Médicos do Ceará dizem não à omissão e convidam à defesa da Ciência, do SUS e da democracia; vídeo

Tempo de leitura: 5 min

por Conceição Lemes

Em 14 de junho nós postamos a dura e antológica resposta que médicos do Ceará deram ao pedido de Bolsonaro para invadir hospitais.

Eles integram o Coletivo Rebento -Médicos e Médicas em Defesa da Ética, da Ciencia e do SUS.

Formado durante a pandemia, 120 profissionais já o integram.

Pois eles estão com um novo e absolutamente necessário vídeo: Juramento (assista no topo).

Refere-se ao Juramento de Hipócrates, feito tradicionalmente na formatura, mas cada vez mais ignorado na prática da medicina.

“O Coletivo Rebento gravou o Juramento na perspectiva de que, além de ser documento histórico, é um documento do fazer médico, um documento político”, diz uma de suas integrantes, a médica obstetra Liduína Rocha.

“A medicina não é só assistência, é também política pública de saúde que determina a possibilidade de equidade, de acesso universal”, continua.

“Isso nos levou a reafirmar o Juramento de Hipócrates, contextualizando-o na nossa realidade e afirmando que existe um lugar ético de garantia dos direitos humanos mínimos que está sendo suprimido neste momento histórico”, justifica Liduína.

COLEGAS DE SÃO PAULO E RIO DE JANEIRO APLAUDEM

Foi graças à médica infectologista Valquíria Pereira dos Santos, professora aposentada da Medicina da USP, que descobrimos a mais nova ação do Coletivo Rebento.

Valquíria postou o vídeo num grupo de whatsapp de profissionais de saúde

“O vídeo é ‘forte’, as falas são ditas com grande envolvimento. Os colegas do Ceará estão inteiros ali”, elogia.

“Aplaudindo de pé e pedindo bis”, festeja o médico Flávio Márcio, do Rio de Janeiro, que se orgulha de ter tido CRM no Ceará, quando trabalhou na Fundação Sesp, em Camocim.

“Muito importante esta iniciativa, pois só uma minoria dos médicos pensa assim”, sauda o psiquiatra e professor Paulo Amarante, presidente honorário da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme).

“Não podemos esquecer aplaudiram a doença de Dona Marisa, tornaram-se mercadores, patologizantes, aliaram-se à indústria de medicamentos, equipamentos, planos e seguros, prestadores de serviços”, arremata Amarante.

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Abaixo, o manifesto do Coletivo Rebento – Médicos e Médicas em Defesa da Ética, da Ciência, do SUS e da Democracia

“Desde o anúncio de seus primeiros casos até o estabelecimento e a progressão da pandemia pelo COVID-19, o mundo tem experienciado uma crise sanitária e social sem precedentes para esta geração (1).

Se esse cenário concentrou as atenções de diversos atores sociais ao redor do mundo, também acirrou discussões ideológicas e geopolíticas, construindo um campo de disputa narrativa que demanda posicionamentos (2).

Nesse contexto, a sociedade precisa ter clareza sobre os interesses envolvidos em informações e ações de enfrentamento às emergências relacionadas ao coronavírus, motivo pelo qual nos posicionamos neste manifesto.

Começamos por situar nossas ações e práticas discursivas no respeito às melhores evidências científicas.

Cabe destacar que a ciência não é estática, mas um fenômeno em constante modificação. Se assim não o fosse, não seria ciência, e sim dogma.

Também reconhecemos que o discurso científico pode ser manipulado para interesses particulares.

É nesse sentido que ressaltamos a defesa das melhores evidências científicas, com pesquisas pautadas por metodologias criteriosas e adequadas ao objeto de estudo.

A seleção dessas evidências não é aleatória; exige critérios. É leviana, portanto, a atual tentativa de desvalorização da ciência com base em publicações sem respaldo e metodologicamente frágeis, além da difusão de notícias falsas.

O fomento à pesquisa científica deve ser sistemático, e não restrito ao período em que as emergências ocupam as manchetes midiáticas.

Ciência não é mágica; requer estrutura, processo e dedicação, o que, por sua vez, demanda investimento.

A defesa de uma ciência voltada para o bem-estar social, em detrimento de interesses particulares, alia-se à defesa do caráter público da pesquisa brasileira e do fortalecimento das Universidades Públicas.

É preciso lembrar que respostas sustentáveis demandam uma ciência interdisciplinar que transponha a perspectiva puramente tecnológica e biomédica, considerando questões macroestruturais dos processos de saúde/doença e sua determinação social.

Assim, valorizar o conhecimento científico implica reconhecer a importância das ciências sociais e humanas para o planejamento estratégico e para a gestão democrática da saúde (2).

Essa questão tornou-se evidente no atual período de crise.

Se os mais de 179 mil casos registrados no Brasil até o dia 12 de maio de 2020 (3) culminaram no colapso do sistema de saúde em muitos estados, também expuseram de forma crua a desigualdade e a violência estrutural existentes no País, em seus diferentes níveis.

São diversas as vulnerabilidades que se interseccionam e diferenciam os modos de nascer, viver, adoecer e morrer no Brasil.

Ações que não reconheçam essas diferenças, pautando-se pela falácia de uma suposta uniformidade social das consequências da pandemia (sintetizada na malfada expressão “todos no mesmo barco”) não são sustentáveis.

Reconhecendo a existência de múltiplas interpretações para o termo, esclarecemos que a expressão “sustentabilidade” é aqui utilizada em uma perspectiva crítica.

Partimos do pressuposto de que questões relacionadas à defesa da biodiversidade e aos debates sobre economia são indissociáveis da discussão sobre valores éticos, igualdade de direitos, justiça social, equidade e defesa da autonomia (4).

Nesse cenário, em que as desigualdades se materializam no maior número de mortes em bairros com menor IDH (5) e no qual cerca de 55% dos leitos de UTI do País estão na rede privada, assistindo somente 25% da população (6), é urgente, mais do que nunca, a defesa inegociável do nosso Sistema Único de Saúde (SUS).

A saúde é um valor social e, como tal, sua assistência sustentável requer a articulação entre cuidados individuais e coletivos, em um contexto em que o desenvolvimento econômico alia-se à defesa dos direitos humanos (7).

Deste modo, o SUS, a despeito da lógica de desmonte e sucateamento que o vem afligindo, segue como único cenário possível para o estabelecimento de mecanismos práticos de acesso universal aos serviços de saúde.

Defender e fortalecer o SUS é, por conseguinte, crucial para reduzir os danos decorrentes da pandemia e salvar o maior número de vidas possível.

Vale ressaltar que a defesa do SUS implica a valorização e o reconhecimento dos trabalhadores da saúde, sem os quais a assistência não é possível.

Investimentos em aparelhos e tecnologia são indubitavelmente importantes, mas, sem os profissionais da saúde, essa estrutura não funciona.

Por fim, reforçamos nossa posição de defesa ampla da democracia, bem como de repúdio a qualquer ação ou discurso que fira ou conteste as estruturas democráticas, cuja construção no Brasil é tão recente e marcada por tantas lutas

Sem mais para o momento, assinamos este manifesto.
Referências:

1. World Health Organization. Coronavirus (COVID-19) events as theyhappen; 2020. Disponível em: https://www.who.int/…/novel-coronavir…/events-as-they-happen

2. Ventura DFL, Moraes CL, Hasselmann ML, Deslandes SF, Reichenheim ME. Desafios da pandemia de COVID-19: por uma agenda brasileira de pesquisa em saúde global e sustentabilidade. Cad Saúde Pública, 36(4):e00040620.

3. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Painel Coronavírus. Disponível em:https://covid.saude.gov.br/

4. Silva Junior RD, Ferreira LC, Lewinsohn TM. Entre hibridismos e polissemias: para uma análise sociológica das sustentabilidades. Ambiente e Sociedade 2015; 18:4.

5. Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza. Boletins Epidemiológicos. Informe semanal COVID. 19ª semana epidemiológica. Disponível em:https://coronavirus.fortaleza.ce.gov.br/boletim-epidemiolog…

6. Brasil. Ministério da Saúde.Painel de Leitos e Insumos. Disponível em:https://covid-insumos.saude.gov.br/paine…/insumos/painel.php

7. Lima HSC, Saraiva FJ, Silva JAA, Temporão JG, Padilha ARS, Reis AAC. SUS, saúde e democracia: desafios para o Brasil Manifesto de seis ex-ministros da saúde a propósito da 16ª Conferência Nacional De Saúde. Ciênc. saúde coletiva; 24( 10 ): 3713-3716.”


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Comentários

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Antonio Deives Alves Figueiredo

Parabéns aos bravos colegas médicos cearenses que, assim como este que subscreve,não se deixam guiar pelo ódio, preconceito e sectarismo que dominam, infelizmente, a maioria dos demais colegas

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