Wallerstein: Por que “especialistas” estão em pânico

Tempo de leitura: 4 min

Pânico sobre deflação mundial

por Immanuel Wallerstein,  em Agence Global, via Blog da Boitempo

Não faz muito tempo, os “especialistas” e os investidores viam os “mercados emergentes” – um eufemismo para China, Índia, Brasil e alguns outros – como salvadores da economia-mundo. Eram eles que iriam sustentar o crescimento e, portanto, a acumulação de capitais, quando os EUA, a União Europeia e o Japão declinavam, em seu papel tradicional de pilastras do sistema capitalista global.

Por isso, é chocante que, nas duas últimas semanas de janeiro, o Wall Street Journal (WSJ)Financial Times (FT), o Main Streeta agência Bloomberg, o New York Times (NYT) e o Fundo Monetário Internacional tenham, todos, soado o alarme sobre o “colapso” destes mesmos mercados emergentes; e que tenham advertido, em especial, sobre a deflação, que poderia ser “contagiosa”. Tive a impressão de que estão em pânico, quase indisfarçável.

Primeiro, algumas palavras sobre deflação. Mercados “calmos” são aqueles em que os preços nominais não caem e sobem devagar. Isso permite aos vendedores e compradores prever, com razoável confiança, quais suas melhores decisões. Os mercados mundiais não estão calmos há bastante tempo. Muitos analistas associam o fim desta calma à crise, em 2008, do mercado de hipotecas norte-americano. De minha parte, vou além. Penso que o declínio começou no período entre 1967 e 73, e não foi interrompido desde então.

Os mercados não estão calmos quando há deflação ou inflação significativas. Estes dois fenômenos têm, ambos, impacto nas estatísticas de emprego e, portanto, na demanda mundial efetiva por todos os tipos de produção. Se os índices de emprego real caem, por uma das duas razões, há sofrimento agudo para a vasta maioria da população e um grande aumento das incertezas, que tende a paralisar novos investimentos produtivos. Isso leva a mais sofrimento e mais paralisia, num círculo vicioso.

É claro que alguns capitalistas são capazes de tirar proveito da situação, por meio de manipulações financeiras engenhosas, envolvendo especulação. O problema é que estão fazendo uma grande aposta – que pode levar tanto à valorização maciça de seus ativos quanto à falência. Mas, pelo menos, têm uma chance de lucrar muito. Para a maioria da população mundial, o prognóstico provável é perder, às vezes maciçamente.

O que dizem estes relatos de pânico? Michael Arnold pergunta, no WSJ“A desvalorização das moedas levará os bancos centrais dos mercados emergentes a elevar as taxas de juros?” Ele diz que o desarranjo foi provocado por “estatísticas de crescimento desapontadoras” na China e pela desvalorização da moeda argentina. Arnold adverte, em especial, para a situação da Índia e Indonésia, que têm “alta carga de dívidas e dependência pesada de empréstimos externos – por isso, estão tentando reduzir a inflação. Ele menciona a Turquia como outra zona de problemas.

Hal M. Bundrick enfatiza, no Main Streeto contágio. Ele aponta tanto a mudança na política monetária dos EUA quando as preocupações com a economia chinesa – além das tensões políticas na Turquia, Argentina e Ucrânia – como “aceleradores do declínio”. Cita um banqueiro russo, que fala sobre a queda do rublo e a atmosfera “próxima ao pânico”. Afirma que tal sensação está “se deslocando dos mercados emergentes para os desenvolvidos”.

O título de uma matéria de Gavyn Davies, no FTé “O mundo emergente descarrilhará a recuperação global?” O autor diz que as moedas emergentes estão “em queda livre”. Também ele vê a desaceleração chinesa como um fator principal, em particular por causar impacto nas “economias abastecedoras” (ou seja, países que vendem produtos primários à China) – em particular Brasil, Rússia e África do Sul. Ele diz que os riscos de uma bolha de crédito não são um problema apenas na China, mas também na Turquia, Índia e Indonésia. Se a redução do crescimento chinês se prolongar muito, ela poderá provocar “ampliação da recessão global”. Embora faça previsões moderadamente otimistas, ele imediatamente recua, ressalvando que suas simulações (que alimentam seu otimismo contido) baseiam-se em padrões antigos, que podem não mais funcionar.

No FTRalph Atkins fala no “espectro da deflação”. O fenômeno, mesmo que positivo a curto prazo, é “definitivamente negativo para os ativos”, no longo prazo. Sua preocupação particular dirige-se à zona do euro. Depois de citar argumentos de outros analistas, que veem os aspectos positivos, ele termina dizendo: “o espectro da deflação vestiu seu manto de invisibilidade”.

E ninguém menos que Christine Lagarde, diretora-gerente do FMI, afirmou, aos representantes do Establishment reunidos no Fórum Econômico Mundial, em Davos, que há uma ameaça ao mercado global, quando os Estados Unidos cortam seus estímulos monetários. Existe um “novo risco no horizonte, e ele precisa ser examinado de perto”. Ela cita as “repercussões… nos mercados emergentes”.

Naquele mesma semana, um editorial da agência Bloomberg começava assim: “As economias emergentes viveram uma semana brutal”. O texto vê estes mercados como muito ligados ao dólar e, portanto, “excessivamente sensíveis a flutuações – reais ou imaginárias – na política monetária norte-americana”. Por isso, pede que o FED, banco central dos EUA, “não feche a torneira muito cedo” e (previsivelmente), que os países emergentes “melhorem suas políticas”.

Não menos importante, Lando Thomas informa, no NYTque a nova palavra da moda em Wall Street, substituindo os BRICS, é “os cinco fracos” [“the Fragile Five”]. A lista inclui três membros dos BRICS (Brasil, Índia e África do Sul) mais Turquia e Indonésia. Exclui tanto a China quanto a Rússia, cujo impacto geopolítico parece pesar decisivamente.

Todos parecem oferecer bons conselhos, certos de que, de alguma maneira, eles irão aliviar a situação. Poucos parecem admitir que a demanda efetiva global é o verdadeiro problema. Mas é nítido que, abaixo da superfície, já o detectaram. É por isso que estão em pânico, porque, então toda sua ênfase no “crescimento” – uma fé crucial – estará minada. Neste caso, a crise deixa de ser cíclica e torna-se estrutural: não pode ser resolvida com paliativos, mas com a invenção de um novo sistema. Esta é a famosa bifurcação, em que há duas saídas possíveis – uma melhor e outra pior que o sistema existente. Um jogo em que todos nós estaremos envolvidos.

* Publicado originalmente em Agence Global, em 1 de janeiro de 2015. A tradução é de Antonio Martins para o OutrasPalavras.

***

Immanuel Wallerstein nasceu em Nova York (Estados Unidos), em 1930. É doutor em Sociologia pela Universidade Columbia, onde lecionou — foi também professor nas universidades McGill e Binghamton. Desde 2000, é pesquisador-sênior do Departamento de Sociologia da Universidade Yale. Estudioso do marxismo e crítico do capitalismo global, é uma das principais referências teóricas dos movimentos antiglobalização. É autor de O universalismo europeu (Boitempo, 2007) e The essential Wallerstein (Boitempo, no prelo).

 


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Comentários

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marcosomag

No caso brasileiro, embora seja um dos maiores credores dos EUA e portanto, “amarrado” a títulos do Tesouro Americano, existe desde o governo Lula uma preocupação em diversificar a cesta de moedas das reservas internacionais. E, como no Brasil ainda existe quase tudo por fazer, uma desaceleração na China poderá levar a um novo ciclo de crescimento com ênfase na infraestrutura e moradia popular. Ou seja: assim como na Segunda Guerra Mundial e na crise que começou em 2008, uma retração global pode até beneficiar o Brasil. É claro que isso vale caso não estejamos sob a oposição de direita e seu “choque” neoliberal. Aí, teríamos uma depressão econômica de consequências trágicas.

pedro lobato pinto de moura

Meu pé ainda tem fruta, meu rio, peixe – vou comer até morrer.

Hell Back

Mais uma vez Marx acertou na mosca.

Jose C. Filho

Escancarada a fragilidade da alta e tecnológica civilização humana no planeta terra, esgotada 300 anos após a propagada revolução industrial. Felizes mesmo são os índios, àqueles poucos que não se deixaram conquistar pelos deuses brancos ocidentais. Esses, não precisam de dinheiro, aplicações, câmbio, BCs. e nem sabem o que é inflação ou deflação. Vivem totalmente livres em meio à natureza e não lhes falta alimentos.

R J F A

Perguntinha básica.. Quando a concentração de renda faz surgir uma distorção em que 85 pessoas físicas, possuem capital que supera 50% da população mundial, o que esperar dos Bancos Centrais dos governos deste mesmo mundo que criou este absurdo? Eles, os BCs, não conseguirão ter força de decisão capaz de inibir a especulação que estes 85 *jenios queiram fazer para abocanhar o restante dos 50% da riqueza mundial.

Francisco

Perguntas básicas (e necessárias) para os próximos dez, quinze anos?

1)Quantas pessoas empregadas existem hoje no mundo?

2)Quantas economias estão fora do sistema capitalista e, portanto, podem ser uma “reserva” de consumidores ao capitalismo (a China já “rodou”…)?

3)Quantas pessoas podem consumir o que é fabricado pelo capitalismo?

4)Dinheiro e papéis financeiros são comestíveis?

5)Ainda tem Amazônia suficiente para eu plantar uma roça de subsistência?

Mário SF Alves

“O chefe do Executivo do RS lamentou que o governo federal tenha rompido o acordo que havia sido firmado no final do ano para a votação do projeto e também manifestou preocupação com o fato de a pauta política do Senado ficar refém das agências de risco, que classificou como “instituições privadas que orientam a especulação global e que interferem nas políticas de governos”.”
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E precisava dizer mais?

Grande Tarso, diz aí, estamos ou não estamos ainda sujeitos ao garrote do imperialismo?

O companheiro Mantega diz que sim.
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O artigo que originou o comentário sugere que estamos diante de uma crise sistêmica/estrutural do capitalismo. O professor José Paulo Netto vai mais longe e diz que a de 29 se comparada a essa que está por vir é um anjinho barroco.
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O sistema turbinado a ZEROS E UNS revela-se cada vez mais insustentável. Experimentos sociais e econômicos conduzidos sob interesse da hegemonia financeira que levavam décadas pra embasar estudos de viabilidade, hoje são conduzidos em poucos meses. Neoliberalismo é a reinvenção ultraconservadora do capitalismo-financeiro. Acorda Guido! Outro mundo ainda é possível, doutor.

Até quando vamos desacreditar da capacidade de ação política e do poder de transformação do povo?

J Souza

Duas palavras no texto me “tocaram”: emprego e crédito.
Como leigo, vejo crédito fácil como criador de bolhas que, embora criem muitos empregos a curto prazo, destroem mais empregos a médio prazo…

    J Souza

    Crédito fácil não é a solução mágica para os problemas do mundo. A solução ainda passa por muito trabalho e perseverança. E o estudo continua sendo essencial para a realização de um bom trabalho, principalmente nos dias atuais.

    Joca de Ipanema

    J Souza,
    No que concerne ao Brasil, aqui não há o que se chama de crédito fácil. O sistema bancário brasileiro é amplamente ancorado num leque de serviços nos quais, o crédito, principalmente o pessoal, é apenas uma parte mínima dos ativos postos em risco. Também é lastreado por garantias e seguros sólidos. Os parâmetros são rigorosos. Mas, por fim, saiba que com a taxa de juros praticada nessas operações, com metade, se tanto, das amortizações do empréstimo, este já está pago. O lucro é de mais de 10 vezes o valor do custo de oportunidade. Basta constatar que as operações ativas cobram juros da ordem de 150%, ou mais, a.a. e as passivas não remuneram mais de 12& a.a.

José Ricardo romero

Se olharmos a questão por um outro ângulo vamos ver que crescimento para o neoliberalismo econômico é um fim em si. É o deslocamento da produção de riqueza para as grandes empresas que podem reinvestir além dos seus acionistas majoritários ficarem com a parte do leão. Assim, as empresas crescem e a economia do país também cresce, aumentando o desemprego, achatando salários e suprimindo ações sociais de melhoria de vida para a população porque muitas destas coisas “não dão lucro”. Ora, para os países latino americanos e emergentes como o Brasil, esta não é a lógica do governo. A lógica é a inversão daquela estratégia de forma que o crescimento vem como resultado do investimento da riqueza criada no e para o desenvolvimento do país. Mas isso dá pouco lucro. Daí o pânico. É preciso separar as duas lógicas e analisar estas questões à sua luz própria.

FrancoAtirador

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TARSO GENRO SOLTA O VERBO CONTRA AS AGÊNCIAS INTERNACIONAIS DE RISCO

E A COVARDIA DA EQUIPE ECONÔMICA QUE NÃO ENFRENTA O MERCADO ESPECULADOR
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Tarso critica ministro da Fazenda: não podemos ficar reféns das agências de risco

Tarso criticou rompimento de acordo firmado em 2013 sobre projeto da dívida dos Estados e disse que governo não pode ficar refém das agências de risco.

Por Marco Aurélio Weissheimer, na Carta Maior

Porto Alegre – O governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, criticou nesta quinta-feira (6) os argumentos apresentados pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, em uma reunião ontem no Senado, para defender a retirada do projeto que muda o indexador da dívida de estados e municípios com a União.
Mantega foi ao Senado conversar com governadores e líderes de bancadas e pediu que o projeto não fosse votado, o que, de fato, acabou acontecendo.
Segundo o ministro da Fazenda, uma mudança do indexador acarretaria perda de arrecadação para a União, o que seria visto pelo mercado como um sinal de gastança e poderia levar ao rebaixamento da nota do Brasil pelas agências classificadoras de risco.

O projeto em questão troca o atual indexador das dívidas, o IGP-DI, pelo IPCA.
Além disso, reduz os juros anuais, dos atuais 6% a 9% para 4%, e define a taxa básica de juros (Selic) como limitador do pagamento dos encargos.
Com a decisão de quarta-feira (5), a proposta não sai da pauta do Plenário, mas volta às Comissões de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e de Assuntos Econômicos (CAE), que têm 15 dias úteis para emissão do parecer sobre as emendas.
O prazo, porém, pode ser prorrogado por igual período.

Em conversa com jornalistas, nesta quinta-feira, no Hotel Embaixador, o governador gaúcho criticou a posição de Mantega:

“Os argumentos apresentados pelo ministro Guido para pedir a retirada do projeto da pauta de votação no Senado são completamente incabíveis e inaceitáveis.
O primeiro diz que o projeto aumentaria a dívida pública. Isso não é verdade.
Não há aumento da dívida pública, mas sim uma transferência de parte da dívida dos Estados com a União.
A dívida do setor público permanece a mesma.
Em segundo lugar ele disse que o projeto teria um impacto no superávit primário. Também não é verdade.
O que ocorre é a abertura de um espaço fiscal para os Estados que têm que querer utilizar esse espaço e a Secretaria do Tesouro Nacional tem que concordar com isso”, argumentou Tarso Genro.

O chefe do Executivo do RS lamentou que o governo federal tenha rompido o acordo que havia sido firmado no final do ano para a votação do projeto e também manifestou preocupação com o fato de a pauta política do Senado ficar refém das agências de risco, que classificou como “instituições privadas que orientam a especulação global e que interferem nas políticas de governos”.
E acrescentou:

“Espero que essa visão seja revista e que possamos em 45 dias aprovar esse projeto.
O governo interferiu de maneira paralela pedindo para adiar a votação em função de uma suposta conturbação nos mercados, como se essa conturbação nos mercados tivesse prazo para terminar.
O Brasil tem hoje reservas de 350 bilhões de dólares e não tem que ficar subordinado à opinião de agências de risco.
É uma postura técnica e financeiramente equivocada que descumpriu um acordo que havia sido feito no Senado”, criticou.

Tarso Genro participou da reunião com Guido Mantega ontem no Senado e contestou os argumentos apresentados pelo ministro.
“Eu disse a ele que os argumentos que estava usando eram errados, econômica e tecnicamente falsos inclusive.
Disse isso bem claro e com todo respeito que tenho ao Guido.
Essa argumentação que ele apresentou ontem é digna de um país que estaria com reservas furadas.
Nós somos um país que tem 350 bilhões de dólares de reservas e isso custou muito ao povo brasileiro.
Por isso, esses argumentos não podem ser aceitos”.

O governador gaúcho manifestou estranhamento com a postura do Ministério da Fazenda, classificando-a como “paralela e inaceitável” rompendo com um acordo que o próprio governo havia feito no final de 2013.

Tarso questionou a menção ao “cenário internacional instável”, feita por Mantega para defender a retirada do projeto da pauta de votações:

“Quando é que tivemos um cenário internacional estável para países periféricos ou países dos BRICS? Nunca.
Hoje temos uma economia financeira especulativa global e todos os países que não são do primeiro grupo são reféns deste capital especulativo. Então, não existe cenário internacional estável.
Isso é uma ilusão que, transitada como política, passa a compor a agenda dos governos.
O nosso governo ainda não havia sido pautado por isso, dessa forma.
Lamentavelmente, ontem foi”.

(http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Tarso-critica-ministro-da-Fazenda-nao-podemos-ficar-refens-das-agencias-de-risco/4/30204)
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    FrancoAtirador

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    Deflação é sinônimo de estagnação econômica,

    depreciação do salário, desemprego, recessão.

    E é tão prejudicial quanto a hiperinflação.

    É por isso que o Banco Central, aqui no Brasil,

    estabelece a meta de inflação com teto em 6,5%

    e PISO em 2,5%, centrando-a, como ideal, em 4,5%.
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Carlos N Mendes

Constatação que fiz anos atrás: por quê as maiores crises da Bolsa acontecem sempre próximas à terceira semana de outubro? Coincidência? Nãããooo, mas mas não mesmo… Eles chamam de ‘crise’. Na minha terra se chama ‘golpe’.

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