“Não tenho mais estômago pra ver o vídeo do Pedrão espancado pela polícia”
Tempo de leitura: 3 minSou Pedrão: São Paulo hoje me dói
por Júlio Delmanto, no Coletivo Dar
Sou amigo do jornalista Pedro Nogueira há quase dez anos. Nos conhecemos em Recife, viajamos pela Bolívia, temos amigos, gostos e uma vida em comum.
Compartilhamos também o gosto pelo basquete, assistindo aos jogos às vezes em sua casa, gerida por sua mãe Bia, a pessoa mais zen que eu já vi. Terça-feira estávamos exatamente assistindo basquete na TV eu e outros amigos quando soubemos de sua prisão. Pensamos que sairia rápido, afinal ele não só sempre foi um pacifista como estava trabalhando como jornalista no ato, escrevendo para o site do Aprendiz, e até terminamos a cerveja antes de ir pra a delegacia.
Apoio a causa e sempre divulgamos os atos contra o aumento da passagem como qualquer um com o mínimo de bom senso, mas naquele dia eu havia ficado em casa para finalmente descansar depois de meses organizando a Marcha da Maconha e, sobretudo, depois de toda a tensão que ela fez a organização passar. Uma manifestação pacífica até os limites do estereótipo gera tanta tensão assim? Não, mas a Polícia sim, e já na nossa ela havia tentando criar tumulto, chegou a bater em mulheres, enfim, a velha postura que faz com que seja cada vez mais difícil pensar que existe amor, democracia ou justiça em SP.
Chegamos na 78ª DP (na qual já passei algumas horas preso apenas por defender mudanças em nossa política de drogas que prende tanta gente, vejam só) quase junto com a Bia, que impressionantemente era a mais calma do ambiente. Ouvimos de Johanna, companheira de Pedrão, as circunstâncias do momento de sua detenção, e só relembrá-las para escrever isso aqui já me dá vontade de vomitar de raiva ou chorar de nojo. Há um vídeo circulando na Internet mostrando a covardia, não tenho estômago pra ver mas este é o link, parece que diz tudo.
Mesmo assim, com evidências de TORTURA no momento da detenção, com inúmeras provas de que estava lá a trabalho, com solidariedade de diversas entidades e sem nenhuma comprovação da esdrúxula acusação de formação de quadrilha (cuma? uma quadrilha de pessoas que não se conhecem nem agiram juntas?), Pedrão segue enjaulado, agora na 2ª DP, no Bom Retiro, junto com mais diversas pessoas, entre elas o também jornalista Raphael, que está seriamente machucado e quase foi transferido para um CDP (Centro de Detenção Provisória), no qual as condições são no mínimo péssimas. Detalhe: os jornalistas da Folha e do Uol presos no ato foram soltos em meia hora, por que a diferença?
Não pude falar com Pedrão mas o vi à distância, prestando depoimento e ouvindo os chiliques de um delegado rabugento como todos. De cabeça erguida como os que sabem que estão do lado justo, sim, mas abatido, com o rosto machucado. “Todo verdadeiro ser humano deve sentir no rosto o tapa dado na cara de qualquer ser humano”, diz a frase de José Martí. Não é possível que não sintamos como se não fosse nosso o nariz fraturado de Raphael, as costas marcadas de cassetete de Pedrão, a angustiante transferência de Stefani para o CDP de Franco da Rocha ou dos dois meninos que estão no CDP Belém II, a preocupação enorme do pai de um dos garotos que está no 2º DP e é diabético, a crueldade do Dia dos Namorados que passou Johanna, e tantas e tantas outras pequenas histórias que envolvem uma só longa história de opressão e fúria: a do terrorismo de Estado brasileiro.
Foi só na hora desse depoimento que a mãe de Pedrão pôde conversar com ele, passar a mão em seus cabelos, transmitir sua força mesmo que a custo do represamento de sua angústia e dor. Na volta, vi lágrimas no rosto de Bia. Eram minhas.
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Jornalista Pedro Ribeiro Nogueira sendo espancado pela polícia
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