Dr. Rosinha: Dirigentes fazem vista grossa ao racismo no futebol porque lucram muito com o espetáculo e são racistas

Tempo de leitura: 4 min
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Por Dr. Rosinha

Marega e Taison, alvos de ataques racistas no futebol. E o exemplo dos jogadores PSG e do Istanbul Basaksehi. Fotos: Reprodução de vídeo e de rede social

Lamentável

Por Dr. Rosinha*

O atacante Mousa Marega é um nome desconhecido dos brasileiros.

Nascido no Mali, país da África, ele atua no futebol português.

Em 16 de fevereiro de 2020, o seu time, o Porto, estava em campo contra o Vitória Guimarães.

Era domingo e o jogo (da I Liga de Futebol de Portugal) estava 2×1 para o Porto.

Gol decisivo de Marega.

Das arquibancadas, torcedores do Vitória atiram objetos nele e disparam ofensas racistas, como imitação de macacos.

Revoltado, deixa o jogo.

Não acompanhei os desdobramentos, se é que houve algum.

Naquele momento, o máximo foi o treinador do Porto, Sérgio Conceição, classificar o episódio como “lamentável”.

Por sua ‘audácia’ – abandonar o campo – Moussa Marega foi punido, com um cartão amarelo, pelo juiz Luís Godinho.

No seu Instagram, Marega respondeu:

“E também agradeço ao árbitro por não me defenderem e por terem me dado um cartão amarelo porque defendo minha cor da pele. Espero nunca mais encontrá-lo em um campo de futebol! Você é uma vergonha!”.

O presidente do Vitória de Guimarães preferiu culpar Marega, vítima do racismo, em vez de condenar a torcida do seu time:

“Não percebi os insultos, mas sim uma atitude provocatória do atleta. Ele tem esse perfil”.

Nesses momentos, independentemente do país em que acontece, a justificativa é a mesma: ação de um pequeno grupo de torcedores.

E por ser um “pequeno” grupo, não se faz absolutamente nada, para não atrapalhar o espetáculo.

Marega não é o primeiro jogador negro na história do futebol mundial a ser atacado por racistas.

Infelizmente, nem será o último.

E, quando isso ocorre, por mais justo que seja o protesto, a reação é tratada como descontrole emocional.

E o jogador torna-se vítima de outro preconceito: o de não ter estabilidade psíquica para suportar as críticas e/ou as vaias.

Essa posição dos dirigentes [a de que o jogador não tem estabilidade psíquica] alimenta ainda mais os racistas.

Em novembro de 2019, os brasileiros Taison e Dentinho, do Shakhtar Donetsk, foram alvo de insultos racistas de torcedores do Dínamo, de Kiev, na Rússia.

Taison reagiu contra a torcida que o agredia.

O juíz Mykola Balakin paralisou o jogo a fim de que os cânticos racistas cessassem.

Ao retomar a partida, expulsou Taison – que saiu chorando – e o espetáculo, que não pode parar, seguiu até o final.

Após o jogo, Taison publicou um desabafo em suas redes sociais, citando trecho da música “Jesus chorou”, do Racionais MC’s:

“Amo minha raça, luto pela cor, o que quer que eu faça é por nós, por amor. Jamais irei me calar diante de um ato tão desumano e desprezível. Minhas lágrimas foram de indignação, de repúdio e de impotência. Impotência por não poder fazer nada naquele momento. Mas somos ensinados desde muito cedo a sermos fortes e a lutar. Lutar pelos nossos direitos e por igualdade. O meu papel é lutar, bater no peito, erguer a cabeça e seguir lutando sempre! Em uma sociedade racista, não basta não ser racista, precisamos ser antirracistas”.

Dentinho também não se calou:

“Durante o jogo, por três vezes, a torcida adversária fez sons que lembravam macacos, sendo duas vezes direcionadas a mim. Essas cenas não saem da minha cabeça. Não consegui dormir e já chorei muito. Sabe o que eu senti naquele momento? Revolta, tristeza e nojo de saber que ainda existem pessoas tão preconceituosas nos dias de hoje. Não posso me calar diante de algo tão grave” .

No dia 8 de dezembro,  segundo a imprensa, foi a primeira vez na história do futebol que duas equipes se uniram para protestar contra um árbitro por racismo.

Os jogadores do Paris Saint Germain (PSG) e do Istanbul Basaksehi interromperam a partida para denunciar racismo do quarto árbitro, Sebastian Coltescu.

Coltescu dirigiu palavras racistas a Pierre Webó, ex-jogador camaronês de 38 anos, que já jogou na Europa.

Atualmente Webó é membro da comissão técnica do Istanbul Basaksehir.

Como sempre, além de ser vítima de racismo Webó foi expulso.

Indignados, os jogadores do PSG e o Istanbul Basaksehi abandonaram o jogo.

Antes, em dezembro de 2019, portanto um mês após o caso Taison, os jogadores do Albacete abandonaram a partida contra o Rayo Vallecano em solidariedade ao ucraniano Roman Zozulya.

Zozulya é branco, simpático aos movimentos ultranacionalistas em seu país.

Os jogadores  deixaram o campo porque Zozulya era chamado de “nazista”.

Nesse caso, o abandono de campo — atenção, pelas duas equipes! — não tinha características de protesto contra o racismo, mas, sim, de apoio político-ideológico a uma ideia nazista.

Teve, ainda, o referendo do juiz, que não puniu ninguém. Foi um apoio aberto a um jogador identificado com o neonazismo.

Os dirigentes dos times/empresas ou das instituições responsáveis pelos campeonatos – FIFA, UEFA, CBF, Federações,  etc…–  fazem vista grossa.

Só há duas razões explicáveis para essa conduta: ganham muito dinheiro com o espetáculo e são racistas.

O racismo no mundo e, no caso, no futebol somente sofrerá ações vigorosas quando afetar o sistema financeiro e os jogadores brancos também se tornarem e agirem como antirracistas.

São milhares de atos e ações racistas no cotidiano do futebol.

Nos casos de Marega e Taison, todos os jogadores deveriam ter abandonado o campo em solidariedade a ambos e em ato contra o racismo.

Lamentavelmente, dirigentes do futebol – em todos os níveis – e jogadores brancos, como Cristiano Ronaldo e Messi, não se pronunciam sobre essa questão.

Mais lamentável ainda quando jogadores e ex-jogadores negros e famosos, como Pelé e Ronaldinho, sempre se calaram.

*Dr. Rosinhaé médico pediatra, militante do PT. Pelo PT do Paraná, foi deputado estadual (1991-1998) e federal (1999-2017).  De maio de 2017 a dezembro de 2019, presidiu o PT-PR. De 2015 a 2017, ocupou o cargo de Alto Representante Geral do Mercosul. 

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Dr. Rosinha

Médico pediatra e militante do PT. Pelo PT do Paraná, foi deputado estadual (1991-1998) e federal (1999-2017). De maio de 2017 a dezembro de 2019, presidiu o PT-PR. De 2015 a 2017, ocupou o cargo de Alto Representante Geral do Mercosul.


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Zé Maria

Desde a Ditadura Militar que a Cartolagem no Futebol
é um Antro de Politiqueiros Falcatruas Aproveitadores,
um Trampolim para Enriquecimento Ilícito de Milicianos,
à custa do Passionalismo dos Torcedores dos Clubes.

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