‘Só há uma chance de o Covid-19 ser enfrentado com sucesso: Poder público romper já com as amarras do corte dos gastos’

Tempo de leitura: 7 min
Fotos: Alan Santos e Isac Nóbrega/PR e Govesp, via Fotos Públicas

EM TEMPOS DE COVID-19: ESTADO PRESENTE, AGILIZAR A PROTEÇÃO DA POPULAÇÃO, FORTALECER O SUS E REORIENTAR A ECONOMIA

por Ubiratan de Paula Santos, Maria Maeno, Danilo Fernandes Costa, Clara Sette Whitaker Ferreira, Cláudio Maierovich Pessanha Henriques*, especial para o Blog da Saúde 

Após quatro anos de ataques diários ao papel do Estado na economia, políticas para reduzir sua capacidade de atuação, retirar direitos e renda de pobres, trabalhadores,  aposentados e impor cortes drásticos em investimentos, em ciência e tecnologia e nas áreas sociais, o povo brasileiro é assolado por uma grave epidemia viral.

Neste momento, em que o povo e a Nação mais precisam de dirigentes comprometidos com seu futuro, temos à frente do governo da União e de vários Estados experts em neoliberalismo e em retirar direitos daqueles que compõem a base da pirâmide social.

A falta de comando e coordenação nacional e também dentro de vários Estados compromete mais ainda a capacidade do poder público operar ações emergenciais envolvendo os diversos entes da federação, organizando e determinando inclusive as demandas ao setor privado que deve ser dirigido para o esforço de guerra contra a doença.

A boca marcada pelo uso do cachimbo do neoliberalismo extremado, que vem sendo implantado nos últimos anos, tornou os atuais mandatários da União e de vários Estados incapazes de reagir à altura e na velocidade necessárias.

Alguns fazem shows midiáticos diários, tentando ocultar suas máquinas públicas esvaziadas, e suas áreas de planejamento e economia, especializadas em cortar gastos e direitos sociais e reduzir os serviços públicos.

Apesar da urgência, ainda tardam as ações. Exemplos dessa incompetência, aliada ao único receituário que conhecem, de cortar gastos, são a morosidade em pagar os auxílios aos desempregados e aos trabalhadores informais, e em organizar a produção de insumos para a saúde.

Há quase um mês, o ministro da Saúde anunciou kits para diagnóstico do COVID19, além de equipamentos de proteção como máscaras, aventais, protetores de cabeça aos trabalhadores de áreas contaminadas em quantidade suficiente.

No entanto, persistem sua ausência ou insuficiência, mesmo em grandes hospitais.

O Congresso Nacional cuja maioria vinha sendo sócia da empreitada neoliberalizante desde 2015, com forte pressão das bancadas dos partidos oposição ao governo federal, vem exercendo papel positivo, embora suas direções oscilem entre retirar a cabeça da areia movediça do liberalismo desenfreado e tomar audaciosas decisões em favor do povo.

Vários estados, sobretudo os do Nordeste (NE), estão construindo um engenhoso arranjo regional, como o Consórcio do NE e com a criação de um Comitê Científico que o assessora.

Têm dado exemplos e caminhos, envolvendo vários partidos e profissionais de diferentes campos de conhecimento, os quais têm envidado o melhor de si para ajudar o país enfrentar a difícil situação.

Cabe aos governantes de outros estados transformar o discurso de combate à doença em ações concretas.

Neste quadro de desgoverno central é imprescindível que se constitua, em nível nacional, um comitê de pessoas capazes e interessadas em contribuir para formular sugestões e pressionar as autoridades a tomar decisões rápidas.

Um comitê que reforce as iniciativas positivas que vêm sendo sugeridas por partidos, por movimentos sociais, pelas universidades e pelo movimento sanitarista do país.

Que auxilie a afirmar a centralidade da preservação da vida em contraposição aos descalabros diários do mandatário da República, que confunde a população e presta um desserviço ao esforço de combate à transmissão do vírus e ao tratamento dos doentes.

Com estas preocupações é que apresentamos, para considerações, as seguintes medidas urgentes, tanto de natureza geral como prático-

operacionais.

I. Criação de um Comitê Nacional – COVID-19

É urgente a criação de um comitê de crise nacional que contribua com diretrizes para o Governo Federal, os estados e os municípios, oferecendo subsídios para que as autoridades trabalhem de forma ágil, com base em conhecimentos atuais nas áreas da saúde, da assistência social e da economia, em sintonia com as necessidades do mundo real das pessoas.

Este comitê poderá também colaborar na orientação da população e dos meios de comunicação.

O Comitê deve ser formado por pessoas das áreas da medicina e todas as áreas multiprofissionais (enfermagem, fisioterapia, nutrição, entre outras), da saúde pública, da economia, da assistência social, da virologia, da geografia, da engenharia, do urbanismo, e outras que forem necessárias, aplicando as seguintes diretrizes:

* Orientação clara aos trabalhadores que exercem atividades essenciais e continuam trabalhando sobre os meios de proteção da sua saúde;

* Apoio total ao SUS, com os recursos que forem necessários para ampliar os leitos gerais e de UTI, o número de respiradores adequados e a ampliação e treinamento dos profissionais.

* Apoio total às medidas de restrição da circulação, as mais amplas possíveis, mantendo, com todo apoio aos trabalhadores na segurança no trabalho, só setores essenciais em funcionamento.

Leia-se: cadeias de produção, distribuição e venda de alimentos, produtos para saúde e medicamentos, combustíveis, água, setor de saúde, transporte de mercadorias, serviços essenciais para as pessoas isoladas, manutenção e limpeza de serviços essenciais, manutenção de veículos e residências, bem como serviços públicos como segurança, justiça, assistência social, limpeza pública, coleta de lixo, energia, telecomunicações e saneamento.

* Garantia do cumprimento das medidas de restrição de atividades com políticas públicas, fortalecimentos dos órgãos de vigilância à saúde e publicidade de canais de denúncia nas esferas municipais, estaduais e federal.

A criação do Observatório Nacional COVID-19 da Defensoria Pública da União [1] é um exemplo já disponível.

* Reorientação da política econômica para agilizar a liberação de recursos para ajuda financeira imediata aos desempregados e aos pobres, para manter os empregos e salários dos trabalhadores empregados.

* Extinção da EC – 95 de 2016, que restringe gastos públicos por 20 anos [2] .

II. Controle da Doença COVID-19

Confinamento nos locais de moradia

O poder público municipal, com apoio do Estado, deve designar responsáveis para que as lideranças dos aglomerados/núcleos urbanos de favelas, cortiços ou mesmo conjuntos habitacionais verticalizados possam trabalhar sincronicamente com o objetivo de

* garantir o confinamento e distanciamento social

*disseminar ações de prevenção da COVID-19

*detectar precocemente os casos de adoecimento

* agilizar o atendimento à saúde, quando necessário,

* auxiliar no provimento de condições objetivas para que as pessoas possam se resguardar em suas casas.

São exemplos de ações concretas que devem fazer parte dessas medidas:

1. Utilização de meios de comunicação de cada local/ região (rádios, redes sociais, entre outros) para disseminar mensagens, e informações.

2. Criação de canais de comunicação virtuais para que sejam coletadas informações sobre necessidades e problemas enfrentados pela população.

3. Fornecimento de materiais, como lençóis, produtos de higiene e limpeza, medicamentos e alimentação.

4. Verificação de cumprimento dos auxílios anunciados pelos governos federal e estadual.

5. Disseminação do uso de máscaras, que podem ser feitas pelas pessoas no domicilio, com orientação de como produzir (enquanto não há disponíveis no mercado), como usar, como higienizar e como descartar.

6. Oferecimento de abrigos com condições sanitárias adequadas e alimentação para as pessoas sem moradia.

Uso de máscaras para os trabalhadores de atividades essenciais e para a população em geral

É recomendável e possível a utilização de máscaras:

* Por toda a população ao sair na rua

* Pelos idosos e pessoas com comorbidades crônicas, em suas casas nas quais outras pessoas, por necessidade de trabalho, saem às ruas. Estas pessoas, ao retornar, devem permanecer em casa com máscaras, porém não as mesmas que usaram na rua, que devem ser descartadas.

Enquanto não há máscaras disponíveis no mercado, é possível cada um fazer a sua, de tecido, de maneira que possam ser lavadas diariamente (aprenda aqui).

*Pelos trabalhadores de atividades essenciais, que devem ter as máscaras adequadas ao grau de exposição. Todos os profissionais de saúde e de limpeza de unidades de saúde devem usar permanentemente equipamentos de proteção individual (EPI).

Faltam máscaras no país, por isso é urgente que os governos dos Estados e da União organizem a produção de EPI junto às indústrias têxteis e de confecções.

Levando em conta o parque instalado no Brasil nesta área, não há razão que justifique a falta desse produto. É uma das áreas essenciais de atividade produtiva que serve à saúde e ajuda a economia do país, além de criar expertise para o futuro.

Realização de testes de confirmação diagnóstica

É necessário que haja uma ampliação da capacidade de realização de testes de confirmação diagnóstica para entender a epidemia e como ela se dissemina pela população, e com isso adotar medidas individuais e coletivas.

É preciso ampliar a força de trabalho de coleta, logística e execução de exames, bem como das vigilâncias epidemiológica e sanitária, com contratos emergenciais.

O afrouxamento de confinamentos deve ser planejado com base em estudos e dados. Esse é um exercício que o poder público deve tornar cotidiano, pois tivemos SARS, MERS e agora COVID-19, o que não significa que não possamos ter outras epidemias.

Para isso é preciso concentrar todo o esforço na produção e aquisição de kits e de laboratórios capazes de realizar os milhões de testes necessários.

Ampliação dos serviços de saúde e garantia das condições de trabalho

Entre as prioridades deve estar a pronta ativação da capacidade integral do SUS para a atenção à saúde e o funcionamento dos serviços de vigilância à saúde:

*Hospital Universitário da USP (HU) — A discussão entre USP e Governo do Estado de SP, sobre quem deve custear de forma permanente o HU, deve ser postergada. O Estado de SP deve prover de imediato todos os recursos para o hospital funcionar com sua capacidade máxima.

*Hospital Sorocabano em São Paulo –– Sua ativação deve envolver o Estado e o Município de São Paulo. Deve ter prioridade sobre qualquer implantação de hospitais de campanha, além dos já construídos.

Esses hospitais e outros, que se encontram funcionando com capacidade reduzida ou que estão fechados são necessários para o funcionamento do SUS de forma permanente.

*Contratação emergencial de profissionais de todas as categorias necessárias para o pleno funcionamento dos serviços de vigilância epidemiológica e sanitária, dos hospitais, dos serviços de atenção primária e das unidades de pronto atendimento;

*Fornecimento imediato, nas quantidades necessárias, de insumos para laboratório e equipamentos de trabalho para os profissionais de saúde, hoje em falta nas quantidades e tipos necessários na maioria dos serviços.

*Ampliação de leitos e equipamentos de UTI, urgentemente, de acordo com as previsões de necessidades em cada região do país. Às empresas, aos centros de pesquisa e às universidades deve ser dado todo apoio, sem limites, para sua produção e manutenção.

Treinamento de profissionais de saúde

Profissionais de hospitais de referência e de universidades devem ser requisitados para a realização de programas de treinamento dos profissionais de saúde: médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e fisioterapeutas, entre outros, em todos os níveis de atenção, desde a atenção básica até a terapia intensiva.

A subnotificação é inimiga da saúde: registro de suspeitos, de infectados e de óbitos

A diretriz, em conformidade com as melhores práticas de vigilância epidemiológica, deve ser o registro de todos os casos com a doença ou com suspeita da doença, em qualquer unidade de saúde, assim como das pessoas cujos testes forem positivos, mesmo que assintomáticas.

Ou seja, registrar:

*Casos e óbitos suspeitos

* Casos e óbitos confirmados (critério laboratorial ou clínico-epidemiológico)

* Pessoas sem sintomas, com resultados de teste positivos.

São Paulo, 02 de abril de 2020.

*Ubiratan de Paula Santos (médico, InCor-SP), Maria Maeno (médica pesquisadora, Fundacentro-SP), Danilo Fernandes Costa (médico, professor da UFPB), Clara Sette Whitaker Ferreira (médica, professora da USCS-SP), Cláudio Maierovich Pessanha Henriques (médico, Fiocruz-Brasília)

O artigo reflete e é de responsabilidade exclusiva dos autores.

[1]  https://www.dpu.def.br/observatorio-covid-19 > acesso em 02/03/2020.

[2] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc95.htm > acesso em 02/04/2020.


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Zé Maria

A Pedido
Pesquisadoras da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) oferecendo a pessoas voluntárias para realização de exames de imunidade para Coronavírus, avaliando o teste rápido para COVID19.

Se você realizou o teste e o resultado foi POSITIVO e gostaria de realizar o teste para avaliar a presença de anticorpos neste momento,
OU se você realizou o teste e o resultado foi negativo, e gostaria de confirmar o mesmo.

A coleta será realizada na sua casa com uma gotinha de sangue da ponta do dedo. Não é necessário coletar novamente o exame das vias respiratórias. Seus dados serão mantidos em sigilo e você receberá o resultado do teste na hora.

Esta pesquisa faz parte do projeto “Evolução da prevalência de infecção por COVID-19 no Rio Grande do Sul: Estudo de base populacional”, um estudo nacional coordenado pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), com a participação da UFCSPA e de outras universidades no Brasi.

Se você deseja participar como voluntário da pesquisa, entre em contato pelo seguinte Email:
([email protected])
Idenfique-se escrevendo
nome, idade, endereço, telefone para contato, o dia da realização do teste realizado e o resultado.

Ou ligue para:
51 9158-4821 Ana Carolina
51 9932-6991 Giulia
51 9626-6037 Luana

Este estudo tem como objetivo avaliar a eficiência de um teste rápido em identificar se você desenvolveu anticorpos contra o vírus da COVID19.
Se você testou positivo e seu teste foi feito anterior ao dia 27 de março é possível que seu corpo tenha desenvolvido anticorpos para se defender do vírus e deve dar um resultado positivo no teste rápido.
Se você testou negativo a partir do dia 27 de março, e não teve mais contato com o vírus o teste rápido deverá dar um resultado negativo.
Para a realização do teste SARS-CoV-2 Antibody, será necessária a realização da coleta de sangue com material estéril e descartável, por um profissional devidamente treinado.
A coleta ocorrerá no âmbito domiciliar, será realizada uma coleta de sangue capilar (ponta do dedo), o volume de sangue coletado será aproximadamente 0,05 mL, ou seja, uma gota de sangue.
Após esse procedimento o teste rápido será realizado e o resultado estará disponível dentro de quinze minutos.

https://www.ufcspa.edu.br/index.php/ultimas-noticias/34-noticias/8314-procuram-se-voluntarios-de-porto-alegre-para-realizacao-de-exame-de-imunidade-para-coronavirus

Zé Maria

O Guedes e o Maia estão fazendo acrobacias no Texto
da Constituição Federal, com essas PECs Inúteis, para
tentar evitar o inevitável que é a Revogação EC 95/16.
Não há como burlar a Lei Orçamentária Anual (LOA)
e fazer um Orçamento Paralelo ‘Clandestino’. Isso sim
seria um “Pedalão” inconstitucional sem precedentes.

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