Toni Reis: Debate sobre atendimento médico envolve a sociedade

Tempo de leitura: 3 min

Mais médicos, menos xenofobia, mais solidariedade

por Toni Reis, via e-mail

Ao se pronunciar sobre uma profissão da qual você já precisou, está precisando ou vai precisar, é preciso ter cuidado e habilidade. Assim, organizações como os conselhos de medicina estão no direito de defender a profissão e também lutar pela garantia da infraestrutura necessária para o adequado funcionamento dos serviços de saúde pública, além dos R$ 15 bilhões que deverão ser investidos nesta área pelo Ministério da Saúde até 2014. Por outro lado, não se pode resvalar no preconceito, na discriminação, na xenofobia e no corporativismo.

Eu, como uma pessoa que sempre defendeu o não preconceito e a não discriminação, fiquei deveras triste com a hostilidade com que foram recebidos os médicos cubanos no aeroporto do Fortaleza na semana passada, sendo xingados, maltratados e apelidados de “escravos”. Até ouvi e vi nas redes sociais pessoas falando que os/as médicos/as de Cuba têm mais cara de empregada doméstica e taxista. Infelizmente, não foi um fato isolado. Isso é discriminação, além de desrespeito a essas profissões tão necessárias. Nesse sentido, temos que discutir a situação.

Os fatos apontam para a urgente necessidade de agir, pelo bem da saúde do povo. Como disse Hipócrates: “Para os males extremos, só são eficazes os remédios intensos”. O Brasil hoje tem um déficit de 15.460 médicos na atenção básica à saúde. Não há médicos nas áreas mais pobres das regiões Norte e Nordeste, e este cenário se repete em cidades do interior, em outras regiões, e também nas periferias das grandes cidades. Cerca de 700 municípios sequer têm um médico que resida neles.

Numa tentativa de suprir esse déficit, o governo federal lançou o programa Mais Médicos para o Brasil, priorizando médicos brasileiros, seguidos de brasileiros graduados no exterior e por, último, de médicos estrangeiros. Apesar do número grande de médicos brasileiros que inicialmente se candidataram para integrar o programa, no final das contas, só 938 se habilitaram, junto com 194 brasileiros formados em outros países.

Ou seja, o número de habilitados ficou muito aquém da necessidade, resultando no recurso à terceira alternativa: contar com apoio de médicos de outros países que atendam os critérios de ter conhecimento da língua portuguesa e ser proveniente de um país que tenham mais médicos por mil habitantes que o Brasil (1,79), segundo preconiza a Organização Mundial da Saúde.

Só quem está  doente nos confins do nosso Brasil  sabe o que significa ter acesso a um médico quando dele se precisa. A pessoa doente quer  médico, seja paulistano, marciano ou  cubano. O importante é diagnosticar, medicar e fazer cumprir a Constituição Federal, que determina que a saúde é direito de todos e dever do Estado.

Com o programa Mais Médicos, o Estado está procurando cumprir sua obrigação perante os cidadãos. Este programa foi aprovado e elogiado pela Organização Pan-Americana da Saúde, que também é sua parceira.

O Sistema Único da Saúde (SUS) é exemplo para o mundo pela sua forma democrática de funcionamento. O SUS tem instâncias garantidas de controle social: os conselhos e as conferências de saúde. Quem está insatisfeito ou quer melhorar a saúde pública, seja um usuário, um trabalhador, um prestador ou até um gestor do serviço, deveria exercer seu direito e dever de cidadão e participar dessas instâncias como meio legítimo, conquistado a duras penas, de incidir sobre as políticas públicas de saúde.

O boicote, o corporativismo, o preconceito, a discriminação e a xenofobia demonstrados por certos integrantes da classe médica em relação aos médicos estrangeiros são táticas e atitudes nada democráticas que não condizem com o espírito do juramento hipocrático, que vale lembrar:

“Prometo que, ao exercer a arte de curar, mostrar-me-ei sempre fiel aos preceitos da honestidade, da caridade e da ciência, penetrando no interior dos lares, meus olhos serão cegos, minha língua calará os segredos que me forem revelados, o que terei como preceito de honra…” (Hipócrates. 450 a.c.).

Este debate tem que envolver a sociedade toda, não só médicos e governo.

Sigamos em frente na luta por um Sistema Único de Saúde que atenda todos e todas, de forma universal, equânime, integral e solidária.

Toni Reis é professor formado em Letras pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), especialista em sexualidade, mestre em Filosofia e doutor em Educação. É secretário da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT).

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Comentários

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Ajuricaba da Amazônia

Acho que o Programa Mais Médicos implementado pelo governo, para atender populações carentes e sem assistência à saúde, de regiões interioranas do país e periférica das grandes cidades, onde a maioria dos profissionais de medicina não queriam ir, está correto e foi acertado a iniciativa, uma vez que esses médicos selecionados, são contratados em caráter emergencial, para ajudarem a corrigir esse passivo, historicamente, vergonhoso para nosso país.
Por outro lado, entendemos que o Programa é um bom início e uma oportunidade que surge para chamar-se a população interessada e suas organizações representativas, para participar no que for possível, para que seja corrigido alguns desvios na área de saúde do país, como:
i) promover-se um censo real pela União, Estados/DF e Municípios, da quantidade de estabelecimentos de saúde por tipo e por quantidade leitos necessários, existentes e a construir;
ii) promover-se um censo real pela União, Estados/DF e Municípios, da quantidade de médicos e de outro profissionais da área de saúde, por tipo de contrato (20horas ou 40 horas semanais); por especialidade; por local de trabalho; por freqüência, horário efetivo de trabalho no local de lotação e resultados apresentados; etc;
iii) Afixação em locais de fácil visibilidade de cada estabelecimento de saúde, além dos recursos, despesas prioritárias e metas mensais, também de relação nominal dos profissionais de saúde, por especialidades/cargos, período, etc, que, se encontram em plantão em cada turno, bem como dos responsáveis pela supervisão e fiscalização dos mesmos;
iv) Chamar-se a sociedade, através de suas organizações representativas como Assembléias Legislativas Estaduais, Câmara de Vereadores, Partidos Políticos, Associações/Federações de Moradores/Bairros , Sindicatos Corporativistas de Cidadãos, etc, para que cumpram bem suas atribuições voltadas ao bem-estar do povo, contribuindo na fiscalização dos estabelecimentos de saúde, na aplicação dos recursos disponíveis, das despesas realizadas, apresentação de sugestões visando o bom atendimento dos clientes, com qualidade, agilidade e seguraça.

J Souza

O governo teve anos e anos para preparar o orçamento e formular uma proposta que não pisoteasse os direitos trabalhistas garantidos pelas leis brasileiras.
Os políticos vão continuar insistindo que a culpa é dos médicos. Por que será? Se não for dos médicos, de quem será?

    J Souza

    Com a palavra, um médico cubano…
    http://www.youtube.com/watch?v=_dUTJ8kNSTk&sns=tw

    tales

    Zzzzzzzzzzzzzzz… O cara só lê a veja o ano inteiro e sem nenhum argumento plausível vem dar pitaco aqui. Vai perturbar os sites e blogs do PiG e da extrema-direita-mídeo-golpista.

    J Souza

    Qual é mesmo o seu “argumento” no comentário que fez?

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