Por Marco Aurélio Mello

por Marco Aurélio Mello
Dois homens tocam a campainha.
Estou dobrando um cobertor no quarto.
Saio para atender.
– Desculpe, posso pedir um favor?
– Sim.
– Temos fome. Se o senhor tiver um sanduíche, ou um dinheiro… o que for mais fácil, der menos trabalho.
Peço que aguardem.
Vou à cozinha e olho sobre a mesa.
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Há uma generosa fatia de bolo caseiro.
Divido-a em duas partes e as embalo.
Vejo um solitário pão amanhecido.
Corto, passo requeijão com capricho e o reparto em duas metades.
Acho que para dois adultos ainda é pouco.
Acrescento biscoitos de maisena e sequilos.
Pronto, já tenho um lanche!
Aí paro e penso: e para beber?
Olho em volta e vejo sobre o armário uma pequena garrafa de pinga, dessas de pet, de meio litro.
Será que deveria dar álcool para eles?
Não deveria ser água, ou suco?
São adultos.
Pareciam ser moradores em situação de rua.
“Eu podia estar roubando, eu podia estar matando…”
Eles pedem.
É domingo.
Fez frio à noite…
Quer saber? Fo**-se!
Passei a mão na garrafinha e coloquei-a junto, na sacola.
Entreguei-a a eles meio que apressadamente.
Não queria que trocassem comigo um olhar de cumplicidade.
Sentia-me culpado.
Hoje reflito, se fui o anjo que eles esperavam encontrar, fui um anjo festivo.
Sinto agora até um certo orgulho.
Acho que fiz a coisa certa.
Se eu estivesse no lugar deles tudo o que eu ia querer naquela situação era um lanche e um trago.
Só espero que, se Deus existe e é mesmo o cara que dizem que ele é, ele vai me perdoar.
Afinal, “eu podia estar roubando, eu podia estar matando…”
Marco Aurélio Mello
Jornalista, radialista e escritor.




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