Economista alerta: Se o orçamento continuar espremido, corremos o risco de sucateamento completo da saúde pública brasileira

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Francisco Funcia, da Comissão Intersetorial de Orçamento e Financiamento do Conselho Nacional de Saúde (Cofin/CNS) Foto: Guerreiro/Agência ALRS

Como avançar sem recursos?

Presidente sancionou no último dia 15 a Lei Orçamentária Anual 2019. O segundo orçamento aprovado após a vigência da Emenda Constitucional do Teto de Gastos (EC 95) traz redução de investimentos na Saúde e Educação

por Julia Neves – EPSJV/Fiocruz 

O presidente Jair Bolsonaro sancionou no dia 15 de janeiro a Lei Orçamentária Anual (LOA) para 2019, que prevê R$ 3,38 trilhões de receitas e despesas da União para o exercício financeiro deste ano.

É o segundo orçamento aprovado após a vigência da Emenda Constitucional do Teto de Gastos (EC 95), que limita as despesas públicas à inflação do ano anterior até 2036.

Do total das despesas, R$ 1,42 trilhão será gasto com pagamento de juros, amortizações e encargos da dívida pública, o que corresponde a 42% do Orçamento.

A LOA determinou ainda que R$ 758,7 bilhões fossem direcionados para o refinanciamento da dívida pública.

Para a Saúde e a Educação o quadro tem, mais uma vez, agravos com cortes e redução de investimentos.

Disparidade na Saúde

O valor aprovado para o Ministério da Saúde foi de R$132,8 bilhões.

Entretanto, passada uma semana da LOA 2019 sancionada, especialistas ainda tiveram dificuldades para analisar detalhadamente o orçamento.

O especialista em orçamento da seguridade social, Matheus Magalhães, fez um alerta sobre a disparidade de valores em fontes oficiais do governo como o Diário Oficial e o Sistema Integrado de Administração Financeira do governo federal (Siafi).

“Nenhum desses valores bate. Na elaboração, temos um valor de PL [projeto de lei] registrado pelo governo federal no sistema oficial de R$130,3 bilhões e no momento da execução registrado em PL de 129,8 bilhões. O valor sancionado e publicado em lei como dotação para o Ministério da Saúde é de R$132,8 bilhões. Mas no próprio Siga Brasil, alimentado pelo Siafi, consta uma autorização da dotação inicial de R$124,3 bilhões”, ressalta, acrescentando que o estranhamento se dá porque essa diferença não é comum e não está relacionada a transferências para estados e municípios, nem a valores condicionados à edição créditos adicionais ou valores com e sem refinanciamento e nem de emendas parlamentares.

Em nota, o Ministério da Saúde informou que “conforme consta em consulta ao Siafi, o valor de R$ 132,8 bilhões reflete o mesmo publicado em lei orçamentária, datada de 15 de janeiro de 2019”.

Questionado pelo Portal EPSJV sobre a diferença de valores, o Senado Federal respondeu:

“A base de dados que o Siga Brasil utiliza é a do Siafi/Tesouro Gerencial, da Secretaria de Tesouro Nacional (STN). Ocorre que essa, até a publicação da Lei Orçamentária da União de 2019, ocorrida na última quarta-feira, dia 16 de janeiro, apresentava um valor diverso de dotação inicial (LOA) em relação ao Autógrafo, e o Siga, por consequência, também o apresentava. Os dados da dotação inicial (LOA) no Siafi já foram corrigidos, porém a última carga do Siga foi em 16/01/2019, motivo pelo qual ainda há essa discrepância nos valores.

Segundo o Prodasen (Informática do Senado), a expectativa é de que haja uma carga nos dados amanhã, dia 22/01, o que, então, atualizará a base”.

Até o dia 23 de janeiro, apenas o total do orçamento para a Saúde de R$132,8 bi havia sido atualizado no sistema do Siga Brasil. Os valores das subfunções, como saneamento básico, vigilância e atenção básica, ainda somavam R$124,3 bilhões.

Na mira

Na LOA 2019, o valor destinado à função Saúde foi de R$122,6 bilhões – vale lembrar que a função faz parte do orçamento total do Ministério da Saúde (R$132,8 bilhões), englobando os recursos voltados para ações executadas para atender as necessidades da população, mas excluindo os valores relacionados à previdência social.

Segundo o economista Francisco Funcia, da Comissão Intersetorial de Orçamento e Financiamento do Conselho Nacional de Saúde (Cofin/CNS), se comparar o valor da despesa executada na função Saúde em 2017, que foi de R$117,6 bilhões, com o valor da LOA 2019, há um crescimento de 4,3%.

Contudo, a variação do IPCA – índice de preços do consumidor usado para medir a inflação – foi de 6,8% no mesmo período. “Isso significa que foram realocados, em termos reais, menos recursos para a função Saúde em 2019 em comparação ao ano de 2017”, afirma Funcia

Ele acrescenta:

“Além da perda, esses valores indicam o agravamento de uma situação porque a população no geral cresceu e temos menos recursos para saúde por habitante, o número de idosos também aumentou e o custo de tratamento dessa faixa etária é mais alto.

Além disso, com a redução ainda teremos menos tecnologia nos equipamentos públicos e menos remédios de ponta incorporados à rede. Ou seja, se continuar dessa forma, podemos chegar a um sucateamento completo do SUS”.

O que se vê atualmente, segundo Funcia, é um orçamento espremido devido ao congelamento dos gastos pela EC 95:

“A emenda determinou para a União o piso constitucional, a partir de 2017, de 15% da Receita Corrente Líquida (RCL) e, a partir de então, esse piso passaria a ser corrigido pela inflação.

Como a lógica a partir de 2018 voltou a ser que ‘o piso é igual ao teto’, muito provavelmente o que vamos observar é o orçamento se espremendo, porque não vão liberar para empenho mais do aquilo que seja correspondente ao mínimo”.

Magalhães corrobora destacando que houve redução de 5% no aporte de recursos à Saúde de 2013 a 2017, com uma pequena recuperação em 2018.

Entretanto, o especialista afirma que um dos grandes problemas é que o valor total do orçamento não é executado.

“Em 2018, por exemplo, tivemos execução de R$116,8 bilhões, que significou 89,3% do valor autorizado. Em 2017, foi exatamente a mesma porcentagem. Essa tendência nos mostra, a princípio, que teremos uma possibilidade de uma despesa com Saúde inferior”, aponta.

Segundo Magalhães, é importante ressaltar que as disposições constitucionais que exigem aplicação mínima de recursos foram desrespeitadas em 2017 com a reprovação das contas da Presidência da República pelo CNS.

“Foi por isso que, em 2018, o valor aumentou como indício de uma resposta a essa redução drástica que vinha sendo feita nos últimos anos em virtude das políticas de ajuste fiscal. Para 2019, a perspectiva é de estagnação, porque o novo governo muito provavelmente não vai querer passar novamente por uma reprovação das contas”, destaca.

Magalhães aponta ainda que houve corte de recursos na subfunção do orçamento que diz respeito aos medicamentos. Em 2018, foram aprovados R$ 15,2 bilhões. Já neste ano, estão previstos R$ 13,6 bilhões.

“Ou seja, menos R$1,6 bilhão que pode afetar no acesso da população à medicamentos para doenças raras”, exemplifica.

Além disso, o programa Farmácia Popular teve redução de recursos de 20% em relação ao ano anterior. Em 2018, a autorização tinha R$3,05 bilhões, enquanto para 2019, de R$ 2,6 bilhões.

Na modalidade gratuita, houve redução importante de R$ 2,5 bilhões para R$ 2 bilhões.

“A área de saneamento básico irá perder 25% de seus recursos, passando de R$ 853 milhões em 2018 para R$ 634 milhões em 2019. Precisamos entender que saneamento é pauta da Saúde e o Brasil tem sérios problemas em relação a isso que impactam em doenças e agravos. Ações de prevenção e tratamento à dengue, chikungunya e infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) deverão ficar comprometidas”, completa.

Outra área que preocupa é a saúde indígena, que sofreu redução de R$ 1,370 bilhão em 2018 para R$ 1,350 bilhão este ano.

O mínimo

O texto do Congresso havia determinado uma correção de 5,45% para o salário mínimo que era de R$ 954 e chegaria a R$ 1.006.

Entretanto, em 1º de janeiro, Bolsonaro assinou um decreto que fixou o salário mínimo em R$ 998. O reajuste do salário mínimo obedece a uma fórmula que leva em consideração o resultado do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes e a variação da inflação, medida pelo INPC, do ano anterior.

Também foi prevista a correção do piso salarial dos agentes comunitários de saúde e dos agentes de combate às endemias, que passará a ser de R$ 1.250 a partir de janeiro.

Essa correção foi resultado da derrubada pelo Congresso Nacional do veto de Temer à lei 13.708/18, que previa esse aumento.

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Zé Maria

A Lógica Neoliberal para a Saúde Pública é esta mesmo:

Sucatear, para aumentar a Clientela dos Planos Privados.

Tal como para a Educação Pública, para beneficiar Escolas Particulares.

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