Antônio David: Os que decretaram a morte política de Lula talvez tenham se precipitado
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por Antônio David, especial para o Viomundo
Há alguns dias, o Ibope divulgou uma pesquisa nacional na qual aferiu a aceitação e rejeição a virtuais candidatos à corrida presidencial de 2018. A pesquisa foi realizada entre os dias 17 e 21 de outubro. A imprensa deu grande destaque à alta rejeição a Lula.
As tabelas fornecidas pelo Instituto Ibope, disponíveis no site da empresa, permitem ver os percentuais discriminados segundo os seguintes recortes: sexo, idade, escolaridade, região do país, condição do município (capital, periferia, interior), porte do município (até 50 mil habitantes, de 50 a 500 mil, mais de 500 mil), renda familiar, religião, cor autodeclarada.
O Ibope perguntou aos entrevistados se eles votariam “com certeza” no nome indicado, se “poderia votar” nele ou nela, se “não votaria de jeito nenhum” ou se “não conhece o suficiente para opinar”. Aos entrevistados foram apresentados seis nomes: Luis Inácio Lula da Silva, Aécio Neves, Marina Silva, José Serra, Geraldo Alckmin e Ciro Gomes.
No presente artigo, levaremos em conta os resultados referentes aos três primeiros (Lula, Aécio e Marina). Leve-se em conta que Aécio é hoje o candidato do PSDB com melhor desempenho nas pesquisas.
Para facilitar ao leitor, dividimos o resultado em oito tipos de situação (entre parênteses, a rejeição de cada candidato):
a) A rejeição a Aécio é menor que a rejeição a Lula e Marina, que estão tecnicamente empatados
35 a 44 anos: (56% Lula, 54% Marina, 48% Aécio)
55 anos e mais: (57% Marina, 54% Lula, 49% Aécio)
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região Norte/Centro-Oeste: (51% Lula, 48% Marina, 41% Aécio)
interior: (53% Lula, 53% Marina, 45% Aécio)
até 50 mil habitantes:(54% Marina, 50% Lula, 42% Aécio)
religião católica:(55% Marina, 53% Lula, 46% Aécio)
b) A rejeição a Aécio e Marina, tecnicamente empatados, é menor que a rejeição a Lula
feminino: (56% Lula, 48% Marina, 46% Aécio)
de 50 mil a 500 mil habitantes: (55% Lula, 49% Marina, 48% Aécio)
de 2 a 5 salários mínimos: (60% Lula, 48% Marina, 47% Aécio)
mais de 5 salários mínimos: (66% Lula, 50% Marina, 49% Aécio)
16 a 24 anos: (55% Lula, 40% Aécio, 39% Marina)
ensino médio: (59% Lula, 49% Aécio, 48% Marina)
ensino superior: (59% Lula, 49% Aécio, 46% Marina)
região Sudeste: (60% Lula, 48% Aécio, 47% Marina)
capital: (59% Lula, 49% Aécio, 47% Marina)
c) A rejeição a Aécio é menor que a rejeição a Marina, que por sua vez é menor que a rejeição a Lula
região Sul: (68% Lula, 54% Marina, 45% Aécio)
cor branca: (65% Lula, 54% Marina, 45% Aécio)
d) A rejeição a Marina é menor que a rejeição a Lula e Aécio, tecnicamente empatados
periferia: (57% Lula, 54% Aécio, 41% Marina)
e) A rejeição a Marina é menor que a rejeição a Aécio, que por sua vez é menor que a rejeição a Lula
24 a 35 anos: (58% Lula, 49% Aécio, 43% Marina)
mais de 500 mil habitantes: (60% Lula, 51% Aécio, 46% Marina)
religião evangélica: (57% Lula, 45% Aécio, 40% Marina)
outras religiões: (59% Lula, 54% Aécio, 46% Marina)
f) A rejeição a Lula é menor que a rejeição a Marina e Aécio, tecnicamente empatados
região Nordeste: (52% Marina, 51% Aécio, 41% Lula)
até 1 salário mínimo: (53% Marina, 49% Aécio, 41% Lula)
g) A rejeição a Lula e Aécio, tecnicamente empatados, é menor que a rejeição a Marina
até 4a série: (53% Marina, 42% Aécio, 40% Lula)
h) A diferença de rejeição aos três candidatos é pequena ou insignificante
masculino: (54% Lula, 51% Marina, 49% Aécio)
de 1 a 2 salários mínimos: (52% Lula, 48% Marina, 44% Aécio)
45 a 54 anos: (53% Marina, 51% Lula, 48% Aécio)
de 5a a 8a série: (53% Marina, 50% Lula, 47% Aécio)
cor preta/parda: (50% Lula, 48% Aécio, 47% Marina)
cor (outra): (55% Marina, 51% Lula, 50% Aécio)
Tendências e inclinações – Estes dados permitem tirar algumas conclusões. A primeira e talvez mais óxbvia é que a rejeição é alta de uma maneira geral. Todavia, apesar de todos terem sido atingidos pela alta rejeição, os dados mostram que, para cada nome, a rejeição é maior ou menor dependendo do recorte para o qual se olha. Se jogamos luz nesse aspecto, é possível ver certas tendências e inclinações:
1) Os dados mostram a persistência da polarização PT versus anti-PT em alguns nichos sociais. Não por acaso, nos extremos da pirâmide social (c, f). De um lado, a rejeição a Lula é muito menor que a rejeição aos outros dois candidatos entre os muito pobres, situados na faixa de renda familiar até 1 salário mínimo, bem como no Nordeste. Se nos dois casos a rejeição a Lula chega a 41%, a soma dos que “votariam com certeza” e “podem votar” nele é 56% e 55%, respectivamente. Nada desprezível. De outro lado, a diferença de rejeição a Lula e Aécio entre eleitores brancos bate 20%. Infelizmente, a pesquisa Ibope não oferece estratos de renda acima de 10 salários mínimos, onde certamente a diferença de rejeição é igualmente grande.
2) A polarização tornou-se mais complexa e confusa no grande meio da pirâmide social. A rejeição a Lula consolidou-se na faixa de renda entre 2 e 5 salários mínimos e — essa é a novidade — cresceu entre os eleitores com renda de 1 a 2 salários mínimos, sobretudo no centro-sul do país. Nesses segmentos, a polarização PT versus anti-PT diluiu-se. A conjuntura econômica foi determinante. Não sabemos se essa diluição veio para ficar ou se o PT tem condições de revertê-la.
3) Os dados jogam luz sobre as várias polarizações inscritas nos arranjos entre os três nomes: há nichos nos quais o potencial de Aécio é maior; há nichos nos quais o potencial de votos de Aécio e Marina é igual; há nichos nos quais Marina tem maior potencial de votos. Onde a rejeição do candidato é menor, seu potencial de votos é maior.
4) O leitor deve ter em conta que o termo “periferia” (d) aqui refere-se a municípios da região metropolitana, o que envolve tanto regiões muito pobres como regiões muito ricas. A considerar o dado relativo a rejeição entre os brancos (c), é provável que, nas periferias pobres das grandes cidades, Marina tenha maior potencial de votos, sobretudo entre os mais jovens. O dado referente à população entre 25 a 34 anos (sem distinção de renda) é emblemático. Nas periferias, 44% afirmam que votariam em Marina “com certeza” ou que “poderiam votar” nela, mais do que os 41% que a rejeitam nesse segmento. Nas periferias pobres, a situação de Marina deve ser ainda melhor.
Ressalvas e surpresas – Não é preciso dizer que estamos a três anos da eleição presidencial e que, até 2018, muita coisa deve mudar. Os dados aqui analisados refletem em grande medida um momento de pessimismo em relação à economia.
Tampouco é preciso lembrar que a rejeição aferida por essa pesquisa compreende tanto certa rejeição ideológica e social, que vem de conjunturas anteriores e que tem a ver com a polarização verificada nos últimos anos, com uma rejeição produzida por fatos novos.
Dada a situação econômica pela qual o país passa graças à infeliz escolha de Dilma neste segundo mandato e dada, sobretudo, a intensa campanha que os maiores veículos de comunicação vêm fazendo contra Lula, os dados surpreendem. Contra toda a adversidade, surpreende a força de Lula.
Surpreende também que Marina tenha sido tão atingida. É curioso que entre os eleitores com menor escolaridade, sua rejeição seja muito maior que a rejeição aos dois outros candidatos. É o caso ainda das menores cidades, dos mais pobres e da população mais idosa. É provável que essa rejeição seja resquício da campanha de 2014 e de sua pouca visibilidade na atual conjuntura.
Hoje e amanhã – A importância de reparar nos dados de hoje é que dela podemos extrair certo padrão: onde hoje cada candidato vai menos mal é onde esse mesmo candidato irá melhor quando a conjuntura melhorar; onde hoje dois candidatos estão tecnicamente empatados, é onde é maior a chance de haver empate técnico quando a rejeição diminuir.
Não é fruto do acaso cada candidato ter rejeições mais altas e mais baixas a depender do recorte para o qual se olha. Há uma lógica. Não se trata de uma mera e pura lógica de classe; todavia, em uma sociedade tão desigual e com uma pobreza tão grande, os interesses de classe têm um peso decisivo.
Se os dados que examinamos seguem um padrão, isso não significa que esse padrão não possa alterar-se. Depende do que vier a ocorrer nos próximos meses, no campo jurídico/midiático e, sobretudo, no campo econômico, e da capacidade que cada ator político terá de criar ou reconhecer e aproveitar a ocasião para agir. Os que decretaram a morte política de Lula talvez tenham se precipitado.
Dado estarrecedor – Por fim, não poderia deixar de chamar a atenção para um dado que considero estarrecedor: a amostra. Entre essa pesquisa, realizada em outubro deste ano, e outra pesquisa nacional realizada pelo mesmo instituto Ibope um ano e meio antes, em abril de 2014, há uma diferença grande na amostra por faixa de renda. A confiar no Ibope, essa é a parcela da população que despencou graças à política econômica capitaneada por Joaquim Levy:
Abril 2014 x Outubro 2015
até 1 salário mínimo – 10% x 18%
de 1 a 2 salários mínimos – 32% x 31%
de 2 a 5 salários mínimos – 36% x 32%
mais de 5 salários mínimos – 15% x 11%
não respondeu – 7% x 7%
Antônio David é doutorando na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP
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