Escândalo na Federal do Ceará: Interventor dá honoris causa a empresário que, em vídeo, manuseia peixeira com rosto do ‘Mito’; professores apontam os absurdos

Tempo de leitura: 4 min
Ação entre bolsonaristas: em 10 de março, o empresário premiado Beto Studart (sentado e em pé, à direita) recebeu em jantar, na sua casa, o então ministro da Educação, Milton Ribeiro (de azul), e o reitor Cândido Albuquerque (cabelos brancos), que lhe patrocinou o título de honoris causa da UFC. Fotos: Reprodução de vídeo e redes sociais

Por Conceição Lemes

No Brasil, é costume o reitor das universidades federais ser escolhido por eleição direta.

Apenas professores com o título de doutor, no mínimo, podem se candidatar.

Docentes, estudantes, servidores e funcionários votam.

A partir do resultado, o Conselho Universitário da instituição elabora a lista com os três mais sufragados e a encaminha ao Ministério da Educação (MEC) e à Presidência da República, a quem cabe a nomeação.

Os governos Lula e Dilma (PT) nomearam — sempre — o primeiro colocado na votação da comunidade acadêmica.

O presidente Jair Bolsonaro (PL-RJ), não.

Dos 50 reitores que designou, 19 não eram os primeiros da lista.

Cândido Albuquerque, da Universidade Federal do Ceará (UFC), é um deles.

Obteve apenas 4,61% dos votos. Um escândalo.

Tornou-se o reitor-interventor lanterninha do País.

Em fevereiro deste ano, ele próprio bancou no Conselho Universitário a concessão do título de doutor honoris causa ao empresário Beto Studart.

Outro escândalo, até porque Beto Studart, que se diz “Bolsonaro doente”, postou 12 dias depois na internet um vídeo, manuseando um punhal que tem grafadas a efígie de Bolsonaro e a palavra Mito. Veja abaixo.

“A conduta do senhor Beto Studart, com uma arma na mão, certamente não condiz com a natureza do título”, observou ao Viomundo o premiado médico psiquiatra Valton de Miranda Leitão, diretor-geral e professor da Escola de Psicoterapia Psicanalítica de Fortaleza.

“Empobrece a UFC em vez engrandecê-la”, lamentou.

Não é o único.

O Viomundo perguntou a três professores da própria UFC o que achavam do caso.

O desconforto é geral, como mostram os depoimentos dos docentes Ângelo Brayner (Ciência da Computação), Newton Albuquerque (Direito) e Bruno Rocha (Bioquímica e Biologia Molecular), que preside a ADUFC — Sindicato dos Docentes das Universidades Federais do Estado do Ceará.

Confira-os.

Da esquerda pra direita, professores Ângelo Brayner, Newton Albuquerque e Bruno Rocha

ANGELO BRAYNER*: INTERVENTOR E PREMIADO, DUPLO ABSURDO

“A concessão do título doutor honoris da UFC ao empresário Beto Studart é realmente um duplo absurdo.

Primeiro, pela falta de representatividade do interventor, que foi quem solicitou a concessão do título.

O interventor não tem representatividade alguma na comunidade acadêmica da UFC, vide a votação que obteve na eleição de 2019.

Nunca teve vivência acadêmica dentro da própria Universidade.

Sempre esteve muito mais preocupado com seu escritório de advocacia do que com a UFC.

Tanto que nem pesquisador é. Afora, o título de doutorado que conseguiu, apenas deu aulas.

É uma pessoa que tenta burlar as regras da própria Universidade.

Por exemplo, tinha o título de livre-docente pela Universidade Vale do Acaraú [UVA, com sede em Sobral, é uma das três universidades estaduais do Ceará].

Mas, para galgar cargos na Universidade Federal do Ceará, pleiteou que o título da UVA fosse reconhecido pela UFC como doutorado.

Obviamente, a UFC não aceitou.

Segundo absurdo, pelo recebedor do título.

O empresário Beto Studart é um reconhecido negacionista.

Faz questão de se manifestar publicamente contra a pública e gratuita, e, com isso, bate de frente com o que pensa a comunidade acadêmica da UFC.

Também não tem mérito algum para receber o título, pois nunca investiu na universidade nem em pesquisa científica.

É o típico capitalista que gosta do capitalismo selvagem, que só visa aos lucros. Ou seja, tudo aquilo que a comunidade acadêmica da UFC mais abomina.

Para culminar, o vídeo no qual ele induz abertamente a população a usar armas.

Ganhando a eleição presidencial um candidato mais à esquerda, será necessário inicialmente retirar os interventores das universidades, para colocar no cargo quem realmente merece estar.

No caso da Reitoria da UFC, seria o professor Custódio [Custódio de Almeida, professor de Filosofia, que obteve 64,8% dos votos na eleição interna de 2019].

Na sequência, revogar o título de doutor honoris causa de Beto Studart. A Universidade, do mesmo modo que tem autonomia para conceder o título, tem para retirá-lo.

Eu vou puxar um movimento nesse sentido.

Tenho certeza de que a ADUFC [ADUFC Sindicato – Sindicato dos Docentes das Universidades Federais do Estado do Ceará] também fará o mesmo.

A concessão desse título não vai ficar barata para o empresário Beto Studart”.

*Angelo Roncalli Brayner, professor doutor adjunto do Curso de Ciência da Computação da UFC.

NEWTON ALBUQUERQUE*: TÍTULO A STUDART DESTOA DOS CRITÉRIOS DO HONORIS

“A concessão do título honoris causa pela UFC deveria se pautar pelo mérito da contribuição trazida pelo agraciado ao interesse público, notadamente à cultura, à ciência, à cidadania, ao meio ambiente, etc.

A concessão a Beto Studart destoa radicalmente desses critérios.

Sua ação sempre foi voltada ao interesse dele próprio e do empresariado, sem maiores preocupações com nossa realidade.

Com o agravante: suas declarações frequentemente atacam a democracia, o estado democrático de direito, estimulam a violência, menosprezam as agruras sofridas pelo povo brasileiro e cearense, que deveriam ser reprovadas pela UFC, seus órgãos e direção.

A concessão do título a Beto Studart avilta o ethos universitário, frustra sua responsabilidade institucional maior, qual seja, a do exercício empático do saber científico com fundamentos éticos, dialógicos junto à comunidade”.

*Newton de Menezes Albuquerque, professor da Faculdade de Direito da UFC.

BRUNO ROCHA*: DESRESPEITOU REGRAS; TÍTULO BANALIZADO PARA FINS PRIVADOS

“O título doutor honoris causa é uma deferência a personalidades por uma relação importante com a academia, nas artes, na ciência.

Nos impressionou muito a forma como foi concedido a Beto Studart.

Foi tudo muito apressado.

O processo não obedeceu às regras do Conselho Universitário (Consuni), que sequer foi consultado antes.

O título foi incluído repentinamente na pauta do Consuni.

Os conselheiros não tiveram tempo para analisar com antecedência o perfil do indicado, cujo nome partiu da própria reitoria.

E, no meio da reunião, já havia relatório pronto, feito por um dos membros do Conselho…

O que nos preocupa bastante.

Primeiro, porque o próprio homenageado exibiu recentemente posicionamentos pouco condizentes com o título que lhe foi conferido.

Segundo, porque está banalizando o título de doutor honoris causa da UFC para fins privados.

Até porque a UFC está sob a intervenção de Cândido Albuquerque, que – todos sabemos – mantém relações empresariais como a com Beto Studart e tem tentado trazê-las para dentro da Universidade, divulgando como uma coisa boa.

Só que sem avaliação efetiva da comunidade universitária e dos interesses públicos relacionados a isso.

Definitivamente, o título não pode estar vinculado ao fato de alguém ser empresário bem sucedido”.

*Bruno Rocha, professor do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular da UFC e presidente da ADUFC – Sindicato dos Docentes das Universidades Federais do Estado do Ceará.

Leia também:

Psiquiatra Valton Leitão: Honoris causa a Beto Studart empobrece a UFC


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Comentários

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José Sales

Saudações a todos. Sou professor do DAUD/ Departamento de Arquitetura, Urbanismo e Design do Centro de Tecnologia há 35 anos, no Setor de Estudos Planejamento Urbano e Projeto Urbanístico. Concomitantemente com esta triste notícia nos jornais que o Conselho Universitário, por pressão do atual Reitor da UFC, concedeu o título de Professor Honoris Causa a este empresário que não nem um simples risco de qualquer contribuição Cultura em nosso Estado…….tive a imensa felicidade de participar da solenidade “in memoriam” de nomeação do Foyer do Theatro José de Alencar como Sala Izaira Silvino, em 17 de março, próximo passado, tradicional dia do ” Theatro das Portas Abertas ” , maestrina, concertista, Mestre em Educação e professora da UFC e do Conservatorio Alberto Nepomuceno, também formada em Direito, musicista, arranjadora, bandolinista, compositora, escritora, violonista e fundadora e regente do Coral da UFC por décadas. Nesta solenidade se fizeram presentes 100 pessoas no próprio Foyer e umas mais de 250 pessoas no Jardins de Burle Marx, que são agregados ao Theatro….Presentes a Vice Governadora Izolda Cela, a eterna Prefeita de Fortaleza Maria Luiza Fontenele, deputados estaduais que encaminharam esta nomeação ao Governo do Estado, ex-alunos da Izaira Silvino, assim com admiradores…….E aí segue minha pergunta: porque o Conselho Universitário da UFC não concede o título de Doutora Honoris Causa a Izaira Silvina, está mulher que é o próprio retrato da Música e do Ensino da Música em nosso Estado do Ceará. Fica aqui o encaminhamento para a nossa ADUFC faça uma campanha de assinatura em prol deste pleito e depois com milhares delas encaminhe o Conselho Universitário para que este e seus membros se redimam um pouco da “grande besteira” que fizeram há pouco…….

Dilmar Santos de Miranda

Sou professor associado aposentado da UFC. Fui chefe de Departamento do curso de C. Sociais. e na ocasião propus o título de Doutor Honoris Causa ao grande sociólogo e pensador crítico da realidade brasileira, e que foi aprovado pelo Conselho Universitário. Que abissal diferença. Outra realidade, outros tempos.
Mas vai passar. Vejo Luiz no fim do túnel.

    Dilmar Santos de Miranda

    Esqueci de postar o nome do agraciado pelo título.
    O grande Florestan Fernandes.

Zé Maria

Os Reitores Bolsonaristas trocam Canetas por Facas,
Livros por Metralhadoras, Escolas por Clubes de Tiro,
Professores por Pastores Horríveis [“Ourives” ?!?].

    Zé Maria

    “Doutores em Divindade” [SIC]

    Zé Maria

    Pastor pediu 1 kg de Ouro [SIC]
    para liberar Dinheiro no MEC,
    diz Prefeito Maranhense

    “Ele (Pastor Arilton) disse:
    – ‘Traz um quilo de ouro para mim’.
    Eu fiquei calado.
    Não disse nem que sim nem que não”

    [Reportagem: Breno Pires, André Shalders e Julia Affonso]

    Segundo o Prefeito do Município de Luís Domingues (MA),
    Gilberto Braga (PSDB), conversa ocorreu em abril de 2021
    durante um almoço no restaurante Tia Zélia, em Brasília,
    logo após uma reunião com o ministro da Educação,
    Milton Ribeiro. De acordo com Braga, o Pastor Arilton
    Moura solicitou R$ 15 MIL ANTECIPADOS para protocolar
    Demandas da Prefeitura E MAIS UM QUILO DE OURO
    após a Liberação dos Recursos. O Prefeito disse, porém,
    não ter aceitado a Proposta do Pastor.

    Áudio: https://youtu.be/6dS2LyejzEQ

Zé Maria

Bolsonarismo é isto:

Armas, Invasões de Terras Indígenas, Garimpos ilegais,
Desmatamento, Agro-Negócio-Tóxico, Anti-Vacinas,
Corrupção na Saúde, Corrupção na Educação, Mamata …
Rachadinha (Prevaricação), Nepotismo Cruzado, Sociopatia,
Etnofobia, Homofobia, Xenofobia, Ginofobia, Fake News;
Fanatismo, Substituir “Estado Laico” por “Estado Lacaio”;
Negacionismo, Perseguição Ideológica, Repressão Política,
Racismo, Sadismo, PM Miliciana, Assassinos de Aluguel, Perversidade, Crueldade, “Quem mandou matar Marielle?”…

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