Tempo de Distopia

Tempo de leitura: 2 min
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Por Marco Aurélio Mello

foto: Dawson Toth/Free Images

foto: Dawson Toth/Free Images

por Marco Aurélio Mello

Estamos desiludidos, desesperançosos e desmobilizados.
E espalhamos esta indiferença perigosamente, principalmente entre os mais jovens.
Isto se deve ao fato de que passamos a admitir que todos mentimos.
Para uma criança prestes a virar adulto o efeito desta constatação é devastadora.
A versão da realidade que a mídia mostra é comprovadamente mentirosa, os políticos, quase todos eles corruptos, são mentirosos, e o judiciário, além de corrupto, é tendencioso.
Lá se foram os pilares da democracia moderna, incluindo-se aí o famoso quarto poder.
A economia é pautada pelos interesses financeiros, sem mais nenhum compromisso com a realidade, com o cotidiano, com a necessidade de inclusão social dos seres humanos abandonados.
Este fenômeno, ao qual o escritor russo Alexei Yurchak deu o nome de hypernormalização dá título a um documentário que assisti por indicação do amigo jornalista Pablo Guelli.
É devastador.
Você sai dele achando que o mundo acabou mesmo, e que não há mais nada a fazer.
Mas pera lá!
Não é possível que não haja luz no fim do túnel!
Não é possível que não haja uma nova inspiração, uma nova utopia, um sentido novo para continuar a viver.
Há e ele passa necessariamente pela política.
Política da boa vizinhança no prédio e no bairro, atenção nas ruas, respeito ao próximo, compaixão e caridade.
A caridade passou a ser a palavra-chave para que os de bons princípios e de bons corações enfrentemos esta tempestade.
Amor não é conversa fiada.
Amor é escuta, comunhão, toque.
Você acorda todos os dias, se olha no espelho, agradece por estar vivo e confessa que se ama?
Você sorri para a pessoa que está ao seu lado em casa e lembra que a ama?
Você diz aos seus filhos que os ama e que prefere errar por excesso de amor do que por falta?
Seu olhar para o próximo é com amor em vez de ódio?
Por falar em amor, o acaso me levou a outro filme, um polonês chamado a Arte de Amar.
O filme esteve na Mostra de Cinema de São Paulo, no ano passado.
É a história do livro homônimo de Michalina Wisłocka.
E de sua luta para afirmar a sexualidade feminina contra a censura da Polônia durante o regime comunista.
Toda revolução sexual naquele país é o efeito de uma ideia aparentemente simples: como espalhar o amor.

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Marco Aurélio Mello

Jornalista, radialista e escritor.


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Comentários

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Edgar Rocha

Oi, Marco Aurélio. Ao ler todas as suas perguntas sobre o amor, posso responder com sinceridade que não. Não me olho no espelho e penso que me amo sempre. Não olho para o meu próximo e penso que o amo sempre. Não cultivo o amor sempre. Eis a resposta: não dá pra sentir amor o tempo todo. De minha parte, porque minha autoestima está afetada por muitos motivos. Minha desconfiança anda a mil, por razões variadas. Minhas dúvidas martelam minha cabeça mais do que minha vontade de amar.
Reconheço, amar faz bem. É muito melhor do que estes sentimentos. Mas, não posso negar que meus outros sentimentos são igualmente sinceros e por vezes, salutares. Sobretudo neste momento. Descrença e decepção juntas formam uma coisa que não desejamos: o luto. Eu acredito que esteja, juntamente com boa parte da sociedade, vivendo o luto por uma visão de mundo que morreu. Uma morte irreversível, embora seja redundante ter de dizê-la desta forma. Mas, quer saber? Que descanse em paz! Descansem as mentiras vividas, as ilusões, os autoenganos, a autoimagem… A verdade ocupa um espaço enorme assim que nasce. Não há lugar pra ela e pra estas coisas ao mesmo tempo.
O luto vai passar. Nada é pra sempre. Nem eu, nem você somos eternos. Quem vai passar primeiro, não sei. Deve ser terrível morrer sem saber o que somos de fato, não? Depois de tanto tempo, me sinto reencontrando minha personalidade, minha individualidade. Nos enredamos em tantas mentiras e toda a recompensa que recebemos é um tóxico reforço de nossos egos. É esta para mim, a questão principal: o ego nos impede de vermos o que verdadeiramente merece nosso amor. Gastar nosso precioso tempo de vida amando ao que – ou a quem – não merece nosso amor, pode doer mais do que não amar, do que odiar, do que sentir-se odiado. Dá no mesmo, só que com o amargo tempero da raiva de si mesmo somado a todos os outros sentimentos ruins. Não queremos abrir mão dos amores errados por puro orgulho ferido, por ter de encarar que de fato, estávamos aquém do que merecia nosso amor sincero. Desperdiçamos nosso bem mais precioso com nossos equívocos e isto não tem perdão. Não sem morrermos também. Não sem matar o mal que existe em nós. Não sem destruir a personalidade que forjamos sobre nossos equívocos. Haja dor! Mas, vale à pena. Nosso melhor amigo somos nós mesmos. E o reencontro nos permite escolher por aquilo que nos parece digno. Sou muito ruim em expressar certos sentimentos. Prolixo demais. Enfim…

    Marco Aurélio

    Só discordo da parte final, quando você diz que é ruim em expressar sentimentos. Você foi ao ponto, com precisão cirúrgica. Obrigado por dividir sua reflexão. Adoraria ter de volta aqui na web aquele sentido anterior de comunidade, agregando conteúdo, complementando ideias, dividindo sentimentos. Valeu mesmo.

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