Thiago Henrique Silva: Por um SUS do tamanho do povo brasileiro

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Por um Sus do tamanho do povo brasileiro

Thiago Henrique Silva, no portal do Cebes

O café da manhã desta terça, 17 de maio, veio acompanhado de notícia indigesta. Afinal, ler em jornal de grande circulação que o atual titular do – ilegítimo – Ministério da saúde dizendo que o SUS não cabe no Estado Brasileiro e que terá que ser “adequado” para “caber” não costuma descer bem como pão de queijo e café quente.

Causa espanto a avassaladora velocidade que o governo do golpe avança por sobre os direitos sociais com a maior serenidade. Também pudera, sem precisar passar pelo crivo dos votos num país onde pobre ainda vota (ainda), o ar de confiança enche o peito de quem sempre quis fazer tais atrocidades contra a Constituição de 1988, mas nunca conseguiu um sorriso da sorte. Com o golpe, a facilidade em se colocar em público uma agenda ultraliberal e conservadora é tamanha que tem pego até seus apoiadores recentes de surpresa.

Para que o torpor pela declaração do Ministro ilegítimo Ricardo Barros (PP-PR) não capture nossas mentes, é importante respirar fundo e refletir um pouco. Alguns elementos são centrais neste processo:

A) Este processo não é novo e nem acontece só no Brasil. Desde a crise econômica de 2008, o mundo ainda não conseguiu se recuperar. E quem fala é Christine Lagarde, do FMI, que afirmou com todas as letras que o mundo saía da crise sem se recuperar plenamente, adentrando numa era do “novo medíocre”, ou seja, num longo período de crescimento baixíssimo das economias mundiais.

Diante deste cenário e da torra de trilhões de dólares naquele fatídico 2008, os mercados das “mãos invisíveis” começaram a pousar seus gordos olhos nos Fundos Públicos, pilares das políticas de proteção social (assistência, saúde, previdência) e educação.

B) Não à toa surge nos últimos anos a partir de documentos do próprio Banco Mundial, em parceria com a OMS, a proposta da Cobertura Universal de Saúde.

Neste sentido, os países não teriam mais Sistemas Universais, gratuitos, enquanto direitos sociais inscritos em suas Cartas-Magnas, mas uma mistura entre provimento de saúde para população pobre pelo Estado e seguradoras de saúde e planos privados para quem pudesse pagar.

Ou seja: um sistema de saúde segmentado, onde o setor público atenderia os cidadãos de “segunda categoria” que não tem dinheiro, e os cidadãos “diferenciados” teriam acesso aos planos privados de saúde.

Tal proposta vem de encontro à nova narrativa dos mercados de que os Estados não têm mais dinheiro para financiar as políticas públicas. Percebam que a cara de pau dos mercados se assemelha à do ministro: depois que trilhões de dólares foram torrados para salvar bancos e seguradoras, agora não tem mais dinheiro para sustentar o Sistema de Saúde… Curioso não?

C) São dezenas os artigos dos economistas liberais que afirmam esta tese. Samuel Pessoa, em seu artigo intitulado “A Crise atual” (escrito em maio de 2015), na Revista do Cebrap nº102, defende que os desequilíbrios atuais também se explicam por “possível esgotamento do pacto social da redemocratização”.

Delfim Netto, em sua coluna semanal no Valor Econômico, já nos brindou com várias conclusões nesse sentido. A agenda de corte drástico dos direitos garantidos na constituição de 1988 está na agenda destes senhores há tempos. Mas por que nunca se materializou em discursos como o do atual ministro usurpador da Saúde?

D) No Brasil esta narrativa sempre existiu, mas nunca ganhou uma MÍSERA ELEIÇÃO!

Por quê? Porque mesmo os partidos de direita (que nunca o admitiam plenamente, no máximo se diziam centro-direita) não podiam negar a extrema desigualdade,pobreza, miséria, fome, falta de educação e assistência à saúde para milhões de pessoas.

Por mais que eles não se importassem com isso ao chegar ao poder, não podiam prometer que não o fariam na eleição! E se nada fizessem, sua sobrevivência política também estaria ameaçada. Junte-se a isto o fato de que o processo democrático e o fortalecimento da sociedade civil desde os anos 80 fizeram com que o contexto concreto da luta política empurrasse o Brasil para avançar, mesmo que vagarosamente, em torno destes direitos.

E é EXATAMENTE este fato que mais incomoda os liberais autênticos brasileiros! A democracia brasileira sempre lhes foi um problema, e não uma solução. Quem tiver dúvidas, sugiro fortemente a leitura do artigo supracitado.

E) O mais curioso – e espantosamente curioso – é que estes senhores falam dos gastos em políticas públicas como a Saúde como se fossem uma bigorna nas costas do Estado, mas omitem completamente as reais causas dos nossos desequilíbrios fiscais!

Omitem completamente que os juros escorchantes consomem uma parte do orçamento público imensamente superior ao que se gasta com Saúde nas três esferas de governo.

Omitem que o regime tributário regressivo e extremamente injusto do Brasil é causa importante de desigualdade.

Omitem que as políticas econômicas operadas desde 1988 nunca permitiram que tivéssemos um Sistema de Saúde decente, universal e de qualidade.

Omitem que sua sanha em manter nosso país subserviente aos interesses econômicos dos EUA e nos desvincular dos BRICS e Mercosul significa nos manter como economia exportadora de commoditties, o que nunca vai permitir a este país um desenvolvimento autônomo de sua indústria, ciência e tecnologia, que podem gerar riquezas para superar nosso subdesenvolvimento histórico!

Ignoram que apenas há poucos anos, com o Programa Mais Médicos, uma parte expressiva do povo brasileiro teve acesso continuado à sua saúde. Ignoram as filas, a falta de medicamentos, as mortes nas unidades de terapia intensiva, os pacientes com sequelas permanentes porque não conseguiram tratar o diabetes, ignoram o sofrimento de milhões de brasileiros que nunca conseguiram ter um acesso digno à Saúde!

Se ainda tem muito a melhorar, estes senhores ainda têm o topete de nos dizer que o SUS tem que diminuir?

F) É preciso que se dê claramente o nome aos componentes da boiada: os golpistas estão indo com tanta sede ao pote porque só através deste golpe poderiam avançar com tanta vontade para sepultar os direitos de 1988. Era disso que falávamos quando denunciávamos o que estava por trás do golpe! Como se pode ver pela conformação ministerial, este golpe nunca se preocupou com limpeza ética alguma.

G) Não, senhor ministro do golpe. O SUS não será reduzido. Ele será do tamanho do povo brasileiro!

O SUS é o maior patrimônio da nossa frágil democracia, e vamos lutar por ele com todas as forças. Queremos transplantes, políticas de sucesso de HIV/AIDS, Saúde da Família, Mais Médicos, acesso público e gratuito a medicamentos e tratamentos e muito mais! Lutaremos contra o fechamento de qualquer equipamento de saúde! Lutaremos contra qualquer retrocesso! O povo não pagará por vosso ajuste!

Thiago Henrique Silva é diretor do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) e integrante da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares.

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