Dr. Rosinha, sobre o broche do coronel na Saúde: Meu pai tinha razão quando dizia que medo a gente tem de vivo, morto não faz mal a ninguém

Tempo de leitura: 3 min
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Por Dr. Rosinha

Símbolos

por Dr. Rosinha*

O símbolo sempre substitui ou sugere algo.

Fui criado, como todas as crianças, num mundo de símbolos e significados.

Os símbolos e os seus significados eram — e são —  diferentes de acordo com as culturas e as civilizações.

Ser neto de imigrantes europeu e criado na roça, num ambiente rural, são circunstâncias que contribuem à formação de uma cultura e de símbolos e/ou significados diferentes de quem foi criado numa cidade grande.

Não havia televisão, não tinha acesso a jornais, livros e a gibis ou qualquer outro tipo de histórias em quadrinhos.

Portanto, a caveira como imagem impressa, como símbolo da morte não fazia parte do meu universo.

Existia o morto, o defunto que, este sim, gerava em mim –não sei a razão – muito medo.

O medo era tanto que fazia de tudo para não ir a qualquer velório, enterro ou mesmo a cemitérios.

O medo de morto durou até o dia em que, numa estrada, vi um homem morto por um acidente.

Não sei a expressão do meu rosto e nem a intensidade da contração dos meus músculos ao ver o morto.

Só lembro a frase do meu pai: “você tem que ter medo de vivo, morto não faz mal a ninguém”.

A partir desta data comecei a ‘encarar’ defuntos e até a passar próximo de cemitérios.

A caveira, como símbolo, tornou-se minha conhecida quando fui para a cidade estudar.

Em 8 de junho, quando vi o secretário-executivo do Ministério da Saúde (MS), o coronel da reserva Elcio Franco Filho, usando na lapela um broche com uma caveira e uma faca perfurando o crânio, um arrepio percorreu meu corpo.

O inconsciente trouxe-me outros fatos e/ou histórias do passado, cujo símbolo é a caveira.

Imediatamente veio-me à mente a Scuderie Le Cocq, ou Esquadrão Le Cocq, ou Esquadrão da Morte.

Na ditadura, havia muitos esquadrões da morte. Hoje não está diferente.

Abro um parêntese: a Scuderie Le Cocq era uma organização paramilitar criminosa –como as milícias de hoje –criada por policiais no Rio de Janeiro. Atuou nas décadas de 1960, 1970 e 1980, portanto no período da ditadura militar.

Seu emblema: uma caveira sobre ossos cruzados, que significava, “tenha medo de nós. Somos violentos”. Fecho o parênteses.

A entrevista do coronel Elcio Franco foi para ele tentar explicar a confusão criada pelo próprio Ministério da Saúde ao mudar a metodologia para contabilizar os dados sobre os números de infectados e mortos do covid-19 no País.

O governo Bolsonaro quer diminuir o número de infectados e de óbitos e para isso tem à frente da pasta o general  fardado Eduardo Pazuello, que, por sua vez, nomeia o coronel do broche com caveira. Isso, no mínimo, transmite insegurança.

Grande parte dos que hoje morre por covid-19 é vítima justamente da violência institucional de Bolsonaro e da equipe política que ocupa o Ministério da Saúde.

Ao lado da caveira transpassada por uma faca estava, na lapela do paletó do coronel, o símbolo do SUS (Sistema Único de Saúde), que praticamente passou despercebido.

A simbologia da morte violenta se destacou mais que a da defesa da saúde e da vida.

O mínimo que se pode dizer é que os militares que ocupam cargos no Ministério da Saúde não sabem o que é saúde pública nem o que é o SUS.

Tampouco tem qualquer sensibilidade com a dor alheia.

Usar este tipo de broche no ambiente que defende a saúde e a vida revela não ter qualquer noção do cargo que ocupa.

Antes, muito antes da Scuderie Le Cocq, os piratas tinham bandeiras com o símbolo da caveira e dois ossos cruzados. A caveira era essencial para causar medo nas outras embarcações.

Tendo hoje um presidente autoritário, fascista, milícias atuando à luz do dia e muitos militares no Ministério da Saúde, ao ver o broche no peito de um deles, creio que não foi nenhum exagero eu pensar nas forças paramilitares do período da ditadura e ligá-las às atuais milícias.

Bem, que meu pai dizia: “você tem que ter medo de vivo, morto não faz mal a ninguém”.

Ele tinha toda a razão.

Dr. Rosinha é médico pediatra, militante do PT. Pelo PT do Paraná, foi deputado estadual (1991-1998) e federal (1999-2017).  De maio de 2017 a dezembro de 2019, presidiu o PT-PR. De 2015 a 2017, ocupou o cargo de Alto Representante Geral do Mercosul. 

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Dr. Rosinha

Médico pediatra e militante do PT. Pelo PT do Paraná, foi deputado estadual (1991-1998) e federal (1999-2017). De maio de 2017 a dezembro de 2019, presidiu o PT-PR. De 2015 a 2017, ocupou o cargo de Alto Representante Geral do Mercosul.


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Comentários

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Isac

O simbolo da faca na caveira é utilizado pelo grupamento de açoes de comandos. Sua utilização representa os anos de dedicação e de um arduo treinamento. https://tecnodefesa.com.br/faca-na-caveira-a-historia-do-simbolo-da-tropa-de-comandos-do-brasil/

Zé Maria

Esses Milicos são Piratas da Doença, Colecionadores de Ossos.

abelardo

Tem pessoas que se acham mais seguras ou valentes escoradas por algum tipo de escudo, patuá, guia e coisas do gênero. Talvez, não confiem em sua própria coragem. Essas desnecessárias demonstrações de fraquesa só os tornam mais rejeuradis e desacreditados, como profissional e cidadão.

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