está a mortalidade materna no Brasil? 

Beatriz Galli – Gira em torno de 75 mortes por 100.000 nascidos vivos, segundo dados do Ministério da Saúde. Portanto, um grave problema de saúde pública no Brasil.

Viomundo – Até 2015, o Brasil vai conseguir cumprir a meta do milênio das Nações Unidas na área de mortalidade materna?

Beatriz Galli — Não, apesar de ter havido redução na última década. Mas ainda é insuficiente. Para atingir a meta do quinto Objetivo de Desenvolvimento do Milênio (ODM), o Brasil deverá apresentar índice de mortalidade igual ou inferior a 35 óbitos por 100 mil nascidos vivos até 2015.

Viomundo – A morte de Alyne mudou a atitude dos governos federal, estadual e municipal em relação à questão da mortalidade materna evitável?  

Beatriz Galli — Creio que a decisão do Comitê Cedaw, condenando o Brasil por uma morte materna evitável, pode ser um catalisador da mudança de atitude dos governos, para que passem a tratar do tema como uma prioridade para os direitos humanos das mulheres.

Mas ainda é cedo para falar em mudança de atitude. Afinal,  ainda não foram tomadas as medidas recomendadas  para prevenir outras mortes maternas e reparar financeiramente a família de Alyne.

Na semana passada, por exemplo, uma jovem de 17 anos, de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense (RJ), morreu após 12 dias de internação por complicações de um aborto inseguro. Segundo a matéria do jornal, ela foi submetida a uma cirurgia para retirada do feto, que já estava morto. E no atestado de óbito, consta a falência múltipla dos órgãos por infecção generalizada.

Portanto, o reconhecimento público da responsabilidade do Estado pela morte de Alyne é fundamental para demonstrar o compromisso do Brasil em tomar medidas de prevenção relacionadas às mortes maternas evitáveis, como a da jovem de 17 anos e outros casos que ocorrem frequentemente.

Não é mais aceitável tratar a morte materna evitável como um destino das mulheres, uma fatalidade para a qual o Estado não tem nenhuma responsabilidade.  A morte materna evitável deve ser encarada como violação dos direitos humanos das mulheres. Portanto,  deve ser investigada para que haja a responsabilização individual e institucional pela sua ocorrência.

Leia também: 

Caso Alyne: Entidades denunciam inércia do Brasil e exigem que assuma responsabilidade e indenize família

Alaerte Martins: A morte materna invisível das mulheres negras


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Aracy

Uma tristeza enorme saber que passada uma década as gestantes negras e pobres ainda não podem ter certeza do acesso a um pré-natal de qualidade. Será que a Rede Cegonha terá sucesso para mudar isto?

Mário SF Alves

“Em 10 de agosto de 2011, o Brasil foi condenado. Foi o primeiro de caso de morte materna julgado pelo Comitê Cedaw. Ele concluiu que o Estado brasileiro falhou em proteger os direitos humanos de Alyne: o direito à vida, o direito à saúde e o direito à igualdade e não discriminação no acesso a saúde. Como sanção , determinou reparação à família, inclusive financeira, e a implementação de uma série de recomendações, para que mais Alynes não morram de uma morte evitável.”
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Pois é, o estado brasileiro continua falhando. Recentemente vergonhosamente falhou ao permitir exorbitência de um dos poderes da república que “desatradamente” confundiu julgamento jurídico com linchamento político. Deu no que deu: golpe de estado. Pena que não haja um Comitê Cedaw para julgar esse crime político.

LEANDRO

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Gil Rocha

Até parece que mudou muito
de lá pra cá.

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