Claudia Rodrigues: Bolsonaro quer o sangue das mulheres pobres escorrendo pelas pernas

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Fotomontagem: acervo pessoal de Claudia Rodrigues e charge de @ilustraclementine

Bolsonaro quer o nosso sangue escorrendo pelas pernas

Pela dignidade menstrual, é necessário derrubar o veto do presidente à distribuição gratuita de absorventes higiênicos para mulheres pobres

Por Claudia Rodrigues *, especial para o Viomundo

O presidente da República, exercendo sua desumanidade plena, vetou a distribuição gratuita de absorventes para mulheres e meninas pobres, prevista na lei recentemente aprovada pelo Congresso Nacional para combater a chamada pobreza menstrual, assunto que entrou definitivamente no rol de pautas relevantes dos movimentos de mulheres.

No Brasil, conforme estudo da BRK Ambiental, há 1,6 milhão de mulheres que vivem em residências sem banheiro, mais de 15 milhões sem água tratada em suas habitações e uma em cada quatro reside em moradias sem coleta de esgoto.

Se a família não tem nem água encanada, imagine ter dinheiro para comprar absorvente e itens correlatos. O jeito é improvisar panos, papel higiênico, jornal e outros itens inadequados.

Embora não haja números precisos, há estimativas de que, durante toda a vida menstrual, cada mulher utilize até 13 mil absorventes descartáveis, cujo gasto mensal médio calculado em R$ 21 torna o produto artigo de luxo para pessoas de baixa renda ou sem qualquer renda mensal.

A pobreza menstrual – irmã gêmea da desigualdade social – afeta diretamente estudantes da rede pública de ensino cujas famílias vivem em situação econômica difícil.

O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) calcula 4 milhões de alunas que enfrentam algum grau de privação de infraestrutura nas escolas brasileiras, como banheiro sujo ou sem porta, pia e privada quebradas ou inexistentes e falta de sabonete e papel higiênico, o que torna precária a condição para elas se cuidarem.

O mesmo Unicef mostra que uma em cada quatro alunas do ensino fundamental falta às aulas no período menstrual porque não tem dinheiro para comprar absorventes, problema que afeta o rendimento educacional e consequentemente o futuro das estudantes, o que implica reconhecer que segurança menstrual não é mera questão íntima de cada mulher.

Esse cenário, que só piora no país com o agravamento da crise econômica, acendeu um debate de grandes proporções sobre medidas em larga escala que precisam ser tomadas para minorar o problema.

Para além das iniciativas de redes de apoio e instituições de vários segmentos que já vinham se ocupando com essa questão, pipocaram projetos de lei em Câmaras Municipais e Assembleias Legislativas, assim como iniciativas de prefeituras e governos estaduais, que rapidamente anunciaram programas de entrega de absorventes para alunas de escolas públicas e mulheres que estejam vivendo nas ruas, entre outros segmentos da população feminina.

Na cidade de São Paulo, foi aprovada em julho uma lei de autoria da própria prefeitura, para distribuir absorventes e cestas de higiene contendo lenços umedecidos, desodorante, sabonete, escova de dente e creme dental às alunas da rede municipal de ensino. Até onde se sabe, ainda não alcançou um grande contingente das interessadas nas escolas.

O governo paulista também divulgou, em junho, um programa para entregar absorventes às alunas da rede estadual, com intenção de abarcar prioritariamente as inscritas no CadÚnico do governo federal e as beneficiárias do programa Bolsa Família. A entrega dos pacotes começou pela Capital.

O Congresso Nacional também se convenceu e aprovou, em setembro, a Lei 14.214/2021 instituindo o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual, que prevê distribuição gratuita de absorventes higiênicos para estudantes de baixa renda matriculadas em escolas da rede pública de ensino, mulheres vivendo nas ruas, detentas no sistema prisional e aquelas que estejam cumprindo medida socioeducativa.

Mas Bolsonaro, o presidente desumano, perverso e machista, vetou os principais pontos da lei: o que trata da distribuição gratuita de absorventes e o que inclui o produto nas cestas básicas distribuídas pelo Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.

Assim, desfigurou o programa. E comprovou ser um homem que odeia as mulheres. A depender dele, mulheres pobres viverão com o sangue escorrendo entre as pernas.

Mas a reação imediata de movimentos feministas, organizações estudantis, entidades sociais, autoridades de saúde e parlamentares de distintos partidos foi conclamar à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal que derrubem o veto do presidente.

Esta luta é pelo direito básico à higiene menstrual, que, de acordo com a Organização das Nações Unidas, deve ser tratada como uma questão de saúde pública.

O relatório da 33ª Assembleia Geral do Conselho de Direitos Humanos da ONU, ocorrida em 2016, estabelece que “O direito humano a água e saneamento inclui o direito a todos a produtos de higiene menstrual seguros e acessíveis, que devem ser subsidiados ou providos gratuitamente quando necessário”.

Da mesma maneira que existe preservativo masculino à vontade em centenas de locais públicos, o sistema de saúde precisa incorporar à sua rotina a distribuição dos absorventes femininos, como parte das medidas de contenção da precariedade menstrual.

Mais que isso, o kit menstrual deveria, sim, fazer parte da cesta básica das famílias, como forma de universalizar esse direito civilizacional.

* Claudia Rodrigues é presidente da União Brasileira de Mulheres (UBM) na Cidade de São Paulo e também preside o Conselho Municipal de Políticas para Mulheres (CMPM) | [email protected]


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Zé Maria

“O governo Bolsonaro é tão intoxicado pelo preconceito ideológico,
que mesmo reconhecido como o melhor programa do mundo
de combate à pobreza, o Bolsa Família está sendo destruído
simplesmente por ser uma construção dos governos do PT.”
#BolsaFamilia18anos

Deputado Federal Elvino Bohn Gass (PT=RS)
Líder da Bancada do Partido dos Trabalhadores na Câmara
https://twitter.com/BohnGass/status/1450515770635689990

Zé Maria

“Desgoverno de Bolsonaro Destrói o Melhor do Bolsa Família”

Por Tereza Campello (*) e Sandra Brandão (**)

Mas é claro que não podemos esperar prudência e apego aos bons princípios da administração pública em qualquer medida do governo Bolsonaro.

Nestes três anos e meio de (des)governo, houve 10 anúncios sobre o fim do Bolsa Família. E a Medida Provisória 1061 não contém propostas que resultem de debates amadurecidos no governo e com a sociedade. Ao contrário, ela não disfarça seus objetivos exclusivamente eleitorais. Ela destrói exatamente as características que tornaram o Bolsa Família o maior, melhor e mais eficiente programa de transferência condicionada de renda do mundo, pois:

(1) cria um conjunto de 9 tipos de benefícios diferentes, tornando mais oneroso e complexo o programa;

(2) opta por centrar a atuação do Estado no aplicativo, abandonando o Cadastro Único como ferramenta de identificação e inclusão, base para uma atuação integral de combate à pobreza, com oferta de bens e serviços públicos;

(3) desqualifica o processo humanizado de abordagem e acolhimento garantido no Sistema Único de Assistência Social, o SUAS;

(4) centraliza todo o processo no governo federal, secundarizando a cooperação federativa.

​A proposta enviada pelo governo Bolsonaro, além de frágil tecnicamente, é ainda ilegal. Estabelece um novo programa, sem definir o valor da linha de pobreza nem o valor dos benefícios, criando uma despesa continuada sem que se saiba o montante dela. Não previu, na proposta de lei orçamentária, receitas para fazer frente aos gastos com o programa.

Como mostra o debate em torno do aumento do IOF e da postergação do pagamento de precatórios, para criar um artificio que permita aumentar suas chances eleitorais, Bolsonaro destruiu um programa bem sucedido de 18 anos e feriu a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Apesar disto, os arautos da austeridade fiscal e da eficiência administrativa estão em silêncio.

Quanto vai custar o novo programa? Quais os critérios de inclusão das famílias? Quais estudos justificam adotar nove tipos diferentes de benefícios? Quais os impactos esperados com o novo programa? Nada disto está claro.

Um programa com 18 anos de existência, com custo fiscal baixo e impactos inquestionáveis está sendo extinto e, em seu lugar, propõe-se a incerteza. Há um crime em curso contra os pobres do Brasil, e o silêncio é ensurdecedor.

Cabe reconhecer, contudo que, mesmo em seus últimos momentos, o Bolsa Família dá mais uma contribuição, mostrando que, quando questões eleitorais entram em cena, a ciência, as boas práticas, a eficácia e eficiência do Estado não são assim tão relevantes para uma parcela dos especialistas e dos economistas, sempre tão críticos em relação a programas em benefício dos mais pobres. Difícil escolha.

(*) Tereza Campello é Economista, doutora por notório saber em saúde pública, pesquisadora associada à Universidade de Nottingham e ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome no Governo da Presidente Dilma Rousseff (PT).

(**) Sandra Brandão é Economista, mestre em Economia pela Unicamp.

https://www.cut.org.br/noticias/substituto-do-bolsa-familia-de-bolsonaro-destroi-redes-de-protecao-social-do-pai-dc3b
https://www.agendadopoder.com.br/manchete/depois-de-destruir-bolsa-familia-bolsonaro-cancela-programa-que-deveria-substitui-lo/
https://vermelho.org.br/2021/10/19/auxilio-brasil-e-politica-mal-planejada-lancada-as-vesperas-das-eleicoes/

https://pt.org.br/artigo-desgoverno-de-bolsonaro-destroi-o-melhor-do-bolsa-familia/

Zé Maria

E do Coração.

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