Urariano Mota: O romance da mulher excluída

Tempo de leitura: 3 min

por Urariano Mota, em Direto da Redação

Recife (PE) – Ouço agora nos ouvidos e no peito o frevo “Ultimo dia”. Ouço no peito porque esse frevo, que é anúncio de alegria e despedida com um título tão definido e definitivo, expressa também o sentimento que tenho em relação a meu próximo romance, editado pela Bertrand Brasil.

Digo meu e paro, porque devia dizer nosso romance, pois O filho renegado de Deus é um livro que escrevemos, eu, vocês, nossas vidas, nossas histórias e nossas infâmias. Mas que ainda assim é um livro terno e carinhoso. Como? Não sei de que cachorro doido é feito o homem, porque encontra lugar entre as crueldades para a ternura.

Tentarei explicar. Ainda ontem conversando com o meu filho, que depois de ler o romance me falou da realidade que descobrira, eu lhe disse que assim era porque o livro narra os crimes que temos debaixo do nariz, todos os dias, e não vemos.

Mas que crimes são esses? Em termos simples, o livro fala do desejo de amor impossível de Maria, mulher gorda, baixinha, semianalfabeta, no Recife dos anos 50. Notem o imenso paradoxo para todos os preconceitos: ser mulher, gorda e baixinha, tida como albacora, em um Recife tão cruel, tão raivoso e canino, de morder e uivar, na década de 50.

E que mais? É que, contrariando a nossa ânsia de modernidade, esse crime que discrimina pessoas e leva à morte, continua atual, amigos. Continua presente, agora mesmo, onde houver gente que não precisa ser gorda, nem baixinha, nem se chamar Maria, mas que é mulher ao seu lado, à sua vista, agora mesmo.

Leitor, olhe as camareiras do hotel. Olhe as operárias. Olhe as vizinhas, as empregadas domésticas, as faxineiras, as balconistas…. olhe a sua mãe, que se mata ou se matou sem um afeto, quantas Marias! É claro que o romance O filho renegado de Deus está entre a intenção de ser revanche contra uma ordem odiosa e a pretensão de ser uma obra de arte.

Não sei se consegui, mas sei que nele empreguei as minhas melhores forças e reservas. Se falhei, não foi por falta de ambição, acreditem. Estava, estou, estamos todos já fartos do mais ou menos, da paixão que se recolhe entre punhos de seda e regras de bem falar e conviver em sociedade. Chega. A vida urgente repele a falsidade.

Mas atenção, o livro não é uma tese. Não é um discurso de palanque, não está na campanha eleitoral nem na moda. É um romance. Da orelha do livro copio:

“O filho renegado de Deus faz uma denúncia e uma longa oração de amor para as mulheres vítimas da opressão cultural e de classes no Brasil. É um romance para a reflexão de todos os homens que conhecem as Marias encarnadas no espírito e na carne da Maria das páginas a seguir. Um livro que é, ao mesmo tempo, uma ressurreição e um acerto de contas.

Em O filho renegado de Deus, todas as Marias assassinadas pelo desprezo e pela injustiça ganham uma nova vida, eterna e amorosa, pelo poder criador da arte. E, na medida em que é uma ressurreição, é também um acerto de contas com a sociedade e a história que matam mulheres como se fosse natural, da natureza do homem que é fera.

Neste romance, o ajuste, o coração e o lirismo andam juntos, unidos, porque o livro pune e desnuda, no mesmo passo em que procura compreender no opressor um também oprimido. Mas cujo crime é indesculpável. Toda Maria de todos os tempos, na pessoa da Maria do romance, executada pelo desprezo e pela situação de nada ter, nem mesmo a própria vida…

Este livro fala para as mulheres violentadas, para toda mulher que não é respeitada como pessoa, mas tão somente como um corpo. E fala também para todos os homens, que não podem viver em uma sociedade tão mutiladora”.

Ou como escreveu Maria Inês Nassif:

“O filho renegado de Deus consagra um estilo. Urariano Mota tece histórias e personagens trafegando por realidades sociais e políticas, aprofundando o efeito devastador das injustiças e preconceitos sobre a humanidade.

Ele escreve: ‘Ama-se um gato, ama-se um cachorro, um papagaio, uma flor que ninguém quer ou vê. Talvez esse amor que deriva e vaga por objetos e coisas que não respondem, ou respondem abaixo da fome de amar, talvez sejam os sintomas do afeto que procura no mundo um indivíduo que lhe responda. Ou, quem sabe, o amor elástico, amplo e plástico onde tudo cabe’ ”.

O lançamento é na quarta-feira 8 de maio de 2013, às 19 horas, na Livraria Cultura do Paço Alfândega. Termino agora o texto e ainda escuto no peito o frevo Último Dia. Isso quer dizer, amigos: toca e tocará o primeiro dia para uma certa Maria, que sai do túmulo e do esquecimento.


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

Jeanette

Urariano,
Parabéns pelo lançamento do novo livro. Sucesso!!!

claudia

Se concluo bem o ‘Filho renegado de deus’ é uma filha (ou várias). Se pensarmos na história das sociedades humanas Jesus não é homem, é mulher. Muito sensível e pertinente tomar partido pelo menos uma vez da perspectiva feminina numa humanidade masculinista. Sempre que penso nessa temática (a mulher dominada na sociedade masculina), que não são poucas as vezes já que as situações para refletir sobre isso são inúmeras, me lembro quando tinha 12, 13 anos. Por um certo período pegava ônibus para ir voltar à escola e me lembro do pavor que tinha de homens pegando em meus cabelos e falando obscenidades. Depois, um pouco mais crescida, percebi que menina não podia andar sozinha na rua sem ser assediada em sampa (vi um pau em primeira mão de um homem que parou de carro para pedir informação e tirou pra fora). Terrível! Até hoje utilizo tecnicas para afugentar essas coisas nojentas na rua, faço o velho sinal do dedo enfiado na garganta para afugentar.

Deixe seu comentário

Leia também