Meningite: Da epidemia censurada na ditadura a Arthur, tudo o que precisamos saber

Tempo de leitura: 14 min

Os professores Eitan Berezin e José Cássio de Moraes esclarecem as principais dúvidas sobre a meningite meningocócica hoje e na primeira metade da década de 1970, o período mais violento da ditadura militar brasileira

por Conceição Lemes

Meningite é uma inflamação das meninges, as membranas que recobrem o cérebro e a medula espinhal no interior da coluna vertebral.

É causada principalmente por agentes infecciosos – bactérias, vírus e fungos.

Portanto, há meningites bacterianas, virais e fúngicas.

De tempos em tempos, a doença entra em evidência, especialmente a meningocócica, causada pela bactéria Neisseria meningitidis, ou meningococo.

Em 1971, nas áreas mais pobres da cidade de São Paulo, eclodiu uma epidemia.

O Brasil vivia o período mais violento da ditadura militar. No comando do governo, o general Emílio Garrastazu Médici.

Foi a época do “milagre econômico” e o auge da repressão, da tortura e da censura nas artes (música, teatro, cinema, literatura), televisão e imprensa.

“As autoridades consideravam a epidemia um fracasso. Logo, empanava o brilho do ‘milagre econômico’. Por isso, optaram por negá-la’’, observa o médico epidemiologista José Cássio de Moraes, professor-adjunto da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, em entrevista exclusiva ao Viomundo, em 2009 (reproduzida na íntegra, ao final).

Em português claro: esconderam da população.

Para isso, os médicos foram proibidos de dar entrevistas sobre o assunto e a imprensa, de noticiar.

Em Surto de meningite e as lições de Stalin, publicado no Observatório da Imprensa de 6 de janeiro de 2015, Observatório da Imprensa, o jornalista João Batista de Abreu, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), afirma:

Partia-se do princípio de que quanto menos a população civil soubesse sobre a dimensão do perigo, menor seriam as consequências para a ordem política e as cobranças por medidas eficazes.

Para estes generais e coronéis no poder – e nunca é demais lembrar, também aos civis que se prestavam a este serviço nos órgãos de censura – , o controle da informação se sobrepunha ao controle da meningite.

Resultado: a doença foi se espalhando, sem que a população tivesse qualquer ideia sobre o risco que corria.

Das zonas mais pobres da cidade de São Paulo, a epidemia de meningite meningocócica avançou para as áreas mais ricas da capital. Depois, para outras regiões do Estado.

Daí, se alastrou para o restante do País.

O ápice foi em 1974, quando explodiu em todo o Brasil.

Cássio de Moraes relembra: “Só em 1974, no município de São Paulo, foram 12.330 casos e cerca de 900 óbitos”.

Na última sexta-feira, 1º de março de 2019, a meningite meningocócica voltou tragicamente ao noticiário.

Causou a morte de Arthur de Araújo Lula da Silva, 7 anos, neto do ex-presidente Lula.

Arthur deu entrada no hospital às 7h20 com “quadro instável”, e faleceu às 12h11 devido a “agravamento do quadro infeccioso de meningite meningocócica”, segundo o boletim médico.

Ou seja, em cinco horas ele foi a óbito.

Em 2018, segundo dados do Ministério da Saúde, foram notificados notificados no Brasil 1.072 casos de doença meningocócica e 218 mortes. Em 2017, 1.138 e 266, respectivamente.

Nós entrevistamos o professor Eitan Berezin, chefe de infectologia Pediátrica da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e médico do Hospital Emílio Ribas, sobre essa doença que tirando o sono de muitos pais e avós.

Blog da Saúde — A meningite meningocócica pode ser tão fulminante?

Eitan Berezin – Infelizmente, a doença meningocócica tem essa característica mesmo. Ela pode se manifestar como uma meningite clássica que, por incrível que pareça, acaba não sendo a forma mais grave dela.

A forma mais grave são as sépticas, repentinas, de evolução muito rápida.

Blog da Saúde – Em que elas se diferenciam?

Eitan Berezin – O meningococo, quando vence as defesas do organismo, tende a se alojar nas meninges que inflamam, podem produzir pus e a infecção se espalhar por todo o sistema nervoso central, ou seja, cérebro e medula espinhal.

Essa é a forma clássica. Os sintomas característicos iniciais são fraqueza – a criança fica largada –, dor de cabeça, vômitos, febre alta e rigidez da nuca.

Na presença desses sintomas, deve-se buscar rápido um pronto-socorro.

Caso se confirme o diagnóstico, iniciar imediatamente o tratamento com antibióticos para deter a evolução do processo.

O diagnóstico precoce e o início imediato do tratamento são fundamentais para controlar a evolução da doença.

Blog da Saúde – A forma clássica pode matar?

Eitan Berezin – Se não tratada logo que os primeiros sintomas aparecem, pode levar à morte entre 24 e 48 horas. Infelizmente, em nosso meio, a letalidade ainda é bastante elevada, situando-se em torno de 18% a 20%.

A demora no diagnóstico e no início do tratamento também aumenta o risco de sequelas graves, como surdez, alterações de visão e necrose de extremidade de membro inferior, que exige amputação.

Blog da Saúde – Ao se referir à forma grave, séptica, o senhor disse que a evolução é muito rápida.  O que significa muito rápida?

Eitan Berezin — Pode levar à morte em 6 a 12 horas. Antes mesmo de se instalar nas meninges, a bactéria às vezes prefere a circulação e causa sepse, ou septicemia, que é infecção generalizada.

Quando isso acontece, ocorrem hemorragias, inclusive na pele.

O corpo fica todo pintado de manchas vermelhas: rosto, pálpebras, braços, pernas, olhos.

Essas manchas vermelhas indicam que há uma grande quantidade de bactérias no sangue, liberando cada vez mais toxinas na circulação.

Isso é o que chamamos septicemia, ou sepse. É muito grave, pois faz a pressão arterial cair rapidamente e a pessoa entrar em choque séptico.

Por isso é tão apavorante. Provavelmente foi o que aconteceu com o Arthur.

Blog da Saúde — Quando se tem o choque séptico é possível reverter o quadro?

Eitan Berezin – É, você precisa de terapia intensiva e de uma série de recursos. Só que, mesmo tendo todas as condições, muitas vezes não se consegue interromper o processo e o paciente vai a óbito. O índice de mortalidade chega a quase 50% dos casos.

Blog da Saúde – A forma clássica também dá choque séptico?

Eitan Berezin – Geralmente, não. A manifestação da doença meningocócica rápida é que leva a esse choque.

Blog da Saúde – Que outras bactérias podem causar meningite?

Eitan Berezin — As principais bactérias causadoras de meningite são, além dos meningococos, os pneumococos e  haemophilus influenzae tipo b

Elas também são graves e exigem tratamento urgente e rigoroso com antibióticos.

Blog da Saúde – Qual a meningite mais frequente no Brasil?

Eitan Berezin – A causada pela bactéria Neisseria meningitidis.

Há 12 subtipos diferentes, podemos destacar seis: A, B, C, Y, X, W-135, que são os responsáveis pela maior repercussão clínica.

No Brasil, o sorogrupo C é o mais frequente. Representa 70% dos casos de meningite meningocócica.

Em seguida, vem a doença meningocócica pelo sorogrupo B; é a segunda mais frequente.

Atualmente, devido à vacina contra C estar disponível na rede pública, o sorogrupo B é o mais importante entre as crianças abaixo de cinco anos de idade.

Blog da Saúde – Como se dá a transmissão dessa bactéria?

Eitan Berezin — A Neisseria meningitidis é um patógeno exclusivamente humano e com alto poder de disseminação.

A transmissão, assim como das demais meningites bacterianas, é por via respiratória.

Geralmente, as bactérias se espalham de uma pessoa para outra por meio das vias respiratórias, por gotículas e secreções do nariz e garganta.

A infecção se inicia pela colonização da nasofaringe [parte da faringe que se situa logo atrás do nariz] e, a partir daí, a bactéria cai na circulação e dissemina no corpo.

Algumas pessoas podem ter essas bactérias na garganta sem estarem doentes. São as chamadas de “portadoras”.

A maioria dos portadores não adoece, mesmo assim pode espalhar as bactérias para outras pessoas.

Blog da Saúde – Então, o Arthur deve ter tido contato com algum portador?

Eitan Berezin – Certamente. Mas, como a maioria dos portadores não tem sintomas, essa pessoa não sabia que tinha a bactéria. Cerca de 50% da população pode ser portadora em algum momento da vida.

Blog da Saúde – Quem mora na casa ou estuda na sala de aula de alguém com meningite meningocócica confirmada precisa ser tratado?

Eitan Berezin – Se a pessoa tem contato muito próximo, demorado, sim. Precisa fazer profilaxia com antibióticos, como a rifampicina.

Blog da Saúde – O que faz com que uma pessoa tenha a bactéria e adoeça e outras não?

Eitan Berezin – A própria imunidade de cada um.

Blog da Saúde – Em que faixa etária a meningite meningocócica é mais comum?

Eitan Berezin – Pode ocorrer em pessoas de todas as faixas etárias, porém aproximadamente 50% dos casos notificados no País ocorrem em crianças menores de 5 anos de idade, especialmente no primeiro ano de vida.

Enquanto em outros países, particularmente nos Estados Unidos, os adolescentes são o grupo mais suscetível, no Brasil são as crianças

Blog da Saúde – Quem pode ter meningite meningocócica?

Eitan Berezin – Qualquer pessoa que não tenha sido vacinada.

Blog da Saúde – Atualmente, que vacinas existem contra a meningite meningocócica?

Eitan Berezin – Para os tipos C, B e uma que combina ACWY, chamada de quadrivalente.

Blog da Saúde – Dessas qual tem no SUS?

 Eitan Berezin – O tipo C, que é o mais frequente na população brasileira. Está disponível gratuitamente em todos os postos de saúde da rede pública.

Importante: a vacina meningocócica C foi incluída no calendário nacional de imunização em 2010. Desde então, houve redução drástica da taxa desse tipo de meningite no Brasil.

A meningocócica tipo B e a quadrivalente  só em clínicas privadas.

Blog da Saúde – Quantas doses são preconizadas de cada uma delas?

Eitan Berezin – Meningocócica C: 1ª dose, aos 2 meses de vida; a 2ª, aos 5 meses; aos 12 meses, uma dose de reforço. O objetivo é prevenir a doença meningocócica tipo C.

Depois, dos 11 aos 14 anos, nova dose reforço ou dose única, caso não tenha sido imunizado no primeiro ano de vida. É para prevenir a doença invasiva causada pela bactéria Neisseria meningitidis do sorogrupo C

Já vacina meningocócica ACWY, cujo objetivo é prevenir a doença meningocócica dos tipos A, C, W e Y, são quatro doses: 1ª, aos 3 meses de idade; 2ª, aos 5 meses; 3ª, aos 7 meses; 4ª, aos 12 meses

Depois, duas doses de reforço: aos 5 anos e entre 11 a 14 anos.

Já a vacina meningocócica B são três doses: 1ª, aos 3 meses de idade; 2ª, aos 5 meses; 3ª, aos 7 meses. Aos 12 meses, uma dose reforço.

O melhor, se for possível, é imunizar a criança contra todos os tipos.

O problema é que o preço elevado das vacinas meningocócicas B e quadrivalente é proibitivo para a maior parte da população brasileira.

Blog da Saúde – Qual a eficácia delas?

Eitan Berezin — Chegam a 90% de proteção. Agora, para atingir essa eficácia, é fundamental tomar todas as doses previstas.

Blog da Saúde – Ou seja, mesmo tomando as vacinas há risco de ter a doença meningocócica?

Eitan Berezin – Não existe vacina 100% eficaz. Sempre há uma taxa de escape. Mas tem que vacinar, sim.

Blog da Saúde – O que o senhor diria mais aos pais, avós?

Eitan Berezin – A meningite meningocócica é uma doença infectocontagiosa. Ela normalmente é transmitida por alguém que tem a bactéria na garganta e não tem sintoma da doença, logo não sabe.

Por isso, é fundamental manter a carteira de vacinação em dia.

E se, de repente, a criança tiver febre alta, dor de cabeça, vômitos, ficar largada, procure rápido atendimento médico.

Quanto mais precoces o diagnóstico e o início do tratamento com antibióticos e outros medicamentos, maiores as chances de a criança evoluir bem e ficar sem sequelas.

Blog de Saúde – E de repente começar a aparecer pintinhas vermelhas no corpo?

Eitan Berezin – Voe para emergência. Sinal de alerta máximo.

 

A nota acima, da Polícia Federal à chefia de redação do Jornal do Brasil, no Rio de Janeiro, é um exemplo da mordaça à imprensa na época da ditadura militar. Ela é taxativa quanto à censura.

Ela é taxativa quanto à censura. Ilustra o artigo Surto de meningite e as lições de Stalin,  publicado no Observatório da Imprensa  pelo jornalista João Batista de Abreu, que conta: “O texto foi cuidadosamente guardado na época pelo secretário de redação, jornalista José Silveira, e divulgado publicamente após o processo de redemocratização”.

por Conceição Lemes

Em 2009, eu entrevistei para o Viomundo o médico epidemiologista José Cássio de Moraes sobre a epidemia de meningite censurada pela ditadura militar brasileira durante quatro anos.

Ela continua atual.

Devido a um ataque que sofremos lá atrás, ela sumiu do nosso servidor.

Consegui resgatá-la graças ao cuidado de um fórum de estudos em ditadura militar, que a arquivou.

O título original era Meningite: como a censura à mídia mata.

O fórum reproduziu-a com o título Meningite: Um crime da ditadura brasileira.

Como algo poderia ter mudado de lá para cá, pedi ao doutor Cássio que a relesse e, se necessário, atualizasse.

Nenhuma mudança.

Meningite: Um crime da ditadura brasileira

“Só na cidade de São Paulo foram 12.330 casos, o que dá 33 por dia. Óbitos foram cerca de 900. Se nós considerarmos a população atual da capital seriam 20 mil casos de meningite no ano e 4 mil óbitos. Era realmente uma situação gravíssima”

por Conceição Lemes

Meningite é uma inflamação das meninges, as membranas que envolvem o cérebro. É causada principalmente por agentes infecciosos – fungos, vírus e bactérias. Portanto, há vários tipos.

Os sintomas iniciais: dor de cabeça forte, febre alta, rigidez de nuca (dificuldade para movimentar a cabeça), desânimo, moleza, vômitos em jatos.

Bebês podem apresentar também moleira elevada, gemido quando tocado, inquietação com choro agudo, rigidez corporal com movimentos involuntários, ou corpo “mole”, largado. As crianças, aliás, são o grupo de maior risco; as com menos de 1 ano, as mais suscetíveis.

Para diagnóstico, coleta-se o líquido da medula espinhal. As meningites por vírus produzem quadro leve; em geral, em 1 a 2 dias, as crianças estão bem. A mortalidade é praticamente zero.

Já as meningites por bactérias são mais graves. A produzida pelo pneumococo tem alta letalidade: em cada 100 casos, 20 a 30 vão a óbito. Já a pelo meningococo mata 20 em cada 100 pessoas doentes

Foi justamente uma epidemia por meningite por meningococo, ou meningite meningocócica, que explodiu no Brasil na primeira metade da década de 1970.

O Brasil vivia o período mais violento da ditadura. Foi o auge da repressão, da tortura e da censura. No comando do governo, o general Emílio Garrastazu Médici.

Os números sobre meningite no País naquele período são precaríssimos. Em 1974, de acordo com registros disponíveis no Ministério da Saúde, existiriam 19.396 casos; nenhum óbito catalogado. Nem de longe retratam a realidade.

“Só em 1974, no município de São Paulo, foram 12.330 casos; uma média de 33 por dia”, afirma o médico epidemiologista José Cássio de Moraes, professor-adjunto do Departamento de Medicina Social da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Santa Casa de São Paulo. “No mesmo período ocorreram cerca de 900 óbitos.”

Naquela época, José Cássio tinha 29 anos, já era médico e integrava um grupo técnico de epidemiologistas, infectologistas e sanitaristas da própria FCM e das faculdades de Saúde Pública e de Medicina da USP.

O grupo alertou as autoridades de saúde durante quatro anos. O tempo inteiro foi solenemente ignorado, como revela José Cássio nesta entrevista exclusiva ao Viomundo.

Viomundo – A epidemia de meningite meningocócica explodiu em 1974. Quando teve início?

José Cássio de Moraes – Em 1971. Na realidade, duas epidemias ocorreram ao mesmo tempo. Uma, pelo meningococo C, teve início em abril de 1971.

O tipo C costuma se manifestar em comunidades fechadas, como quartéis, prisões.

Em maio de 1974, começou a segunda, pelo meningococo A, cujo poder de gerar epidemia é muito maior do que o C.

Assim, a partir de maio de 1974, passaram a circular, simultaneamente, dois tipos diferentes de meningococo, A e C.

Viomundo – Em que ano as autoridades foram informadas de que havia epidemia de meningite no País?

José Cássio de Moraes – Em 1971 mesmo. Nós fizemos vários levantamentos e demonstramos cientificamente. As autoridades de saúde negaram a sua existência.

Viomundo – Por quê?

José Cássio de Moraes – O Brasil vivia a época do “milagre econômico”, e as autoridades consideravam

a epidemia um fracasso. Logo, empanava o brilho do “milagre econômico”. Por isso, optaram por negá-la.

Viomundo – Essa informação era divulgada à população?

José Cássio de Moraes – Para nós, médicos de instituições públicas, já existia a lei da mordaça. Embora tecnicamente tivéssemos razão, não podíamos contradizer as autoridades. A palavra oficial era delas.

Então, o que fazíamos? Dávamos entrevistas em off [o jornalista não cita a fonte] para jornalistas em quem confiávamos. Um deles era o Demócrito Moura, do Jornal da Tarde, já falecido, que fazia matérias de saúde.

Assim, saíram algumas reportagens, mostrando que a versão oficial não era a única. Mas, claro, eram sempre e imediatamente negadas pelas autoridades.

Viomundo – E nos anos seguintes?

José Cássio de Moraes – Nós continuávamos a dizer que havia epidemia, as autoridades negando. É como se determinassem a inexistência da epidemia por decreto.

Viomundo – Enquanto isso o meningococo …

José Cássio de Moraes — Aí o x da questão. O meningococo é analfabeto – não sabe ler, muito menos decreto. O meningococo também não precisa de apresentação para conhecer outras pessoas nem de passaporte para viajar.

Resultado: foi se espalhando. Na cidade de São Paulo, por exemplo, saiu das áreas pobres e invadiu as regiões mais ricas.

Assim, a epidemia, inicialmente, restrita à cidade de São Paulo, avançou para outras regiões do Estado.

Daí para o restante do Brasil. Aqui, ocorreram as taxas mais altas. Mas a doença se espalhou pelo Brasil inteiro.

Viomundo – Apesar do alastramento, as autoridades continuavam a negar?

José Cássio de Moraes – A palavra epidemia não chegava à população. Ela não existia no vocabulário das autoridades. Eles tratavam-na como ondas epidêmicas.

Porém, ao atingir a população mais abastada financeiramente, a pressão cresceu. As reportagens – sempre em off – intensificaram-se à medida que a doença ia se aproximando da classe média e da elite.

Ou seja, enquanto era doença de pobre, não tinha quase importância. Só ganhou mais espaço na mídia quando atingiu a população com maior poder de pressão.

Viomundo – A negação perdurou até quando?

José Cássio de Moraes – Junho de 1974. O Hospital Emílio Ribas – o único que tratava de meningite na cidade — tinha 300 leitos, mas estava com 1.200 pacientes internados. Havia gente em corredores, em cima de pias, para tudo o que era canto.

Aí, não foi possível mais se esconder. As autoridades, então, foram obrigadas a admitir publicamente que havia epidemia de meningite. Porém, como ela não existia oficialmente até aquele momento, faltava tudo: medicamentos, roupas de cama, funcionários em quantidade suficiente.

Viomundo – A população como reagiu?

José Cássio de Moraes – Entrou em pânico. Quando passava em frente ao Hospital Emílio Ribas, fechava o vidro do carro, do ônibus. Usava todo tipo de medicamento que se dizia que protegia contra a meningite. Por exemplo, a cânfora. Acabava sendo vítima até de charlatães.

As pessoas não entendiam como as autoridades governamentais passaram anos dizendo que não havia epidemia e, de repente, ela acontecia com tamanha intensidade. As pessoas viviam dizendo “eu não acredito em mais nada”.

Viomundo – A partir daí o que as autoridades governamentais fizeram?

José Cássio de Moraes – A única medicação que protegia era uma vacina que se encontrava em fase experimental. Mas, como não tinha sido encomendada com antecedência, não havia nada de concreto que se pudesse fazer para prevenir a doença.

As autoridades passaram então a adotar medidas cosmésticas. Por exemplo: fechar as escolas onde aparecia um caso, passar formol na sala de aula onde uma criança tinha adoecido.

Medidas que, apesar de totalmente improdutivas, eram estimuladas. Ou seja, havia um descompasso entre o que infectologistas e sanitaristas preconizavam e o que as autoridades públicas faziam. Isso tanto no diagnóstico quanto no tratamento.

Viomundo – Em junho de 1974, o governo militar admitiu a epidemia. Como ficou o noticiário a partir daí?

José Cássio de Moraes – A liberdade de informar sobre a epidemia durou pouco; logo em seguida, julho ou agosto, se proibiu a divulgação de dados estatísticos a respeito da doença para “não alarmar a população”. O assunto era considerado de segurança nacional.

Viomundo – E a meningite como se “comportava”?

José Cássio de Moraes – Continuou aumentando. Em setembro de 1974 teve o seu pico. Só que toda a imprensa foi proibida de divulgar. Os dados estatísticos estavam censurados, bem como proibidas matérias consideradas sensacionalistas. Considerava-se sensacionalista a matéria que se propunha a mostrar a verdade dos fatos.

Viomundo – O que alegavam para não divulgar os dados estatísticos?

José Cássio de Moraes — Que criaria pânico na população. Mas, nós, todo dia, atualizávamos os dados e colocávamos no quadro de aviso que havia no andar térreo do Palácio da Saúde, na avenida São Luís, onde funcionava a Secretaria de Saúde do Estado.

Os jornalistas procuravam, tinham acesso aos dados, mas não podiam divulgar porque havia a censura. Alegava-se, como já disse, que geraria pânico. Mas a informação estava lá.

Viomundo – Quantos casos de meningite foram registrados em São Paulo em 1974? E quantos óbitos?

José Cássio de Moraes — Só na cidade de São Paulo foram 12.330 casos, o que dá 33 por dia. Óbitos foram cerca de 900.

Se nós considerarmos a população atual da capital seriam 20 mil casos de meningite no ano e 4 mil óbitos. Era realmente uma situação gravíssima.

Viomundo – Houve pânico também entre os médicos?

José Cássio de Moraes — Os médicos com experiência em doenças infecciosas ficaram muito sobrecarregados. Os que não tinham essa informação, sentiram praticamente o mesmo pânico que a população.

Para atender pacientes, alguns usavam roupas parecidas com as de astronauta – capacete, óculos, botas. Em compensação, outros não usavam qualquer proteção. Teve colega que se mudou para o interior com a família com medo da epidemia.

Viomundo – A censura ao noticiário da meningite durou até quando?

José Cássio de Moraes – Até o início de 1975, quando assumiu a secretaria de Saúde do Estado de São Paulo o professor Walter Leser. Houve mudança completa de conduta. Tudo passou a ser divulgado. Até porque já se preparava uma grande campanha de vacinação.

Na época foram vacinadas todas as pessoas com mais de 6 meses de vida. A vacinação começou na Grande São Paulo, onde o problema era mais grave.

Depois, foi feita em outras regiões do Estado. Em seguida, no restante do Brasil. No total, foram vacinadas no País quase 80 milhões de pessoas.

Viomundo – O senhor acha que se as autoridades públicas tivessem agido desde 1971, quando vocês alertaram, a epidemia de meningite teria sido menor?

José Cássio de Moraes – Não dá para garantir que a epidemia teria sido menor. Mas certamente o pânico da população e o impacto seriam menores.

Viomundo – O que quer dizer com impacto menor?

José Cássio de Moraes – É que teria sido possível dar mais conforto à população e reduzir a mortalidade e as sequelas.

Viomundo – O senhor acredita então que se não fosse a desinformação imposta pela censura o número de óbitos seria menor?

José Cássio de Moraes – Certamente. O silêncio – essa negação de qualquer problema — dificulta qualquer passo para você solucionar ou reduzir os efeitos do problema.

Seguramente os malefícios foram maiores do que se tivessem sido adotadas as condutas adequadas no momento adequado.

Viomundo – Informação em saúde para a população em geral gera pânico?

José Cássio de Moraes – A de boa qualidade, não. É um importante instrumento de saúde pública.

O que gera pânico é a falta de informação. Assim como a informação de má qualidade, como aconteceu na febre amarela em 2008.

Criou-se uma epidemia midiática de febre amarela, que levou muita gente a se vacinar desnecessariamente. Teve quem tomou várias doses. O que aconteceu com febre amarela é um exemplo do que não fazer em jornalismo de saúde.

 


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Zé Maria

A indústria biotecnológica cubana é bastante desenvolvida
e constitui uma das principais atividades econômicas do país.

O polo científico tem vários centros especializados em diversos ramos.
O governo cubano incentiva a cooperação biotecnológica,
por exemplo, com a China, para o desenvolvimento de vacinas,
e com a Espanha, para produzir o medicamento cubano que evita
a amputação do pé diabético (Heberprot P), e garantir sua
comercialização no mercado da União Europeia.

Destacam-se dentre as produções cubanas de produtos biotecnológicos
anticorpos monoclonais, medicamentos contra o câncer, colesterol,
vitiligo e retinosis pigmentária, vacinas contra as meningites B e C,
a leptospirose, a febre tifoide, a hepatite B, e uma vacina sintética
contra a haemophilus influenzae tipo B, causa principal
da meningite e outras doenças infantis.

https://sistemas.mre.gov.br/kitweb/datafiles/Havana/pt-br/file/Como%20exportar%20Cuba%202017.pdf

    a.ali

    já no combalido brasil…

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