Exclusivo: Edital sobre a Operação Nióbio, que deixa mineral valioso na mão de estrangeiros até 2033, toma chá de sumiço em Minas Gerais

Tempo de leitura: 9 min

por Marco Aurélio Carone (Novojornal) e Conceição Lemes (Viomundo)

Em 27 de novembro, publicamos: Dossiê confirma suspeitas sobre o nióbio brasileiro; Zema tenta endosso parlamentar à decisão de Aécio que entregou riqueza até 2032.

Na matéria, denunciamos, entre outros pontos, que o governador Romeu Zema (Novo) faltou com a verdade com os mineiros, incluindo parlamentares, sobre a Operação Nióbio.

E tudo indica continua a não dizer a verdade.

Nessa segunda-feira (16/12), ele reuniu-se com os deputados na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

Na pauta, a lei n° 23.477/2019, que autoriza o Executivo a negociar os recebíveis da venda do nióbio sob a justificativa de que o arrecadado seria para pagar o 13º e colocar em dia o salário dos servidores estaduais.

O governador informou que a Operação Nióbio estava sendo encaminhada naquele dia, 16/12, para a Bolsa de Valores.

Ao final, ao receber a imprensa, pediu aos jornalistas que pegassem as informações com o secretário da Fazenda, Gustavo Barbosa.

Na sequência, Barbosa concedeu entrevista coletiva, na qual afirmou que a Bolsa de Valores já havia publicado o edital sobre a Operação Nióbio.

Passamos então a buscar o edital.

Eram 15h da segunda-feira quando começamos.

Tentamos falar com os sete números de telefone disponíveis na  sala de imprensa da Agência Minas.

Curiosamente, todas as ligações caíam assim que completava a discagem.

Às 15h50 mandamos então o primeiro e-mail.

Após expor o que colocamos acima, a repórter Conceição Lemes solicitou:

Por favor, enviem o edital publicado. Ou então o link onde eu possa acessar.  

Quem pode fornecê-lo? O governador Zema ou secretário Barbosa?

Só preciso do edital.

A resposta foi esta:

Prezada Conceição,

A Secretaria de Planejamento e Gestão informa que se pronunciará sobre o pagamento do 13º salário do funcionalismo assim que houver novidades sobre a operação financeira envolvendo recursos do nióbio. Em relação aos servidores da segurança pública, as condições para o pagamento do benefício foram anunciadas pelo governo estadual por meio de nota oficial em 22 de novembro.

Rebatemos:

Prezad@as colegas

Acho que o apagão dos telefones do governo de Minas foi além. 

É a única explicação para a resposta de vcs.

Eu não perguntei NADA sobre o 13º.

Eu pedi APENAS o edital que o governador citou e o secretário da Fazenda disse que a Bolsa de Valores já havia publicado sobre a operação.

NADA ALÉM.

Por favor, cadê o edital? Onde eu o acho?

Só  quero isso.

Imediatamente, um dos assessores de imprensa da Agência Minas nos ligou.

Informou que o secretário da Fazenda estava em agenda, só regressaria depois das 18h, quando lhe seria solicitado o que demandamos e nos retornaria.

Como até as 11h do dia seguinte, 17 de dezembro, não tinham respondido, cobramos: Cadê o edital?

A partir daí foram algumas ligações e alguns e-mails.

Inicialmente, o assessor de imprensa nos disse que a imprensa , repercutindo o dia anterior, havia usado o termo “enviado” e que o secretário teria dito “enviado”.

Rebatemos.

Reiteramos que o governador havia usado o termo “enviado” e o secretário, “publicado”.

Sugerimos que ouvisse o áudio da coletiva de imprensa.

Constataram o óbvio: o secretário Gustavo Barbosa falou mesmo “publicado”.

— O secretário se confundiu na hora…estava muito barulho na hora…Ele disse que o edital foi enviado na sexta-feira (13/12) para a B3 — disse o assessor de imprensa por telefone.

– E o edital? — insistimos

— Ele não pode dar detalhes, a B3 exige sigilo até que se concretize…

Parêntese.

Zema disse que o edital tinha sido encaminhado na segunda (16/12), Gustavo Barbosa falou que foi na sexta (13/12)

A B3, com sede na cidade de São Paulo, é a bolsa de valores oficial do Brasil.

Ligada a todas as bolsas de valores brasileiras, ela surgiu após a fusão da Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros de São Paulo (BM&FBovespa) com a Central de Custódia e de Liquidação Financeira de Títulos (CETIP).

Em 22 de março de 2017, foi aprovada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

A B3 negocia apenas recebíveis imobiliários e agrícolas, não se aplicando à operação pretendida pelo governo mineiro. Fechando parêntese.

Por e-mail, voltamos a cobrar:

Considerando que o secretário disse na entrevista coletiva que a B3 havia publicado o edital e agora diz que o edital foi enviado, CADÊ O COMPROVANTE, PROTOCOLO OU ALGO DO GÊNERO?

Considerando a gravidade da Operação Nióbio, cometer um “engano” dessa monta ou é incompetência total ou ele faltou com a verdade?

A informação de sigilo exigido pela B3 não procede. 

O ônus da prova de que o secretário Gustavo Barbosa fala a verdade agora está com ele próprio. Caso ele se recuse, o ônus estará então com o chefe dele, o governador Zema.

Desde que iniciamos a caçada ao edital da Operação Nióbio já se passaram quase 52 horas.

Por precaução, a repórter mandou hoje nova mensagem para a Agência Minas.

Até agora nada.

OPERAÇÃO NIÓBIO, BOLSA, BC  E LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL

Diferentemente do que Zema e equipe divulgaram a Operação Nióbio (para venda dos recebíveis) não pode se dar na B3.

É que a B3 negocia apenas recebíveis imobiliários e agrícolas, não se aplicando à operação pretendida pelo governo mineiro.

A Operação Nióbio, se vier a ocorrer, se dará nos termos das resoluções 4.707/2019 e 4.589/2017  e das circulares 3924/2018 e 3934/2019, todas do Banco Central (BC).

O jornalista Marco Aurélio Carone consultou o Banco Central, via assessoria de imprensa:

* Qual é a tramitação do pedido de operação de antecipação de recebíveis, desde seu protocolo até o deferimento pelo Banco Central?

* No deferimento ou não da autorização para operação de crédito de antecipação de recebíveis de Entes Subnacionais é levado em conta o disposto na Lei de Responsabilidade Fiscal?

A resposta do BC:

O assunto, portanto, foi encaminhado para a Secretaria do Tesouro Nacional, revelando o verdadeiro motivo da ida de Zema a Brasília, em 11 de dezembro.

A versão oficial é de que ele teria ido conversar sobre o Plano de Recuperação Fiscal que pretende implantar em Minas Gerais, em 2020, e visitar o presidente da Câmara, sem informar a pauta.

Zema, na verdade, foi a Brasília solicitar ao ministro da Fazenda, Paulo Guedes, para interceder pela autorização da operação de crédito tendo em vista o disposto na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e diversos outros diplomas normativos.

Minas Gerais já ultrapassou o índice máximo de endividamento previsto na LRF, que é fixado em 200%.

Em 2018, ele estava em 208,7%, conforme Boletim de Entes Subnacionais do Tesouro Nacional.

Estudos recentes apontam que já teria ultrapassado 244%.

Neste caso, é quase impossível que as autoridades monetárias aprovem a operação de crédito relativa à venda dos recebíveis do nióbio.

EMPAREDAMENTO DO LEGISLATIVO E ACORDO COM A SEGURANÇA

Desde o início, estava claro que a pressão do governo Zema  para aprovação do projeto que ele mesmo enviou à ALMG objetivava intimidar principalmente o Legislativo.

Afinal, se o patrão Zema e os empregados, no caso os servidores estaduais, são a favor, como ficariam os deputados em meio a essa realidade trabalhista?

Obviamente, por serem escolhidos pelo voto popular, não iriam querer ficar mal com os servidores devido ao enorme peso eleitoral que eles têm.

Tudo indica houve acordo entre Zema e lideranças para aprovação do projeto que virou lei.

A suspeita desse acordo aumentou dois dias após a ALMG aprovar, em 20 de novembro, o projeto em primeiro turno.

Em 22 de novembro, antes mesmo de obtidos os recursos previstos na operação, o governo de Minas anunciou celebração de acordo APENAS com os servidores da área de segurança, justamente os que, via manifestações, mais emparedaram o Legislativo.

O governo Zema prometeu acabar com o parcelamento do salário dos servidores da segurança pública no mês seguinte.

Na sexta-feira passada, 13 de dezembro, cumpriu: ao contrário dos demais servidores que receberam parceladamente, o salário de policiais civis, militares e agentes penitenciários, foi pago em parcela única.

Pelo acordo, o governo Zema se comprometeu também a recompor até 2022 as perdas salariais decorrentes da inflação desde 2015.

Ficou estabelecido o seguinte calendário: 13% na folha de pagamento de julho de 2020; mais 12%, na de setembro de 2021; e outros 12%, na de setembro de 2022.

Pelo acordo, o governo prometeu, ainda, o pagamento integral do abono fardamento na folha de abril de 2020.

PROJETO APROVADO EM PLENÁRIO NÃO É O PUBLICADO

O fato é que a tramitação do projeto foi acelerada.

E sua aprovação talvez dê mais pano para manga: o texto do substitutivo nº 1, votado em plenário em 2º turno e distribuído à imprensa, não é o mesmo que foi sancionado e publicado pelo Executivo.

Entre a aprovação em plenário e a redação final foram suprimidos dois dispositivos que asseguravam maior transparência à operação e ocorreriam antes da sua realização.

Exatamente os itens IV e V (na íntegra, ao final)

Os dois dispositivos foram suprimidos por um que ocorrerá só após a concretização da operação.

Está pintado de amarelo no texto abaixo.

Consultamos sobre esse fato o presidente da Assembleia Legislativa, Augustinho Patrus (PV), via sua assessoria.

Questionamos também, via e-mail, os deputados estaduais Duarte Bechir (PSD) e Doorgal Andrada (Patri), respectivamente presidente e vice-presidente da Comissão Permanente de Redação da ALMG, à qual cabe a redação final das proposições.

Perguntamos por que dois dispositivos foram excluídos do projeto após a votação e aprovação em segundo turno pela Casa.
Até a publicação desta reportagem, nenhum dos três retornou.

UMA INVERDADE ATRÁS DA OUTRA

O governo Zema divulgou que existem mais de 30 instituições interessadas na operação.

Não procede devido à resolução nº 4.589/2017, do Banco Central.

Ela “define limite de exposição e limite global anual de crédito aos órgãos e entidades do setor público, a serem observados pelas instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil”.

O artigo 1º da referida resolução fixa limite de 45% do Patrimônio de Referência para instituição financeira realizar operação financeira com o setor público.

Apenas duas instituições financeiras atendem o previsto na resolução: Bradesco e Itaú.

O Banco Itaú integra o mesmo grupo econômico da Companhia Brasileira de Metalurgia Mineração (CBMM).

Em 2003, o então governo Aécio Neves (PSDB/MG) prorrogou, sem qualquer amparo legal, o contrato da CBMM para explorar por mais 30 anos o nióbio de Araxá (MG).

Diferentemente também do anunciado pelo governo mineiro, não ocorrerá leilão para compra dos recebíveis, mas uma operação financeira com cobranças de juros.

Em tempo 1. Marco Aurélio Carone contatou nesta quarta-feira (18/12) a assessoria de imprensa da B3.

Por telefone, lhe informaram que a Bolsa era apenas um órgão executor.

Encaminharam-no para a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que é por onde tramitam os processos assim como as autorizações dadas.

Marco Aurélio contatou a assessoria de imprensa da CVM, para saber da operação de antecipação de recebíveis da empresa da Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig) pelo governo do Estado.

Ele perguntou:

*Antes de ser levado para leilão na B3 a operação tem que ser aprovada pela CVM?

* Caso positivo, já deu entrada na CVM solicitação da Codemig ou do Governo de Minas para realização da operação anteriormente citada?

*Qual é a tramitação da solicitação? Existe um prazo?

*O governo de Minas Gerais poderá solicitar diretamente ou dependerá de um agente financeiro para fazê-lo?

* Caso negativo, a quem devo direcionar a pergunta?
Logo em seguida, a assessora de imprensa da CVM ligou, informando que a operação ainda não deu entrada na instituição.

Em tempo 2. O governador anunciou na tarde desta quarta-feira (18/12) pelas redes sociais que o Estado conseguirá pagar o 13º salário para 61% dos servidores antes do Natal, seja integral ou parcelado.  Segundo ele, receberá todo o valor aqueles que têm até R$ 2 mil líquidos de 13º.

“O critério foi o social. Os demais receberão quando concluirmos a operação financeira”, disse Zema. “Trabalho dia e noite para que essa situação não se repita em 2020. Recuperação fiscal é a solução”.

Em tempo 3. Também na tarde desta quarta, em entrevista coletiva, o  secretário de Planejamento de Minas, Otto Levy, culpou o Ministério Público de Contas (MPC) pelo não pagamento do 13º de todos os servidores.

Disse que o MPC pediu a suspensão da operação.

É uma covardia com os procuradores do MPC de Minas.

As iniciativas deles são no sentido de zelar pelo patrimônio de todos os mineiros, o que o governo Zema não está fazendo.

Em tempo 4. Na mesma coletiva de imprensa, o secretário Otto Levy disse que o “leilão do nióbio” ficará para 2020 e que a decisão foi tomada para preservar o valor do ativo na futura na negociação.

E como fica o governador Zema que disse que o edital havia sido encaminhado para a Bolsa de Valores na segunda?

E o secretário Gustavo Barbosa que, depois de afirmar que a Bolsa já tinha publicado o edital, voltou atrás e disse ter enviado na sexta-feira para lá?

Não ficam, pois simplesmente faltaram com a verdade.

Por isso, não conseguimos ter acesso ao tal edital. Ele é uma quimera.

“Adiar para 2020” foi a maneira “esperta” que o governo Zema utilizou para não admitir que o leilão não tem como ser realizado.

Como, aliás, já tínhamos denunciado na reportagem que publicamos em 27 de novembro. 

Em tempo 5. Como ficam os R$ 6,3 bilhões que Tribunal de Contas de Minas Gerais (TCMG) informou que Estado tem em caixa?  Eles dariam para cobrir pelo menos duas folhas de pagamento de todos os servidores do Estado.

O jogo de cena montado pelo executivo mineiro está chegando ao final.

Como ficarão o governador Romeu Zema, os secretários Otto Levy e Gustavo Barbosa e os parlamentares que, de boa fé, acreditaram neles?


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Comentários

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Zé Maria

O nióbio (Nb) é usado na composição de superligas metálicas utilizadas na produção industrial de Alta Tecnologia,
como na fabricação de oleodutos, aquedutos, turbinas,
trilhos, peças automotivas, baterias, sensores, lentes e supercondutores, dadas as propriedades características
de supercondutividade, anticorrosão e híper-resistência
às altas temperaturas e à maior pressão.

A indução magnética do scanner do aparelho de ressonância, no exame biomédico de diagnóstico
por imagem, por exemplo, é produzida utilizando
uma liga de nióbio supercondutora.

O Brasil concentra aproximadamente 800 milhões
de toneladas de nióbio, equivalente a 98,2 % das
reservas ativas do minério em todo o Planeta, com
valor estimado em 22 Trilhões de Dólares (US$ 22 Tri),
algo como 2 vezes todo o Petróleo do Pré-Sal brasileiro. [*]

A Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), empresa privada com sede no estado de
Minas Gerais, controla 80% do mercado global de nióbio.

Somente a mina explorada pela CBMM em Araxá-MG
possui 75% das reservas brasileiras do minério.

Em Araxá, o Nióbio é extraído na forma de Minério de Pirocloro [(Na,Ca)2Nb2O6(OH,F)] e processado para a
obtenção de compostos de altíssimo valor comercial – principalmente a Liga Ferro-Nióbio (FeNb) e o Óxido
de Nióbio (Nb2O5) de alta pureza (99%) que representa
13% do mercado mundial da substância sendo a
matéria-prima utilizada para a Produção de 3ª Geração de níquel-nióbio, ferro-nióbio de alta pureza, óxidos especiais
(grau ótico e grau cristal) e Nióbio Metálico.

A família Moreira Salles, sócia do banco Itaú Unibanco,
detém 70% do capital da Mineradora CBMM.

Os 30% restantes têm como acionistas a principal siderúrgica Coreana, as 2 principais siderúrgicas
Japonesas e as 4 principais siderúrgicas Chinesas.

[*] Se o Povo Brasileiro tivesse ciência e entendimento
da enorme riqueza que possui, certamente impediria
os governantes de entregarem todo esse patrimônio
aos estrangeiros.

Zé Maria

Minas Gerais voltou a ser
a Casa da Mãe Joana* dos
tempos de Aécio Neves.

*Com o devido perdão
das Mães e das Joanas.

marcio gaúcho

Isso, no meu estado, tem nome: TRAMPA!

abelardo

Parabéns a Marco Aurélio Carone (Novojornal) e Conceição Lemes (Viomundo), por este belo trabalho e esta aula de jornalismo sério, corajoso, independente, imparcial e competente. Mais uma vez, entre tantas e tantas, a sujeira imunda da política e de políticos emerge do fundo do esgoto por obra e graça desta denúncia, que humilha a suspeita é inconfiável grande imprensa brasileira. Lições exemplares de pesquisa e investigação jornalística feito esta, que é realizada por jornalistas éticos, que são profissionais de verdade e da verdade ficará registrada na história do jornalismo, com muito orgulho. Assim, eu penso que todos entenderão definitivamente a gravidade do comportamento omisso, parcial, seletivo, traidor e tendencioso daquelas que chamamos de grande imprensa. Que nada diz e nada escreve.

a.ali

deve de estar no mesmo esconderijo do queiroz!

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