Julian Rodrigues: Revolução dos Cravos faz 47 anos; sobrou cheirinho de alecrim na terra da fraternidade; vídeos para celebrar

Tempo de leitura: 3 min
Em 25 de abril de 1974, uma operação militar articulada clandestinamente ganhou as ruas de Lisboa e derrubou a ditadura que vigorou por 48 anos em Portugal. Foi a participação popular no próprio 25 de abril e nas semanas seguintes que a tornou uma revolução. Fotos: Arquivo

O povo é que mais ordena: terra da fraternidade

A revolução dos Cravos faz 47 anos: sobrou um cheirinho de alecrim

Por Julian Rodrigues*

Eu sei, eu sei.. a Revolução Russa é o paradigma-mor, a chinesa algo extraordinário, a cubana, a coisa mais linda que fala tanto aos nossos corações latinoamericanos.

Porém, todavia, entretanto, contudo, confesso: a revolução dos cravos , ah a revolução portuguesa…

O salazarismo, esse fascismo tão singular, quatro décadas de uma ditadura bem ibérica, reacionária e católica.

Liderada por um intelectual, manteve alguma distância da radicalidade de Hitlter e Mussolini – Portugal se manteve “neutra” na Segunda Guerra, e não conheceu uma guerra civil sangrenta como a vizinha Espanha.

Um pequeno país, ainda metrópole colonial, atrasada e pobre, entretanto.

O salazarismo não estimulava milícias, mas reprimia brutalmente. A virulência das guerras coloniais na África…

O Brasil é África, é indígena, mas é muito Portugal demais.

A língua, que é um “código secreto”, a herança colonial e suas tensões. E se lá houve aquele bas-fond todo, aqui também talvez role também.

Essa metrópole de segundo escalão, sempre a esperar Dom Sebastião. A aposta no futuro pelo regresso redentor.

E não somos nós também desde sempre o país do futuro?

Nem Camões ou Pessoa, claro, puderam estancar a decadência – uma nação (europeia pero no mucho), encurralada entre certo passado distante glorioso e remanescências de poderes coloniais.

O velho do Restelo (Os Lusíadas) teria acertatado ?

A vaidade e a cobiça daquela nação quinhetista que se queria império e se pôs a conquistar o mundo trariam fama e glória mas junto com desastres, perigos, tormentas?

Portugalzão. Portugalzinha. Tão pequenina e tão predestinada à grandeza? Fernando Pessoa aposta na reconstrução da história e da mitologia da pequena nação heroica (ou será que não?).Mensagem publicada em 1934, já com Salazar no poder (!)

Ponta da península ibérica, saramagueanamente jangada pedrogosa – europeia descolada da Europa.

Longe e pertim das américas, ásias e áfricas. Tanto mar, tanto mar. Nossa mãe escravocrata, cruel e espoliadora essa Portugal.

E aconteceu a Revolução dos Cravos, o MFA [Movimento das Forças Armadas],  os capitães de abril. O furacão e posterior derrota (que, ainda assim, moldou uma nova nação muito mais socialmente justa e moderna).

Por isso tudo que, em todo 25 de abril, faço meu ritual: ouvir Grandola Vila Morena milhões de vezes (e muito José Afonso), visitar os sites do PCP [Partido Comunista Português], ler algo sobre a história da Revolução dos Cravos, ouvir muito Chico cantando as duas versões de Tanto Mar.

Segue por aí.

Algumas amigas amadas são minhas cúmplices nessa celebração íntima, ano após ano. (Quem disse que os ateus não têm suas cerimônias e rituais?)

Para entrar no clima, a canção-senha, Grândola Vila Morena.

O nosso Valerio Arcary esteve lá.

Um artigo introdutório dele: “A revolução portuguesa 1974/75: uma revolução solitária”.

Depois, é só ver o filme da Maria Medeiros, de 2000 já clássico: “Capitães de Abril”.

A aula de Rosa Gomes, do GMARX/USP, no curso da Fundação Perseu Abramo (Fascismo, ontem e hoje, façam!)

Gosto muito também do livro do Lincoln Secco:” A Revolução dos Cravos e a Crise do Império Colonial Português.

Chico (refiro-me à Francisco Buarque de Holanda, nascido em 1944, filho de Sérgio Buarque de Holanda e Maria Amélia Buarque de Holanda, o maior artista vivo do país) em plena ditadura compôs uma música reverenciando a revolução dos cravos.

Queria ele estar naquela festa do povo português, torcendo para que algo assim aqui.

Depois da derrota do impulso revolucionário original, Chico refez a canção, com pequenas e genais adaptações (foi bonita a festa, mas esqueceram uma semente em algum canto), conservando a beleza estética-política da obra.

Estou sentindo algum cheirinho de alecrim, fraquinho.

Escuto sinais, todavia. Tem flores vindo aí, muitas flores.

Tô vendo uma esperança (viva Henfil)!

Lula Presidente em 2022 é a campanha das nossas vidas.

Não tem nada a ver com uma eleição comum.

Trata-se de um tsnunami cultural, político e social. A superação de um ciclo de trevas.

O marco de um novo tempo: vida x morte, civilização x barbárie. O enterro do bolsonarismo e do neoliberalismo!

Mas tudo começa agora. Estamos desafiados a instituir uma disrupção político-cultural-ideológica-programática-ética-estética.

E viva a Revolução dos Cravos!

*Julian Rodrigues é professor e jornalista, ativista LGBTI e de DH, mestre em ciências humanas e sociais, militante do PT.


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Nêmesis

Ler este texto, é-me um alento.

Que, por aqui, haja também um “25 de Abril”…

Parabéns ao povo português.

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