Luiza Tonelli: STF e mídia estão nos conduzindo a uma juristocracia
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Genoino pagar a multa não significa “assumir” que é culpado
por Maria Luiza Tonelli
Estamos vivendo, há tempos, um processo galopante de judicialização da política. Nesse contexto, o discurso e os debates políticos começam a tomar a forma de uma linguagem jurídica, substituindo a linguagem política. Tanto os que pretendem vencer nos tribunais o que não conseguem nas urnas como os que representam a a maioria apelam para o discurso jurídico nesse processo de verdadeira tribunalização da democracia.
O paradoxo está no fato de que a linguagem do Direito, que não é a da política, necessita de conhecimento técnico. Questões jurídicas, ou seja, do Direito, são questões técnicas. Portanto, não se trata de uma questão de opinião, mas de interpretação. Mas a judicialização galopante nesses tempos de criminalização da política parece estar formando um país de “operadores do Direito”. Sem conhecimento de causa, deita-se falação a respeito questões das quais se desconhece.
O introito acima presta-se à critica a respeito do debate sobre o pagamento da multa imposta a Genoino em decorrência da sua condenação pelo crime de corrupção ativa, já transitado em julgado.
É compreensível que as pessoas que não têm conhecimento jurídico fiquem indignadas com a obrigação de Genoino, um político que em toda a sua vida não acumulou patrimônio e que jamais teve seu nome ligado a qualquer indício de corrupção, ao pagamento da multa que hoje já passa de 600 mil reais no prazo de 10 dias.
O que não é compreensível é o fato de a imprensa e os blogs não informarem aos leitores sobre o significado da multa imposta a um condenado pela justiça, dando margem a julgamentos ora sob critérios morais, ora sob critérios políticos, quando a questão deve ser analisada sob critérios jurídicos. Ou temos uma imprensa cujo jornalismo é rasteiro, de péssima qualidade, ou a questão é de má-fé mesmo, apenas para servir como mais um pretexto de disputa política.
Portanto, ao leitor deveria ser esclarecido que não cabe a um condenado a opção de não pagar a multa. No caso de Genoino, embora não tenha como arcar com o montante que lhe foi imposto, cumpre pagar. Caso não pague no prazo, a pena não se extingue. Genoino foi condenado a cumprir a pena privativa de liberdade e a pena de multa. Pagar não significa “assumir” a culpa, pelo simples fato de que foi considerado culpado. Por isso foi condenado. Se é justo ou não é outra questão. Achar que pagar a multa é assumir a culpa seria o mesmo que achar que ao entregar-se à justiça Genoino assumiu que é culpado.
Portanto, o ato de solidariedade a Genoino no sentido de arrecadar doações significa ajudá-lo a cumprir uma obrigação que ele tem com a Justiça e que não terminaria após o cumprimento do tempo da sua pena privativa de liberdade, caso o pagamento da multa não seja quitado. Repetindo: a multa é uma pena pecuniária. Uma pena que tem que ser cumprida. É disso que se trata.
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Decisões judiciais devem ser cumpridas, porque são questões legais. Se achamos que são injustas que mudemos as leis através da política. Aí sim, estaremos no campo da democracia e da opinião. É pelo exercício da política que aprofundaremos a democracia, o regime da instituição de direitos.
O poder emana do povo e é exercido através de representantes eleitos. Por isso a democracia é o regime, ou sistema político, da soberania popular.
Juízes não representam o povo, pois não são agentes públicos eleitos. Aos juízes compete julgar de acordo com as regras constitucionais e leis que são criadas pelo parlamento, em nome do povo soberano.
Diante de tudo o que foi exposto, é bom que comecemos a pensar sobre o que está acontecendo neste país. É preciso que se crie uma cultura dos direitos, sem a qual não existe verdadeira democracia. O discurso do Direito é não pode substituir o discurso da política. É isso o que interessa à direita. Não é por acaso que a parceria entre a mídia hegemônica e o STF estão nos conduzindo a uma juristocracia. Compete aos poderes políticos, principalmente ao poder Legislativo, retomar as rédeas da política. É a democracia que está em jogo.
Maria Luiza Tonelli é advogada, professora, mestre e doutora em Filosofia pela USP.
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