VOCÊ PREFERE O CINZA?
por Juca Ferreira, no Facebook
A ação de apagar os grafites do corredor da 23 de maio revela a perspectiva ‘cinzenta’ proposta pelo prefeito João Dória para a cidade de São Paulo, que aparece na forma de uma ação ignorante e autoritária.
A formação daquele corredor partiu de um proposta do ex-prefeito Fernando Haddad que via naquela avenida o potencial de ser um painel das melhores expressões do grafite de rua da cidade e de uma decisão da Secretaria Municipal de Cultura de fortalecer o grafite como expressão cultural contemporânea, que ajuda a dar cor a São Paulo.
Ao ‘limpar’ os painéis da 23 de maio o novo prefeito comete dois absurdos: por um lado, deixa a cidade mais feia, cinzenta e sem personalidade; por outro, ataca a arte de rua e o trabalho de centenas de grafiteiros que contribuíram para a montagem daquele painel.
Dória também demonstra ignorância sobre a relevância estética da arte de rua, expressão marcante da cultura das grandes cidades no mundo inteiro.
Este reconhecimento levou a arte de rua para dentro de galerias e de museus renomados.
É neste sentido que o Masp fará ano que vem uma exposição do grafiteiro nova-iorquino Juan-Michel Basquiat.
A visão de cidade que João Dória afirma nesta ação é oposta daquela pela qual trabalhamos durante a gestão de Fernando Haddad.
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Enquanto defendíamos que a beleza da cidade estava na valorização da diversidade de suas expressões culturais, Dória chama de ‘linda’ uma cidade de muros e painéis cinzas, que apaga as marcas de sua cultura.
Será que ele acha que os cidadãos realmente preferem a cidade cinza?
A última ação do programa Cidade Linda, na Av. 23 de Maio reforça uma questão que parece não estar tão evidente a primeira vista: trata-se da conformação de uma certa visão de cidade que irá guiar as ações da nova gestão da prefeitura de São Paulo nos próximo anos.
É interessante observar o caráter metonímico das narrativas e da dimensão do espetáculo deste programa: ele parece buscar fazer destas ações pontuais uma espécie de episódio de salvação da cidade inteira.
Se por uma lado, estas ações contemplam medidas necessárias, como a recuperação de calçadas, recolha de entulhos e a poda de árvores, por outro lado, a escolha inicial dos lugares (os quais sem dúvida alguma não são os mais necessitados deste tipo de ação) e a incitação de ódio contra parcelas minoritárias da população, como o caso da população em situação de rua, e grupos de expressão cultural, como no caso do pixo e do graffiti, explicitam esta questão.
Neste contexto é importante nos perguntarmos: o que esta visão de cidade entende por cidade linda? Cidade linda para quem?
Questões relacionadas a uma visão de cidade que é construída socialmente, ou seja, reflete certos valores e moralidades.
No entanto, é importante também lembrar que São Paulo é marcada por uma diversidade de visões de cidade, que geram conflitos mas também provocam inventividades, e que quando se busca impor uma única visão está-se também declarando guerra à possibilidade da diversidade de formas de viver e experienciar esta cidade.
Chamo atenção desta dimensão das narrativas construídas pelo Cidade Linda porque ela é essencial para compreender que as discussões em torno dos apagamentos dos pixos e graffiti estão para além dos muros.
Como bem sabemos a efemeridade faz parte destas práticas, assim como as repressões policiais sempre estiveram presentes.
No entanto, esta narrativa belicosa e intolerante tende a radicalizar e recrudescer a criminalização, incentivando a vigilância e punição não só por parte do Estado, mas também por parte da população.
As discussões que são geradas a partir destas incitações de ódio, são discussões quase sempre polarizadas entre o bem e o mal, a limpeza e a sujeira, o que é e o que não é arte, dicotomias que não dão conta da complexidade e da importância destas práticas culturais de rua para a cidade, as quais contribuem profundamente para a identidade de São Paulo.
Este tipo de polarização no discurso, que visa colocar pixo contra graffiti e as duas práticas contra a população provocam consequências perversas, incitando conflitos e intolerância nas relações cotidianas entre esses diferentes grupos.
E neste cenário, é a cidade que perde.
Pois deixa de fora o diálogo e deixa de levar em consideração um acúmulo de conhecimento sobre o espaço urbano que quem pinta na rua possui, conhecimento este que poderia contribuir de uma forma muito mais ampla com a discussão a respeito da qualidade dos espaços públicos da cidade.




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