Mulheres denunciam: Ministério da Saúde comprou camisinha feminina de látex, que pode causar alergia e reduz a adesão

Tempo de leitura: 19 min

por Conceição Lemes

Está circulando nas redes o abaixo-assinado Movimento Primavera Feminista, Látex, não!

Em questão, a camisinha feminina, aprovada em 1997  pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Desde 2000, quando passou a ser distribuída pelo Ministério da Saúde, a camisinha é fabricada com borracha nitrílica, um material antialérgico, macio e mais fino do que o látex usado no preservativo masculino.

Em 2017, o Ministério da Saúde, que tinha à frente o engenheiro e deputado federal Ricardo Barros (PP-PR), lançou um edital para a compra de camisinha feminina.

Nele, o látex (borracha natural usada no preservativo masculino) apareceu como um dos materiais que poderiam entrar na composição do produto.

Imediatamente, o sinal de alerta soou no movimento social.

O governo do usurpador Michel Temer (MDB), que já começava a destruir os direitos sexuais e reprodutivos, estava mais preocupado com o preço do produto — a de látex é bem mais barata — do que com a saúde das mulheres.

Só que, segundo o abaixo-assinado (na íntegra, ao final), o látex é:

* Muito mais espesso do que os outros produtos utilizados na confecção do preservativo, o que diminui a sensibilidade da mulher.

* Um material extremamente alergênico que pode causar prurido e reações alérgicas. A camisinha vaginal de borracha nitrílica pode ser colocada antes da relação sexual, a camisinha de látex impossibilita isso.

* Inadequado para se utilizar internamente.

Resultado da mudança de qualidade: diminuição importante da adesão ao uso.

Na época, integrantes do Movimento Primavera Feminista levaram o problema à então diretora do extinto Departamento de IST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, Adele Benzaken.

IST significa Infecções Sexualmente Transmissíveis.

“Dra Adele, demonstrou imensa sensibilidade. A licitação saiu e o látex não fui incluído”, prossegue o abaixo-assinado.

“Porém, o Ministério da Saúde cancelou a licitação pelas nossas costas e abriu uma nova, onde não só o látex estava incluído, como o único critério de seleção seria o preço”, completa o texto da petição.

Daí o abaixo-assinado.

Ao ler, deparei-me com dois termos que até então desconhecia: mulheres cis e homens trans.

Além disso, embora tratasse da camisinha feminina, esse nome não foi usado uma única vez no abaixo. Por quê?

Quem me esclareceu tudo isso foi Elisiane Pasini, doutora em Antropologia, feminista e colaboradora no Ministério da Saúde de 2012 a 2018.

É dela também o texto muito esclarecedor que publicamos após esta entrevista.

Blog da Saúde – O nome camisinha feminina foi abolido?

Elisiane Pasini – Não. Ainda é o nome oficial no Brasil. Porém, já faz um tempo que feministas e movimentos sociais, principalmente de pessoas trans e travestis e de jovens, têm repensado esse nome.

Afinal, intitular o produto por um “feminino” e um “masculino” pode, de alguma forma, demarcar/categorizar/essencializar quem o utiliza, impedindo que outras pessoas entendam esse insumo como seu também.

A nomenclatura preservativo vaginal (PV) ou preservativo interno (PI) é muito mais inclusiva.

Além disso, mesmo que o Ministério da Saúde não indique, muitas pessoas fazem uso do preservativo vaginal/interno em relações anais, pois afirmam que ele é mais confortável, maior, um material mais fino.

Blog da Saúde — Preservativo vaginal ou preservativo interno?

Elisiane Pasini – No Brasil, ainda não há um consenso se o melhor nome é preservativo vaginal ou preservativo interno. Acredito que em breve isso será definido.

Tanto que, no meu artigo, optei por usar os dois termos.

Agora, para mim, o nome camisinha interna ou preservativo interno é mais abrangente.

Blog da Saúde – Por quê?

Elisiane Pasini – Porque pode ser colocado em uma vagina (formato do produto segue a anatomia do corpo), mas também no ânus (mais uma vez lembrando que essa indicação não é oficial).

Blog da Saúde – Lá fora como é chamado?

Elisiane Pasini — Nos EUA, França e Portugal de preservativo interno. No Brasil, várias redes, movimentos, associações e alguns setores governamentais já repensam e/ou usam essa terminologia, que certamente é mais adequada.

Blog da Saúde — Eu li no teu texto e no abaixo-assinado que o preservativo vaginal ou preservativo interno é para mulheres cis e homens trans. O que significam esses termos?

Elisiane Pasini –Pessoas cisgêneros são aquelas que se identificam com o gênero que lhes foi atribuído em seu nascimento.

Assim, teriam uma concordância entre a identidade de gênero e o sexo biológico de nascimento. Portanto, mulher cisgênero é aquela que se identifica com o sexo feminino que lhe foi atribuído ao nascimento

Já as pessoas transexuais são aquelas que têm uma identidade de gênero que não condiz com a do sexo que lhes foi atribuído ao nascer.

Especificamente, os homens trans não se identificam com os genitais biológicos femininos nem com suas atribuições socioculturais, mas com o gênero masculino.

Homem trans é aquele que tem o gênero masculino, mas que foi designado como pertencente ao sexo feminino ao nascer em função do seu sexo biológico.

Blog da Saúde – Tanto no abaixo-assinado quanto no seu texto é dito que ficou acordado que a camisinha feminina não seria de látex. Depois, pelas costas o Ministério da Saúde comprou a de látex , mesmo. Exatamente quando isso aconteceu?

Elisiane Pasini – Como informado tanto no manifesto como no meu artigo, em outubro de 2017 houve uma audiência pública, que deu início ao processo de aquisição dos preservativos. Participaram representantes do Movimento Primavera Feminista, fabricantes do preservativo interno/vaginal e do governo federal.

Ao que tudo indicava, logo depois, o processo de compra percorreu o trâmite oficial.

Porém, o que nos foi dito é que no começo de 2018 houve a impugnação do pregão dessa compra.

Durante o ano de 2018 não houve mais notícias, apenas se percebeu o desabastecimento do insumo no país.

Só, em março de 2019, os movimentos sociais foram informados sobre a nova compra, a maioria de preservativos internos/vaginais feitos de látex.

Blog da Saúde – Inicialmente o preservativo interno ou vaginal foi destinado a mulheres com mais risco de adquirir o HIV e demais infecções sexualmente transmitidas. Depois, passou a ser para mulheres em geral. Quando isso aconteceu e por quê?

Elisiane Pasini — Em 2000 as concepções eram outras e a quantidade adquirida pelo Ministério da Saúde ainda era pequena.

Portanto, as mulheres conhecidas como prioritárias para o recebimento da camisinha interna/vaginal eram aquelas entendidas como as mais vulneráveis ao HIV.

Na prática, isso não significava que outras mulheres não tivessem o direito a receber o insumo, mas havia uma prioridade.

Entretanto, o cenário foi mudando no decorrer dos anos.  Só em 2016, com a retomada do tema e a vontade política de colocar a camisinha interna/vaginal na pauta da prevenção combinada, os trâmites oficiais foram refeitos.

A Nota Informativa nº 67/2016, do Ministério da Saúde, reorganizou e orientou a oferta e o acesso aos preservativos internos/vaginais de uma forma que se universalizasse a oferta para todas as mulheres, mesmo que se tivesse que fazer um esforço maior com determinados segmentos: trabalhadoras sexuais, usuárias de drogas ou parceiras de usuários de drogas; em situação de violência doméstica; mulheres vivendo com HIV/aids; privadas de liberdade; e mulheres adolescentes e jovens.

À esquerda, a camisinha interna comprada pelo Ministério da Saúde. Além de ser feita com látex, ela tem, segundo as usuárias, dois outros problemas:  1)a borda hexagonal causa desconforto e torna o preservativo incômodo para ser inserido na vagina; 2)  a esponja que vem dentro do preservativo, além de ser antiestética, dificulta a colocação interna do produto. À direita, a camisinha feminina feita com borracha nitrílica.

NÃO AO PRESERVATIVO INTERNO/VAGINAL DE LÁTEX  [1]

por Elisiane Pasini [2]

O Preservativo Interno/Vaginal (que não deve mais ser chamado de Feminino) [3]  tem uma longa e importante história na promoção da saúde pública brasileira.

Desde o ano de 2000 [4] ele é distribuído gratuitamente no Sistema Único de Saúde (SUS). O governo federal brasileiro é o governo que mais compra esse insumo no mundo, no ano de 2000 foram 2 milhões de insumos, já em  2019, a compra foi de 35 milhões (site aids.gov.br) .

Como é sabido o uso do preservativo contribui para reduzir a infecção das IST, do HIV, das hepatites virais, evitar a gravidez indesejada e o zika vírus.

O Preservativo Interno/Vaginal (PI/PV) é uma alternativa ao Preservativo Externo/Pubiano (que também não deve ser mais chamado de Masculino), tanto por ser usado no corpo das mulheres [5], quanto por ser fabricado com um material diferente (borracha nitrílica X látex).

Muitas mulheres afirmam que o PI/PV contribui bastante para relações sexuais mais prazerosas, pois o material que ele é feito, a borracha nitrílica, é fino, inodoro e se adéqua confortavelmente nos corpos.

Ainda há outros importantes elementos apontados como positivos. O anel flexível massageia levemente o clitóris e possibilidade sensações prazerosas. Também por ser bem lubrificado o insumo contribui para as mulheres, que estão em períodos ressecados, inclusive para mulheres climatéricas.

O preservativo interno/vaginal pode ser colocado algumas horas antes da relação sexual, portanto, não é necessário aguardar a ereção do pênis e ele serve para todos os tamanhos do membro, não causando possíveis incômodos.

Além disso, o insumo oferece uma proteção adicional para as IST, aquelas transmitidas por contato e fricção, ao recobrir a região dos lábios vaginais.

De mais a mais, como o PI/PV é colocado no corpo das mulheres favorece sua autonomia, liberdade e poder em suas escolhas, contribuindo também para que conheçam seus corpos e decidam sobre o uso do preservativo nas práticas sexuais.

Entretanto, para as mulheres exercerem seus direitos sexuais e direitos reprodutivos e adotarem o PI/PV como um método de prevenção é preciso enfrentar aspectos complexos da ordem da cultura sexual, das barreiras de gênero e das sexualidades das mulheres.

Contudo, de fato, a política de fortalecimento do PI/PV nesses quase 20 anos pouco se consolidou e, por diversas vezes, foi negligenciada e invisibilizada, principalmente, em razão dos grandes hiatos de compra, geradores de enormes desabastecimentos do insumo e a impossibilidade da continuidade de estratégias para seu acesso, oferta e uso.

Infelizmente, de tempos em tempos se ouve um enorme silêncio em torno do PI/PV. Mesmo assim, durante todos esses anos houve diversos marcos transformadores nessa caminhada. É impossível evidenciar todos eles, porém, destaco alguns, ocorridos ainda na primeira década.

A força tarefa que uniu o governo em todas as esferas e a sociedade civil na elaboração de estratégias políticas para a implementação do insumo no SUS, importantes e ícones estudos sobre o tema [6] que trouxeram informações sobre a literatura local e mundial, conhecimentos sobre comportamentos e “vozes” das usárias, e os “Planos de enfrentamento de feminização da epidemia da Aids e outras DST”, em que com uma intensa mobilização da sociedade civil aumentaram os grupos de mulheres prioritárias para a oferta e o acesso ao insumo, incluindo as mulheres em situação de violência e em situação de rua (apesar do PI/PV ainda não ser ofertado para todas as mulheres, ocorreu uma abertura para outros grupos de mulheres).

Desde 2013, o Brasil adota a política pública de saúde para o enfrentamento do HIV e outras IST a partir do conceito de “prevenção combinada [7]“, combinando diferentes recursos de prevenção disponíveis gratuitamente no SUS.

Mais uma vez, o PI/PV tem destaque na política de saúde e, novamente, a população brasileira é conectada a uma alternativa ao preservativo externo/pubiano (PE/PP). Inclusive, a base argumentativa da estratégica para consolidar o PI/PV era justamente o fato de ser usado no corpo das mulheres e do material ser diferente do material do PE/PP.

Em 2016, o Ministério da Saúde (MS), através do extinto Departamento de IST, Aids e Hepatites Virais (DIAHV) [8] , constatou que o PI/PV estava parado em muitas Coordenadorias de IST/HIV Estaduais e Municipais.

Para tanto, foi elaborado um plano de atuação para que o Preservativo Interno/Vaginal saísse do papel e retomasse a sua relevância como mais uma possibilidade de escolha para a prevenção [9].

Destacam-se a falta de informação e de conhecimento [10], da oferta no serviços públicos de saúde e do acesso contínuo ao PI/PV como alguns elementos, que interferiram significativamente para o não uso.

Durante os anos de 2016 e 2017 houve o auge do fortalecimento do PI/PV com um Plano de Trabalho específico, que uniu primeiramente diferentes áreas internas do DIAHV e, no segundo momento, gestores estaduais e municipais, profissionais de saúde, agências ONU, outros Ministérios e a sociedade civil.

Assim, aconteceram oficinas, debates, rodas de conversas, seminários, reuniões com informações, discussões e proposições.

Buscaram-se estratégias para incentivar gestores estaduais e municipais e profissionais de saúde a qualificar a oferta, a distribuição e o acesso ao preservativo interno/vaginal, bem como para estimular mulheres e homens ao uso desse insumo, por ser mais uma alternativa de prevenção.

A articulação com agências da ONU potencializou a agenda, levando o tema para instâncias importantes nacionais e internacionais.

Oficinas, Seminários, Debates e outras atividades sobre o tema do PI/PV aconteceram em todos os Estados do país numa parceria com a sociedade civil, protagonista de ações importantes de sensibilização e conhecimento, em especial, os grupos das mulheres vivendo com HIV, das organizações que atuam na luta contra a Aids, das mulheres em geral, das feministas, das trabalhadoras sexuais, dos grupos de mulheres jovens e lideranças comunitárias.

Também grandes projetos foram desenvolvidos pela sociedade civil em que o PI/PV foi o tema principal e/ou secundário. Importante ressaltar que sociedade civil é fundamental agente na política de prevenção e promoção de saúde.

Por agora, destaco ainda duas outras grandes linhas do Plano de Trabalho com o PI/PV: a Nota Informativa nº 67/2016 [11] , que tratou de reorganizar e orientar a oferta e o acesso aos preservativos internos/vaginais, universalizando a oferta para todas as mulheres; e o Plano de comunicação, que contou com vários vídeos, posts, memes, matérias e a campanha para as Grandes Festas, Congressos Nacionais e o Carnaval de 2018, em que os principais personagens foram o Homem Camisinha e a Mulher Camisinha. Inclusive, o Carnaval de 2018 foi a última grande ação protagonizada pelo PI/PV.

Entretanto, se tudo ia bem, por que razão desde o ano passado o PI/PV deixou de ser importante e de protagonizar as agendas do Ministério da Saúde?

As tabelas [12] apresentadas pelo DCCI, em seu site, apontam a desrespeitosa repetição da história: hiato na compra, desabastecimento, desaparecimento do insumo, impossibilidade de continuidade das estratégias de oferta, do acesso e do uso, sem visibilidade, fim do fortalecimento do PI/PV.

Foram 9 meses sem o MS distribuir preservativos internos/vaginais no país. E, pior, além de não ter preservativos, os novos PI/PV distribuídos são de látex! Assunto para o próximo item.

O Movimento Primavera Feminista [13]

O movimento Primavera Feminista uniu diferentes mulheres que em 2017 entenderam a necessidade de se reunirem para visibilizar a pauta das mulheres, entendida como pouco explorada, mas que teve um golpe ainda maior no lançamento de um edital para compra de preservativos internos/vaginais, que permitia a compra de camisinhas de látex.

Interessante observar que o látex já configurava em outras licitações, o diferencial é que dessa vez o único critério resolutivo para a compra, passou a ser o menor preço. Esse fato foi a gota d’agua de união do grupo que se mobilizou fortemente à partir de intervenções em eventos, da escrita de um manifesto, da participação em uma audiência pública com empresas fabricantes do preservativo e o Governo Federal e a criação de um abaixo-assinado, que atingiu cerca de mil assinaturas em um curto espaço de tempo. O movimento mostrou ao país que as mulheres não queriam camisinha interna ou vaginal de látex.

O movimento entendeu como uma grande vitória o fato do MS ter concluído a licitação sem ter incluído a possibilidade da camisinha de látex concorrer ao processo.

No entanto, passados alguns meses e, em completa discrição, a tal licitação foi cancelada e ocorreu uma nova em que o maior número adquirido foi justamente de camisinhas internas/vaginais de látex, fundamentalmente, por apresentar o menor preço. Além disso, apenas uma pequena porcentagem de preservativos antialérgicos foram comprados.

Entre outros argumentos, o principal foi a necessidade de seguir a lei nº 8.666/1993[14], a qual  institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências.

Entretanto, fazer política pública de saúde com responsabilidade também envolve a administração apontar a melhor proposta existente ao interesse público, que não significa apenas o menor preço, mas sim, o uso do produto e o bem estar de quem usa.

De mais a mais, mudar o insumo ofertado em meio a implementação da Prevenção Combinada compromete a adesão do insumo e desmantela o trabalho de sucesso realizado nos últimos anos, conforme apresentando acima.

As mulheres brasileiras afirmam: “Nós rejeitamos a camisinha vaginal/interna de látex veementemente e nos unimos novamente para fazer valer nossos direitos de cidadãs. Nossa saúde importa mais do que o dinheiro” (fala de representante do Movimento Primavera Feminista).

Algumas controvérsias científicas sobre o preservativo vaginal/interno de látex.

Desde o final da década de 80 a alergia ao látex tem sido reconhecida como um problema de saúde pública.

Para Wu W., McIntosh J. Liu J. (2016) aproximadamente 4% da população geral têm alergia ao látex, sendo que em trabalhadores da saúde essa porcentagem aumenta para 9,7% e pacientes suscetíveis para 7,2%.

Sá et al (2011) discorreram sobre a necessidade de programas de educação para que as pessoas possam gerenciar seus riscos quanto a uma possível alergia ao látex, afirma ainda que é preciso divulgar sobre o problema e não entendê-lo como um problema menor, afinal é possível que muitas outras pessoas também vivam com o problema, mas não o detectaram.

Infelizmente, as pesquisas mundias tem se dedicado ao tema da alergia ao látex não tratam diretamente do Preservativo Interno/vaginal, mas algumas delas indicam o preservativo externo/pubiano. Por certo, se o PE/PP apresenta evidências de possíveis alergias pelo látex (Pires et al, 1997), o PI/PV poderá ainda ser pior. Afinal, o uso interno do produto e o seu tempo maior de contato com a pele, precisa ser levado em conta. Ainda se destaca que a  genitália feminina possui aspectos singulares de flora, PH e anatomia que a torna mais sensível ao látex.

Portanto, o uso do PI/PV de látex poderá aumentar as chances de uma reação alérgica em relação aos PE/PP, pois são colocados na vagina algumas horas antes da relação sexual e também entram em contato com uma parte maior do corpo (vaginas).

Inclusive, a Revista Brasileira de Anestesiologia indica que o tempo em contato com as superfícies internas são causadoras maiores do desencadeamento da alergia (cf. Batti, 2003; Allarcon, 2003). Ainda é importante ressaltar que na embalagem do novo preservativo de látex distribuída pelo MS consta que o uso poderá causar reações alérgicas.

Um exemplo importante acontece na África do Sul onde entre 2015/2016 foram distribuídos 27 milhões de PI/PV, tornando o país um dos maiores programas do mundo.

A pesquisa “South African Health Review” (Beksinska et al, 2017) apresentou vários aspectos interessantes, entre eles, a preferência ao PI/PV de borracha nitrílica em relação ao de látex.

O modelo de borracha nitrílica começou a ser distribuído em 2013 e desde então houve um sério trabalho dos profissionais de saúde para que acontecesse uma distribuição com conhecimento. Segundo dados da pesquisa, o PI/PV mais procurado pelas pessoas foi o FC2 (99%), que é produzido com borracha nitrílica.

O PI/PV de látex foi procurado por apenas 34% (Cupid). A maior procura pelo PI/PV de borracha nitrílica corresponde a maior preferência por este tipo de insumo.

Dois terços dos usuários do PI/PV (67,9%) afirmaram preferirem seu uso, comparando com 21,7% que preferiu o PE/PP e 10,4% gostaram dos dois igualmente.

Dos usuários atuais do PI/PV, 73,4% relataram usá-los com mais freqüência, considerando antes de começarem a usar o PI/PV. Certamente, esses dados são importantes, fundamentalmente, por aue é uma das únicas que revela opiniões sobre o uso dos dois tipos de preservativos.

Como já dito, infelizmente, não temos pesquisas sobre látex e o preservativo, entretanto, todos os argumentos acima apresentados são significativos e colaboram para a comprovação de que os preservativos internos/vaginais de látex não são bons para a saúde das mulheres, pois não protege uma parcela de pessoas de uma outra doença, a alergia ao látex.

Não Vamos nos Calar!

Afinal, a prevenção combinada é para quem?

Quais as alternativas de estratégias de prevenção apresentadas na “Mandala da Prevenção Combinada” tem como foco as mulheres?

Quais são usadas por elas?

Como é comumente dito as pessoas devem combinar seus métodos de prevenção, mas com a incorporação do Preservativo Interno/Vaginal de látex, temos uma importante alternativa, que deixou de ser. Por conseguinte, a principal estratégia da Prevenção Combinada focada nas mulheres foi deixada de lado.

Afinal, é bastante lógico entender que a aquisição dos preservativos internos/vaginais de látex poderá ser um impedimento para um grupo da população, com alergia ao látex, e consequentemente esse grupo não terá alternativa de prevenção com o uso de preservativos, no SUS.

Para uma tema de saúde complexo como a epidemia do HIV é necessário que as diferentes inovações sejam combinadas e abordadas no contexto de vida das pessoas. É preciso reinventar! É preciso escutar, respeitar a ciência e a população e construir conjuntamente a promoção da saúde pública no Brasil. Sugerimos que o Ministério da Saúde respeite e ouça a sociedade civil e pare de desperdiçar dinheiro público em insumos de péssima qualidade, que não cumprem os requisitos mínimos de saúde. Reivindicamos a supressão da aquisição de preservativos internos/vaginais feitos de látex. Látex não!

NOTAS

[1] Agradeço as companheiras do Movimento Primavera Feminista, que não se cansam de lutar pela saúde pública e pelas mulheres brasileiras. Esse artigo é resultado destas lutas e, da certeza, que estamos no lugar certo da história. Também agradeço as leituras e as sugestões ao texto.

[2] Doutora em Antropologia, Feminista e Colaboradora no Ministério da Saúde durante os anos de 2012 a 2018, especificamente no antigo Departamento de IST, Aids e Hepatites Virais.

[3] O Preservativo Interno/Vaginal pode (e é) ser usado tanto por mulheres cisgênero, como por homens trans. Entretanto, na prática, muitas pessoas, trans e cis, usam o PI/PV nas relações sexuais anais, mesmo que oficialmente o Ministério da Saúde não o indique.

Essas razões têm levantado o debate mundialmente na busca de renomear o Preservativo, chamando de Interno ou Vaginal. Por exemplo, nos Estados Unidos o nome usado oficialmente é Preservativo Interno, na França, associações que atuam na luta contra a Aids utilizam esse termo (www.aides.org/les-outils-de-prevention-vih-sida)  e, em Portugal, o termo usado também é o Preservativo Inteno (www.apf.pt/sites/default/files/media/2017/folheto_apf_preservativos_2017.pdf).

[4] Importante destacar que o estado de São Paulo disponibiliza o PI/PV desde o ano de 1998 (antes do Governo Federal), inclusive, na época, elaboraram uma cartilha específica sobre o insumo, que contribui muito para levar informações sobre o insumo.

[5] Mesmo que o PI/PV tenha o uso indicado para mulheres cisgênero e homens trans, na prática, gays, mulheres transexuais e travestis também usam o insumo. Entretanto, o objetivo maior do texto é discorrer sobre as mulheres cisgênero, pois são as que mais o utilizam.

[6] Ver PERPÉTUA, 2005 e BARBOSA, Regina; DONINI, Ângela, 2011.

[7] Prevenção Combinada “É uma estratégia de prevenção que faz uso combinado de intervenções biomédicas, comportamentais e estruturais aplicadas no nível dos indivíduos, de suas relações e dos grupos sociais a que pertencem, mediante ações que levem em consideração suas necessidades e especificidades e as formas de transmissão do vírus”. (Ministério da Saúde, pg. 18, 2017).

[8] Hoje, é chamado de DCCI, Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis.

[9] Segue uma importante passagem do artigo de Vilela, que se refere a uma das tentativas de fortalecer o preservativo interno/vaginal no país: “Para subsidiar o delineamento desta estratégia, foi realizado um conjunto de grupos focais com gestores e mulheres de diferentes segmentos em três estados do país.

Especificamente, esta iniciativa visava apoiar a divulgação e a distribuição nos estados e nos municípios do preservativo feminino de 2ª geração, adquirido num quantitativo de 20 milhões de unidades pelo Ministério da Saúde em junho de 2011.

As sugestões oferecidas por este trabalho apontavam para a importância de uma ação comunicacional em diferentes planos, desde o emprego da mídia até a produção de materiais educativos de uso e disseminação nos serviços de saúde e em eventos; divulgação específica das vantagens do preservativo feminino junto a profissionais de saúde, incluindo ginecologistas e profissionais da atenção básica; sensibilização da população em geral e das mulheres em particular.

O objetivo, segundo as propostas realizadas nos grupos focais, seria mostrar o preservativo como uma oportunidade para as mulheres de terem acesso a um novo produto para a sua proteção, ou seja, deslocando a ideia da prevenção específica das DST/aids para a possibilidade de promoção da saúde sexual e reprodutiva, o que exigiria uma articulação discursiva e operacional com gestores e profissionais da área de saúde das mulheres. (Villela, 2015, site ABIA).

[10] Ainda hoje, existem alguns mitos e fantasias sobre o aspecto do PI/PV, principalmente o barulho, que devem ser desmistificadas. Em relação ao barulho, o PI/PVde  borracha nitrilica apresenta uma enorme diminuição do chamado 1ª geração para a 2ª.

[11] A Nota Informativa Conjunta nº 67/2016 (DDHAV/SVS/MS e CGSM/DAPES/SAS/MS) orienta sobre a oferta e o acesso aos preservativos femininos na rede de serviços de saúde.

Além disso, universaliza a dispensação para todas as mulheres, considerando ainda as necessidades declaradas pela usuária e a disponibilidade do insumo nos serviços de saúde do SUS, reforçando a necessidade da sua oferta às profissionais do sexo, mulheres que usam drogas e parceiras de usuários de drogas; mulheres em situação de violência doméstica, mulheres vivendo e convivendo com HIV/aids, mulheres privadas de liberdade, e mulheres adolescentes e jovens.

[12] Em 2015 foram distribuídos 22 milhões, em 2016 10 milhões, em 2017 9 milhões e meio , em 2018 1 milhão e 600 . Entre setembro de 2018 a maio de 2019 não foram dispensados preservativos internos/vaginais, pois não haviam insumos. O Abastecimento retornou em junho desse ano e ainda não chegou em todas as capitais, com os preservativos de látex. Ver maiores detalhes no site www.aids.gov.br.

[13] Ver maiores detalhes nas Redes Sociais do movimento Primavera Feminista. www.facebook.com/110707913592635/posts/127439521919474?sfns=mo  secure.avaaz.org/po/community_petitions/Movimento_Primavera_Feminista_Latex_NAO/?lSvojib

[14] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8666compilado.htm

Referências Bibliográficas

ALLARCON, J. B., MALITO, M., LINDE, H., BRITO, M.M. Alergia ao Látex. Revista Brasileira de Anestesioslogia. Vol.53, n.1, Jan/fev, 2003.

BATTI, M. Alergia ao Látex. Revista Brasileira de Anestesioslogia. Vol.55, n.5, Set/out, 2003.

BARBOSA, R.; DONINI, A. (organizadoras). Preservativo Feminino das políticas globais à realidade brasileira. NEPO, ABIA, UNFPA. 2011.

BEKSINSKA, M.  NKOSI, P., MABUDE, Z., SMIT, J., ZULU, B., PHUNGULA, L., GREENER, R., KUBEKA, M., MILFORD, C., LAZARUS, N., ZANDILE et al. Twenty years of the female condom programme in South Africa: past, present, and future. IN: Padarath A, Barren P, editors. South African Health Review 2017. http://www.hst.org.za/publications/south-african-health-review-2017

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Prevenção Combinada do HIV: Bases conceituais para profissionais, trabalhadores (as) e gestoras (as) de saúde. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais. Brasília: Ministério da Saúde, 2017.

OLIVEIRA, N., MOURA, E., GUEDES, T. ALMEIDA, P. Conhecimento e Promoção do Uso do Preservativo Feminino por Profissionais de Unidades de Referência para DST/HIV de Fortaleza-CE: o preservativo feminino precisa sair da vitrine. Revista Saúde Social. São Paulo, v.17, n.1, 2008.

PERPÉTUA et al. Estudo da Política de Distribuição e Acesso ao Preservativo Feminino. 2005.

PIRES, G., Almeida, M., GASPAR A., TORRES, V., PINTO, J.M.. Alergia ao látex : casos clínicos, reflexões e controvérias. Revista Portuguesa Imunoalergologia (RPIA). Out/nov 1997.

SÁ, A., MALLOZIM N., SOLÉ, D. Alergia ao látex: atualização. Revista Brasileira Alergia Imunopatologia. 2011.

VILLELA, Wilza. Sobre o preservativo feminino e os entraves para a sua dimensão no país: algumas reflexões. ABIA, junho, 2015.

WU M., MCINTOSH J., LIU J.. Current prevalence rate of latex allergy: Why it remains a problem? Jornaul Occup Health, 2016.

Na própria embalagem da camisinha feminina feita com látex natural está escrito que ela pode causar alergia

ABAIXO-ASSINADO

Movimento Primavera Feminista, Látex, não!

O movimento primavera feminista começou em 2017 para dar visibilidade a uma pauta feminina pouco explorada.

Os preservativos vaginais, usados tanto por mulheres cis e homens trans (veja acima, na entrevista).

Na prática, gays, travestis e mulheres trans também usam essa ferramenta de proteção à contracepção e IST’s e HIV, mas nosso foco inicial são as mulheres cis, as que mais utilizam esse insumo na prática.

Há muitas barreiras a serem derrubadas com relação ao uso do preservativo vaginal.

Entre elas estão a falta de conhecimento sobre o próprio corpo, vergonha e culpa no expressar livremente de sua sexualidade, falta de conhecimento sobre o preservativo em si.

Todos esses aspectos já tornavam a ampla utilização desse método, um desafio, mas em 2017, já no início do desmonte das políticas de direitos sexuais e reprodutivos no SUS, um golpe nos atingiu em cheio.

O Ministério da Saúde lança um edital para compra de preservativos vaginais que coloca o látex como possibilidade de material a ser utilizado na composição das camisinhas.

O látex já configurava em outras licitações, o diferencial é que dessa vez o único critério resolutivo para a compra, passa a ser preço.

Levando em consideração que o material em látex é infinitamente mais barato, não tem nem o que discutir.

A partir dessa licitação, o látex passaria a ser a matéria prima dos preservativos vaginais distribuídos pelo SUS.

E porque látex não ?

O látex é muito mais espesso do que os outros produtos utilizados na confecção do preservativo, o que diminui a sensibilidade da mulher.

O látex é um material extremamente alergênico que pode causar prurido e reações alérgicas. A camisinha vaginal pode ser colocada até oito horas antes da relação sexual, a camisinha de látex impossibilita isso.

O látex é inadequado para se utilizar internamente.

A mudança da qualidade do preservativo interno que está sendo atualmente distribuído na rede pública nacional já está gerando uma grave redução a adesão ao uso desse preservativo, além de estar trazendo desvantagens a saúde da mulher e seu direito a prevenção segura e prazerosa.

A troca de materiais impactou diretamente no cuidado das populações que se utilizam desse tipo de preservativo, impactando no cuidado e tornando-as mais vulneráveis as IST’s, HIV e Hepatites Virais, o que seguramente pode levar ao aumento dos casos de infecção de IST’s, HIV e Hepatites Virais onerando custos maiores, como o tratamento de infecções e agravos.

Ao sabermos disso, iniciamos uma grande mobilização que resultou em uma série de ações, incluindo a criação de um abaixo- assinado que atingiu cerca de mil assinaturas em curto espaço de tempo.

Fizemos algumas intervenções em eventos e criamos um manifesto. Participamos ainda de uma audiência pública onde expusemos todos os nossos desconfortos.

O Ministério da Saúde através do extinto DIAHV através da Dra Adele, demonstrou imensa sensibilidade. A licitação saiu e o látex não fui incluído.

A licitação foi concluída e o resultado foi satisfatório para nós mulheres e homens trans.

No entanto, muito tempo depois, ficamos sabendo, que assim que a sociedade civil se desmobilizou, o ministério da saúde cancelou a licitação pelas nossas costas e abriu uma nova, onde não só o látex estava incluído, como o único critério de seleção seria o preço (como dissemos anteriormente, o látex é a matéria prima mais barata, portanto esse sendo o critério, necessariamente a empresa que ofereceu látex, foi a empresa vencedora).

Apenas uma pequena porcentagem de preservativos antialergênicos foi comprada

A própria embalagem do preservativo vaginal de látex ofertada no momento, vem com os dizeres: Pode causar alergia

Se já era difícil ampliar o uso do preservativo vaginal por questões culturais, imaginem agora, que o produto nem salutar é.

Inúmeras organizações da sociedade civil tem apontado uma queda significativa no uso do insumo, depois da mudança.

O produto, ofertado por uma empresa indiana, não apenas é feito em látex, mas também tem um formato antiergonômico (hexagonal ao invés de circular, o que causa desconforto e elimina a possibilidade de se obter prazer com o atrito do anel circular).

Tem uma esponja dentro, que além de antiestética, dificulta a colocação  interna do produto.

Quando nos posicionamos contra o produto de látex, não imaginamos que além da matéria prima (latex), o insumo enfrentaria tanto retrocesso na sua qualidade.

Estamos indignadas e preocupadas com o futuro da nossa saúde sexual.

Rejeitamos o látex veementemente e pedimos que o Ministério da Saúde finalmente ouça a sociedade civil e pare de desperdiçar dinheiro público em insumos de péssima qualidade, que não cumprem os requisitos mínimos de saúde e conforto que tanto necessitamos.

Nós estamos aqui falando de vida, de autonomia sobre nossos corpos.

Estamos falando sobre respeito, cuidado, amor e prazer.

Quem nos escuta? Cadê as nossas vozes?

Saúde não diz respeito apenas a sobrevivência, mas sobre respeitar, florescer, frutificar e amar.

Por isso, estamos aqui para reivindicar a supressão da aquisição de preservativos vaginais feitos de borracha natural (látex) e para apoiar a decisão do diretor do Departamento de Doenças de Condições Crônicas e IST (Veja PS do Blog da Saúde), Gerson Pereira, que prometeu em recente encontro com a sociedade civil que o departamento to se comprometeria a não mais adquirir preservativos internos de látex .

Todxs vocês, juntem‐se a nós, látex não!

Movimento Primavera Feminista – 2019

#LatexNao #PreservativoInterno #CamisinhaInterna

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