Dr. Rosinha: O luto, a luta, a vilania e o escárnio

Tempo de leitura: 4 min
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Por Dr. Rosinha

Em 31 de julho de 2021, enquanto brasileiros morriam por covid, passavam fome, disputavam ossos e comida no lixo, Jair Bolsonaro e o líder do seu governo, Ricardo Barros, participavam de motociata em Presidente Prudente (SP). Fotos: Ueslei Marcelino /Reuters/Cimi, reprodução de vídeo, redes sociais

O luto, a luta e o escárnio

Por Dr. Rosinha*

Antes de mergulhar nesta coluna, três registros:

1. O Brasil já tem 21.874.324 casos confirmados de infecção pelo novo coronavírus e 609.388 óbitos, segundo os dados do Painel Conass-Covid divulgados às 18h desse sábado, 06/11. Conass é o Conselho Nacional dos Secretários de Saúde.

2. “Nunca, em nenhum outro ano, tantos brasileiros faleceram quanto agora, em 2021”, observa o jornalista Fernando César de Oliveira, em seu perfil de rede social.

Fernando prossegue:

A dois meses de seu fim, 2021 já supera o total de mortes registradas em 2020 inteiro, De janeiro até agora, houve quase 1,5 milhão de óbitos (por todas as causas). Mais de 390 mil deles, por covid-19.

Antes da pandemia, o Brasil nunca tinha chegado a 1,4 milhão de mortes registradas em um único ano.

Isso ocorreu pela 1ª vez em 2020, com o recorde de 1.467.843 óbitos.

3. O texto abaixo, em itálico, é de julho passado. Era para ser mais uma coluna Arapuca, aqui no Viomundo.

Eu o iniciei e interrompi. Não consegui continuá-lo:

Com tanta (des)informação me perco. Melhor, estou perdido há um bocado de tempo.

A conjuntura, o isolamento, a preocupação e, porque não dizer, a tristeza me levou a essa situação. Não consigo acompanhar a CPI que investiga o exercício do mandato de Bolsonaro em relação à pandemia de covid-19.

Espero que a CPI investigue como Bolsonaro se aliou, estrategicamente, ao coronavírus para matar um milhão de pessoas. Está quase conseguindo.

O meu objetivo, com esse texto, era parar de publicar em julho a Arapuca. E me libertar da arapuca (rsrsr) em que me coloquei, quando aceitei o desafio de escrever esta coluna.

Na ocasião, me sentia violentado pelos fatos que ocorriam no Brasil e a falta de perspectiva de – a curto prazo – sair.
Esta situação me bloqueou a capacidade de elaboração. Não entrei em depressão, mas fui tomado de muita tristeza.

Confesso que parte dessa tristeza ainda permanece.

Mas, acabei entendendo que, para derrotá-la e, ao mesmo tempo, desarmar a Arapuca, o melhor é retomar a escrita.

Portanto, vamos lá.

A CPI da Covid chegou ao fim.

1. Mostrou como alguns membros do “Centrão” (que o diga Ricardo Barros) e as altas patentes que ocupam os quartéis e o Palácio do Planalto — hoje, são suspeitos de corrupção — se envolveram na compra de vacinas e na propagação do coronavírus.

2. Dezenas de pessoas foram listadas pela CPI para serem investigadas e/ou indiciadas: umas por suspeita de corrupção; outras por espalharem fake news; e, parte por negar a ciência.

Importante: a CPI provou a existência do “gabinete paralelo”, que decidia o que deveria ser feito pelo Ministério da Saúde.

3. Em depoimento à CPI, o epidemiologista Pedro Hallal revelou que, se o governo tivesse dado uma resposta mediana à pandemia, mais de 400 mil brasileiros não teriam perdido a vida. Suficiente para mostrar que estamos sob o tacão de um governo genocida.

Mas, Bolsonaro, como mantém viva a sua vilania, reafirmou que as principais vítimas da covid-19 foram “os obesos e quem estava apavorado”, como se não fossem vidas perdidas.

4. A CPI demonstrou como Bolsonaro, assessorado pelo gabinete paralelo, atuou ativamente na disseminação do coronavírus e na construção da mentira de que o kit covid (hidroxicloroquina, invermectina e azitromicina) era eficaz no tratamento precoce.

5. A CPI demonstrou que houve um pacto entre o governo Bolsonaro e a operadora Prevent Senior para “cientificamente” provar a eficácia do kit-covid.

As pesquisas “científicas” da Prevent custaram a vida de dezenas de pessoas, não ficando nada a dever a Josef Mengele. O pior de tudo é que foi feito sob a bênção do Conselho Federal de Medicina (CFM).

6. O relatório final da CPI recomendou o indiciamento de Bolsonaro por nove crimes, entre os quais crimes contra a humanidade, o mais grave.

Mas, como o golpe — que derrubou a presidenta Dilma e abriu caminho para a catástrofe que está aí — foi com o “Supremo e tudo”, há dúvidas se esses indiciamentos se darão.

Ocorrendo ou não, uma coisa já sabemos: o relatório da CPI não fecha e não fechará a cloaca do Bolsonaro.

Tanto que após o encerramento dos trabalhos, ele declarou: “Sabemos que fizemos a coisa certa desde o primeiro momento”.

Não satisfeito, dias depois relacionou a vacina contra a covid-19 ao desenvolvimento da Aids.

Enfim, depois de quase quatro meses, me desvencilhei da minha própria arapuca, ou hibernação, como queiram chamar esse período.

Lamentavelmente, com uma realidade, econômica e social muito pior do que a de quando entrei.

Há filas de famintos para comprar ossos.

Pessoas reviram caminhões de lixo para encontrar comida.

Há gente sendo presa por buscar comida que iria para o lixo.

Há milhares morando nas ruas e mais de 14 milhões de desempregados.

Metade da população brasileira está desencantada, sem esperança de ver uma saída a curto prazo.

Não bastasse tudo isso, até o final de 2021, o Brasil deve se aproximar de 1,6 milhão óbitos num único ano, batendo o trágico recorde de 2020, quando aconteceram 1.467.843 mortes.

Para completar, Bolsonaro, o negador da ciência, concedeu a si próprio o título de grão-mestre da Ordem Nacional do Mérito Científico. É o escárnio total.

*Dr. Rosinha é médico pediatra, militante do PT. Pelo PT do Paraná, foi deputado estadual (1991-1998) e federal (1999-2017).  De maio de 2017 a dezembro de 2019, presidiu o PT-PR. De 2015 a 2017, ocupou o cargo de Alto Representante Geral do Mercosul. 

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Dr. Rosinha

Médico pediatra e militante do PT. Pelo PT do Paraná, foi deputado estadual (1991-1998) e federal (1999-2017). De maio de 2017 a dezembro de 2019, presidiu o PT-PR. De 2015 a 2017, ocupou o cargo de Alto Representante Geral do Mercosul.


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Comentários

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Henrique

https://www.diariodocentrodomundo.com.br/folha-marilia-mendonca-bolsonaro/

Bolsonaro não é só louco e nem é só idiota. Bolsonaro é também um canalha. Portanto, não me surpreende que ele faça uso político
e não respeite a morte da cantora Marília Mendonça. Ele não se solidarizou com a morte de mais de 600 mil pessoas, vai solidarizar com a morte de uma só sem ganho político?
A propósito, ele está se borrando de medo das novas investigações sobre a facada. Eu sei muito bem porquê. Já pensou senhor Jair se o povo descobre tudo… Heim?

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