CartaCapital: A Itália já sabia de Cachoeira

Tempo de leitura: 4 min

Bingo! A Itália Já Sabia do Cachoeira

Em 2004, jornalistas peninsulares falavam das ligações do bicheiro com a máfia

Por Paolo Manzo, na Carta Capital

4 de novembro de 2004. Anotem a data porque foi nesse dia que o nome de Carlinhos Cachoeira se tornou famoso também na Itália. Foi quando a principal revista semanal da península, L’Espresso, publicou uma reportagem primorosa sobre as conexões entre as organizações criminosas italianas que com a globalização se espalharam pelo mundo em busca de países onde lavar o dinheiro do narcotráfico, e de empresários de bingos e caça-níqueis. “Azar de Estado” é o título da matéria assinada pelo repórter investigativo Marco Lillo que, além de descrever as relações suspeitas entre as máfias e os monopólios do Estado no setor das apostas recém-legalizadas na Itália, apresentava Cachoeira como o “chefão das apostas ilegais no Brasil”.

De acordo com Lillo, e também outro jornalista italiano – Francesco Giappichini, que nos informa no seu livro Brasile Terzo Millenio – Cachoeira começou a fazer lobby para a Gtech Corporation, empresa americana líder no mundo das lotéricas, até agosto de 2006, quando foi comprada pela italiana Lottomatica SPA por 4,7 bilhões de dólares. Na época, a Gtech era a responsável pelo sistema informatizado das apostas gerenciadas pela Caixa Econômica Federal e, depois da fusão com a Lottomatica, saiu de Wall Street para passar a coletar dinheiro na Bolsa de Milão. Outra conexão com a Itália.

Cachoeira, escreve Lillo, “queria renovar o contrato das lotéricas com a Gtech, operadora do sistema de loterias da Caixa Econômica Federal contratada durante o governo Fernando Henrique Cardoso, por um valor de uns 130 milhões de dólares”.

Com este propósito, contatou Waldomiro Diniz, já presidente da Loterj, a companhia estadual que trata das lotéricas no Rio de Janeiro e já assessor do então ministro da Casa Civil José Dirceu. O “sonho”de Cachoeira, acrescenta Giapichini, era “a conquista do mercado das apostas online”, que valem bilhões, “começando por Goiás, sua terra natal. Na década de 70, Carlinhos conseguiu estender suas atividades a Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná e Rio”.

A página 61 do livro traz o trecho mais interessante: “Na sua ascensão, Cachoeira chega finalmente a definir uma estratégia conjunta com a Gtech” e “quem abençoou o acordo entre ele e a multinacional americana foi mesmo Diniz”. Informações do Ministério Público Federal confirmam os textos dos jornalistas italianos, bem como a CPI dos Bingos.

O acordo entre Cachoeira e a Gtech foi acertado “no hotel Blue Tree, em Brasília”, no começo de 2003, enquanto Waldomiro Diniz “ajudaria na renovação do contrato da Gtech com a Caixa”. Não há dúvida de que o governo Lula criou obstáculos à atuação da dupla “Gtech-Cachoeira” – primeiro o governo vetou o decreto dos bingos e depois rompeu o contrato da multinacional com a Caixa em 2005. E é certo que ao então senador tucano Antero Paes de Barros Neto, natural de Cuiabá, Carlinhos entregou o vídeo provando a corrupção que o envolvia com Diniz.

É certo também o fato de que, em fevereiro de 2004, o semanário Época publicou o conteúdo daquele vídeo depois que Paes de Barros o entregou ao Ministério Público Federal, provocando o que a mídia local batizou como “o primeiro escândalo do governo Lula”. Provavelmente casual, mas com certeza macabro, enfim, é o fato de que Luiz França de Moura Neto, o primo do político mato-grossense, foi encontrado morto, com o rosto e as mãos queimadas, no começo de março de 2004. Certo ainda é que, em menos de dois meses, o mediador Diniz e o “bicheiro” Carlinhos foram condenados pela Justiça carioca, respectivamente, a 12 e 10 anos e meio por corrupção.

A Lottomatica comprou a Gtech em agosto de 2006 e isso, com certeza, é casualidade, mas tem outro fator relevante que interessa ao Brasil e que, uma vez mais, chega da Itália: a lavagem bilionária de dinheiro das máfias italianas em nosso país.

Para indagar sobre o tema, CartaCapital entrou em contato com o atual procurador-geral de Catânia, na Sicília, Giovanni Salvi. Há 14 anos ele era uns dos promotores mais ativos em Roma. Com a coordenação do Departamento de Investigação Antimáfia Italiano (DIA), juntamente com o colega recém-falecido Pietro Saviotti e, graças à colaboração do FBI, Salvi conseguiu documentos probatórios que mostravam como o Brasil havia se transformado na meta preferida dos mafiosos para lavar o dinheiro do tráfico internacional de drogas.

Fácil imaginar o instrumento escolhido para tanto. Os bingos eletrônicos, as máquinas caça-níqueis e, no Panamá e na Argentina, os cassinos. A operação, que na Itália levou em 1998 à prisão de 46 criminosos, passou à história como Operazione Malocchio, ou seja, Mau-Olhado, referência aos Cachoeiras do mundo. “A operação fundou-se sobre o tráfico para a Itália de várias centenas de quilos de cocaína” conta Salvi a CartaCapital. “Na chefia dessa organização estava o foragido romano Fausto Pellegrinetti, que usava o pseudônimo de Franco e trabalhava para Cosa Nostra. O Brasil foi uns dos principais países onde os lucros da droga foram aplicados, através de mediadores da Córsega, principalmente no jogo e nas máquinas caça-níqueis. Nossa fonte principal, Lillo Rosario Lauricella, mafioso de Palermo e braço direito de Pellegrinetti, abandonou nossa proteção e foi morto na Venezuela em 2002”.

Foram 17 milhões de dólares que, em 1997, a dupla Pellegrinetti-Lauricella lavou, comprando e instalando milhares e milhares de máquinas nas salas de bingo brasileiras. O mafioso siciliano Lauricella contatou a empresa ibérica Recreativos Franco por meio de Alejandro Ortiz, um brasileiro que hoje é considerado referência no mercado do jogo ibérico. Pelo menos quatro empresas nacionais entraram em parceria com o até hoje foragido Pellegrinetti, escreve Marco Lillo: a Bmt Brasil Máquinas e Tecnologia Ltda., a Dimares Distribuidora de Máquinas Recreativas Ltda., a Bingo Matic Produtos Eletrônicos Ltda. e a Startec. “Das investigações sobre essa frente”, comenta Salvi, “nada sei. A única coisa que posso dizer é que nós passamos todas as informações às autoridades brasileiras”.


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Comentários

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sergio

Tutti bona gente

CPI está sendo usada como parte da estratégia de defesa da quadrilha de Cachoeira « Viomundo – O que você não vê na mídia

[…] CartaCapital: A Itália já sabia de Cachoeira Requião denuncia conluio para proteger a Delta, diz que CPI tem de investigar a Veja e lamenta que TV Senado não transmita ao vivo […]

Fabio Passos

Assustador.
O jogo é atividade perfeita para lavar dinheiro da máfia internacional.
Não é por outro motivo que os interesses do crime organizado – Gtech-Cachoeira – construíram uma rede de apoio que tinha tentáculos no senado (demóstenes), na PGR (gurgel) e na mídia-lixo-corporativa (veja, globo).
Havia muito dinheiro sujo para manter esta máquina de corrupção funcionando.

Maria Izabel Noronha: Diplomacia sem soberania não é suficiente « Viomundo – O que você não vê na mídia

[…] CartaCapital: A Itália já sabia de Cachoeira […]

lulipe

Será que a CPMI vai convocar o Berlusconi???

PS:Não vi por aqui nada a respeito da mensagem do Vacarezza para o Cabral.Deve ter sido esquecimento…

lucio PB

Todos sabíamos que havia uma grande máfia no Brasil, o que não sabíamos era que era um tentátulo da máfia intaliana. Assim fica esclarecido como o PSDB e o DEM faziam seu caixa 2.

jd

Enquanto isso o executivo brasileiro está preocupado em divulgar o contracheque dos servidores…

Dionísio

A Veja faz parte da máfia italiana,e armou pro Dirceu porque teve seus interesses barrados pelo governo com o fim do contrato da Gtech e proibição dos bingos .Tá tudo aí no texto, claramente !

SILOÉ-RJ

Depois dessa, só IANSÄ para nos proteger desse cachoeira.
Näo sei näo, mas pelo visto, veremos muitos corpos debaixo dessas águas.

Cláudio

Ley de Medios já ! ! ! Comissão da Verdade já ! ! !

Mário SF Alves

Êpa 2! E eu que achava que a impressalona corporativa no Brasil estivesse ligada apenas ao capital financeiro e seu braço político, o rebenta-povo, neoliberalismo Feagaceano? Ledo engano. Pelo visto o próprio capital-financeiro tá de quatro, de braços dados e marchando unido a passos de ganso com a máfia. É nisso que dá: quem com porcos se mistura, farelo come. Aquele farelinho dourado, claro. É farelo-ouro-em-pó, a bem da verdade, mas, ainda assim, farelo.

Mário SF Alves

Êpa! E se cogitar não ofende, e,dadas as circunstâncias, não seria a tal Delta uma gigante lavanderia a serviço da tal referida máfia (conexão cachoeiro-siciliana)?

Gerson Carneiro

Falando nisso, e pegando o gancho da capa da Veja deste fim de semana:

#VejaTemVagaPraPauteiro

Benefício: possibilidade futura de morar na Itália (dividindo kitnet com Diogo Mainardi).

Sérgio Ruiz

Assassinato, cocaína, máfia italiana, “jornalista bandido”, dono de mídia bandido, jogos ilegais, chantagens da mídia… … … Acho que a podridão da Privatária Tucana vai ficar atrás da podridão Cachoeira Demotucana.
IMPRESSIONANTE e ainda tem comentarista que questiona tais crimes.

    lulipe

    Você esqueceu da participação da CIA e dos Et´s do planeta delírio, meu caro Sérgio.Sugiro a você procurar o que fazer de produtivo.

Maria Dirce

Que informações que o povo nunca soube? O povo que tem que saber dos desvios para saber escolher no voto a sua unica arma.Quem sabia? o PIG? esse o povo é seu grande refém!

J.Claro

Essa Cachoeira de lama finalmente está recebendo luzes, está trazendo várias lições preciosas. Alguém se lembra que tentaram cunhar em José Dirceu, a pecha de “Chefe” do Mensalão? Pois é, agora com essa cachoeira de lama, da até uma certa dificuldade de saber quem é realmente o chefe da gigantesca quadrilha.

Quanto aos demotucanos de São Paulo, eu afirmo: Mais cedo ou mais, as caixas pretas das administrações de vcs serão abertas, e quando isso acontecer, os paulistas descobrirão que foram o tempo todo, ludibriados.

    Gil Rocha

    Ninguém tentou “cunhar” amigo,
    Zé Dirceu foi indiciado como chefe
    do Mensalão pelo Procurador Geral da
    República Antonio Fernando de Souza.

    Ricardo JC

    Tentou cunhar sim (e ainda estão tentando, fazendo pressão diária através do PIG). Pela Constituição brasileira, um réu é considerado inocente até que se prove sua culpa. Ele não foi julgado e, portanto, o que estão fazendo é tentar sim “cunhar” o JD como “chefe do mensalão” (que já foi, inclusive, desementido EM JUÍZO pelo Roberto Jefferson). O PIG não faz outra coisa que não seja “cunhar” expressões e adjetivos pejorativos para aqueles que contrariam seus interesses.

Murdok

O cachoeira aqui é a ponta do iceberg.

Bonifa

Ao que parece, Cachoeira era lobista da Gtech, contratada pelo governo FHC para operar o sistema informatizado das apostas da Caixa Econômica. Queria renovar o contrato por 130 milhões de dólares. Contratou então Waldomiro Diniz, que chefiava a Loterj e era assessor do Ministro Dirceu. Foi nesta época que Cachoeira fez negócios com Waldomiro e gravou tudo? Depois, quando o negócio da Gtech fracassou e quando Lula rompeu o contrato com a Gtech, Cachoeira usou a gravação contra Dirceu e Lula? É importante esclarecer o tipo de negócio que Cachoeira estava fazendo com Diniz. Outra coisa, a Gtech, empresa americana de jogos depois vendida para uma empresa italiana, já operava as loterias da Caixa quando os Anões do Orçamento ganhavam fortunas acertando loterias todas as semanas?

Gil Rocha

Mas levou um tempo para a
Carta Capital, de propriedade
de um italiano ficar sabendo disso
hein?
Ele como jornalista não tem contatos
na Itália não?
Nunca soube de nada disso?
Interessante que um esquema monstruoso
destes e nunca ninguém soube.
Até o FBI envolvido e nada.

    priscila maria presotto

    Gil ,meu querido ce tá meio paranóico ,tá não?

    Mário SF Alves

    Kkkkkk… E desde quando, Priscila, robô fica paranóico, anjo?
    Esse daí, pode até ter tido boas intenções, mas, via de regra só faz laboratório, só semear dúvidas nos coraçõeszinhos incautos. Ainda bem que você não entrou nessa.

    Gil Rocha

    Porque Priscila?
    Em que ano estas informações foram
    passadas as nossas autoridades?
    Alguma prova que as autoridades
    brasileiras foram comunicadas?
    Quais autoridades brasileiras as
    informações foram passadas?
    Será que aceitar tudo sem questionar
    nos faz pessoas melhores?
    Não é o que todos nós fazemos por aqui?

    Mário SF Alves

    Priscila, pelo visto, não demora muito ele vai te pedir provas de que o papai noel não existe. E… haja senso acrítico!

Jairo Beraldo

“a Gtech, operadora do sistema de loterias da Caixa Econômica Federal contratada durante o governo Fernando Henrique Cardoso”

Agora perdi de vez acreditar na honestidade das loterias da CEF. E que ro crer que Lula não tenha mantido esta empresa como parceira da CEF.

Apavorado por Vírus e Bactérias

Quer dizer que a ‘Cosa Nostra’ é Goiana e antiga. A direita no Brasil deve sempre ter andado com o crime. Igualzinho ao que acontece hoje. E em São Paulo como se relacionam? Acho que logo teremos novidade.

Paciente

“A única coisa que posso dizer é que nós passamos todas as informações às autoridades brasileiras”.

A pergunta começa a mudar: quem NÃO era assalariado de Cachoeira?

francisco pereira neto

Até agora eu não sei, e ninguém ainda explicou, como Waldomiro Diniz, envolvido nessa sujeira,foi ser assessor de Zé Dirceu quando foi chefe do Gabinete Civil.

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