Mário Scheffer: “Projeto de Nação” dos militares trata a saúde da população com escárnio

Tempo de leitura: 3 min
Vice-presidente Hamilton Mourão com o general Villas Corrêa na cerimônia do Dia do Exército, realizada em 19 de abril de 2022, no QG do Exército, em Brasília. Foto: Sergio Lima/Poder360

“PROJETO DE NAÇÃO” DOS MILITARES TRATA A SAÚDE COM ESCÁRNIO

Mudança sugerida no SUS prevê que, a partir de 2025, pessoas com renda acima de três salários passem a pagar por pelo parte do serviço; promessa vaga de atendimento médico e hospitalar público vai melhorar com mais uma conta para o cidadão bancar é argumento difícil de engolir

Por Mário Scheffer – Blog Politica&Saude – Estadão

Você, que paga impostos e, mesmo assim, tem um plano de saúde privado, aceitaria bancar do próprio bolso pelo atendimento recebido no SUS?

Essa ideia de jerico consta do “Projeto de Nação”, que passou a circular essa semana, lançado por institutos mantidos por militares.

O documento, uma espécie de Conto da Aia de políticas públicas, apresenta um futuro distópico.

Escrito como se estivéssemos no ano de 2035, o roteiro aproxima o Brasil de Gilead, a república fictícia e fundamentalista do romance de Margaret Atwood, que virou série de TV.

Perpetuado no governo, quase duas décadas depois, o projeto político iniciado com Bolsonaro teria conseguido “neutralizar o poder das correntes de pensamento ideológico radical e utópico”.

A carta do futuro comemoraria, ainda, o triunfo alcançado pelo governo sobre o “globalismo”, as
“ benesses a determinadas minorias”, os “professores militantes”, “o ativismo judicial político-partidário”.

Ora caricato, ora assustador ou irresponsável, o projeto dos militares se propõe a “visualizar possíveis rupturas”.

Uma delas consistiria em romper com o sistema de saúde atual, reduzir a população que têm planos de saúde privados, e cobrar diretamente pelos serviços do SUS, a serem pagos pelas pessoas com renda familiar maior do que três salários mínimos, com base em uma “tabela de coparticipação”.

O SUS, diga-se, nunca foi gratuito, é pago por meio de contribuições e impostos arrecadados de toda a sociedade. A dupla cobrança, além de inconstitucional, é bizarra em seu propósito anunciado.

Imagine um paciente com covid, que recebe mais de três salários mínimos, e que precisou ser internado por 60 dias no SUS. Sairia com uma conta do hospital de, no mínimo, R$ 60 mil, mais a previsão de fisioterapia, medicamentos, retornos.

Segundo a mudança sugerida, o cidadão teria obrigatoriamente que arcar com um percentual desses gastos. Isso iria gerar, por baixo, um boleto mensal de R$ 600, dívida a ser paga meses a fio.

A classe média que tem plano de saúde individual e familiar, assim como os empregadores que mantêm contratos coletivos, não largarão, facilmente, a saúde suplementar. Pagar duas vezes pelo SUS, com a promessa vaga de que o atendimento médico e hospitalar público vai melhorar, é remédio difícil de engolir.

Obras da hipocrisia costumam captar a nulidade das coisas. As próprias Forças Armadas estariam isentas da cobrança que alguns dos seus quadros prescrevem. Militares querem distância do SUS, pois têm seus próprios serviços de saúde, que consumiram R$ 2,7 bilhões de dinheiro público em 2021.

O “Projeto de Nação” trata a saúde da população com escárnio. Além de taxar duplamente quem usa o SUS, querem criar o que chamam de “Programa de Eliminação das Moléstias Tropicais do ambiente nacional”.

A indigência técnica da formulação desconsiderou que, em comum, hanseníase, malária, dengue, tuberculose, esquistossomose e outras doenças tropicais negligenciadas, incapacitam e matam as pessoas vulneráveis, em situação de miséria, sem casa, emprego e renda, sem acesso a água limpa e saneamento.

O modelo econômico decantado no mesmo documento, baseado na “ redução de gastos públicos”, não prevê a erradicação da pobreza.

É incompatível, portanto, com a superação dos determinantes sociais das doenças tropicais. Sem amarrar desenvolvimento e saúde, a “eliminação” almejada remete às abomináveis ideias higienistas do século XIX.

Em 2022, o Relatório Beveridge, que fundou o estado de bem-estar social na Inglaterra, completará 80 anos.

Ao prever uma abrangente proteção social, ‘do berço ao túmulo’, Willian Beveridge lançou as bases do NHS, de acesso universal e igualitário, com financiamento coletivo, o que inspirou a criação do SUS e de tantos sistemas de saúde nacionais.

Se Beveridge retornasse ao Brasil de hoje, ficaria embasbacado.

As evidências científicas da superioridade do modelo idealizado por ele há oito décadas, são totalmente desprezadas por aqui.

O notável reformista veria que, no Brasil, não é o Estado ou os partidos políticos que definem políticas sociais. Ao contrário do previsto pelos ingleses, na saúde brasileira existe um quadrante vazio, que vem sendo ocupado por institutos e ONGs, mantidos por militares, bancos, investidores e setor privado.

Lord Beveridge, enquanto folheava a cacotopia dos militares, assistiria boquiaberto o ministro que fez da assembleia da Organização Mundial da Saúde um palanque eleitoral, ignorando a tragédia dos 666 mil brasileiros mortos por covid.

Não entenderia por que, no mesmo dia, o Tribunal Permanente dos Povos iniciava o julgamento simbólico do presidente, acusado de ter cometido crimes contra a humanidade, ao contribuir intencionalmente para o agravamento da pandemia.

O pai da melhor política terminaria assombrado.

A política do pior que assola o Brasil é pior do que esperávamos, muito pior do que não gostaríamos que ela fosse.


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

Zé Maria

Milico não tem Projeto de Nação,
tem Projeto de Execução Sumária
de Pobres, Pretos, Putas e Petistas.

    Zé Maria

    Datafolha
    25-26/05/2022

    Cenário
    Sem João Doria

    LULA (PT): 48%
    Jair Bolsonaro (PL): 27%
    Ciro Gomes (PDT): 7%
    André Janones (Avante): 2%
    Simone Tebet (MDB): 2%
    Pablo Marçal (Pros): 1%
    Vera Lúcia (PSTU): 1%
    Os Demais Não Pontuaram
    [Soma Anti-Lula = 40%]
    Em branco/nulo/nenhum: 7%
    Não sabe: 4%

    Zé Maria

    Eleição Presidencial
    Primeiro Turno

    Votos Válidos

    LULA = 54%

Valdir Rocha de Freitas

engraçado estes milicos, fecharam os Hospitais (que são públicos) para a população durante o período cruel da pandemia e agora querem acabar com os SUS.
estes militares precisam de parar com tanta mordomias e desumanidade….

Deixe seu comentário

Leia também