Stiglitz: Europa continua a brincar à beira do abismo com a Grécia

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Stiglitz: a Europa brinca à beira do abismo

Exigências absurdas à Grécia revelam governantes incapazes tanto de agir solidariamente quanto de compreender riscos de sua ambição e cegueira

por Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia, no Outras Palavras, Tradução: Antonio Martins

Os governantes da União Europeia continuam a brincar à beira do abismo com a Grécia. Atenas atendeu a bem mais da metade das demandas de seus credores. Mas os governos da Alemanha e de outros países continuam a exigir que Atenas assine um programa que comprovadamente fracassou, e que poucos economistas acreditam que poderia, deveria ou seria implementado.

A mudança na situação fiscal da Grécia, de um grande déficit primário para um superávit, foi quase inédita, mas a exigência de que o país obtivesse o superávit primário de 4,5% do PIB foi insana. Infelizmente, no momento em que a “troika” – Comissão Europeia, Banco Central Europeu-BCE e Fundo Monetário Internacional – incluiu esta reivindicação irresponsável no programa de financiamento internacional para a Grécia, as autoridades do país não tinham escolha, exceto aceitá-la.

A loucura de continuar perseguindo este programa é particularmente aguda agora, depois que o PIB da Grécia declinou 25% desde o início da crise. A troika avaliou muito mal os efeitos macroeconômicos do programa que impôs. Segundo suas previsões oficiais, acreditavam que, após a redução de salários e outras medidas de austeridade, as exportações gregas cresceriam e o país logo retomaria o crescimento. Também supunham que a primeira reestruturação dos débitos levaria a uma dívida sustentávavel.

As previsões da troika fracassaram repetidamente. E não por pouco, mas por uma margem enorme. Os eleitores gregos estavam certos quando exigiram uma mudança de trajetória, e seu governo está certo quando se recusa a assinar um programa profundamente falho.

Isso dito, é importante lembrar que há espaço para um acordo. A Grécia deixou clara sua vontade de realizar reformas e saudou o possível apoio da Europa na implementação de algumas delas. Uma dose de realismo por parte dos credores – sobre o que é alcançável e sobre as consequências macroeconômicas de diferentes tipos de reforma fiscal e estrutural – poderia criar as bases para um acordo bom não apenas para a Grécia, mas para toda a Europa.

Mas na Europa, e especialmente na Alemanha, alguns parecem indiferentes quanto a uma possível saída da Grécia da zona do euro. O mercado, dizem eles, “já precificou” tal ruptura. Alguns até sugerem que ela seria útil à união monetária.

Estou convencido que tais pontos de vista subestimam gravemente os riscos envolvidos – tanto presentes, quanto futuros. Um grau similar de alienação era evidente nos Estados Unidos, antes do colapso do banco Lehman Brothers, em setembro de 2008. A fragilidade dos bancos norte-americanos era conhecida há muito – ao menos desde a quebra do Bear Stearns, meses antes. Mas, dada a falta de transparência (devida em parte à frágil regulação), tanto os mercados quanto os políticos não enxergaram completamente os laços e o risco de contágio entre as instituições financeiras.

Ocorre que o sistema financeiro mundial ainda sofre os choques derivados do colapso do Lehman. Os bancos permanecem opacos, e portanto sob risco. Não sabemos a extensão real dos vínculos entre as instituições financeiras, inclusive aquelas mergulhadas em derivativos e operações de troca de dívida vencida não transparentes.

Na Europa, já é possível ver algumas das consequências da regulação inadequada e do desenho torto da própria zona do euro. Sabemos que a estrutura da eurozona encoraja a divergência, não a convergência: quando o capital e pessoas talentosas deixam as economias atingidas por crises, estes países tornam-se menos capazes de pagar suas dívidas. Quando os mercados percebem que uma espiral descendente viciosa está estruturalmente associada ao euro, as consequências da próximacrise tornam-se profundas. E outra crise é inevitável: isso está na própria natureza do capitalismo.

O truque de confiança do presidente do BCE, Mario Draghi – na forma de sua declaração de 2012, segundo a qual as autoridades monetárias farão “o que fosse necessário” para preservar o euro –

funcionou até agora. Mas a percepção de que preservar a eurozona nãoé um compromisso pétreo, entre seus membros, tornará este truque muito mais frágil, da próxima vez. Os juros impostos aos títulos dos países devedores poderiam disparar, e nenhuma declaração de conforto do BCE ou dos líderes europeus seria suficiente para baixá-los de níveis estratosféricos, porque o mundo agora saberia que tais autoridades não farão “o que for necessário”. O exemplo grego teria demonstrado que elas farão o que os cálculos de curto prazo da política eleitoral demandarem…

Temo que a consequência mais importante seja o enfraquecimento da solidariedade europeia. Esperava-se que o euro pudesse fortalecê-la. Ele provocou o efeito oposto.

Não é de interesse da Europa – ou do mundo – afastar um país periférico europeu de seus vizinhos, especialmente agora, quando a instabilidade política é tão evidente. O Oriente Médio está em chamas. O Ocidente tenta conter a Rússia. A China, já hoje a maior fonte mundial de poupança, o país com maior comercio externo e a maior economia (se levado em conta o poder de compra das moedas) confronta o Ocidente com novas realidades econômicas e estratégicas. Não é hora de uma Desunião Europeia.

Os líderes europeus viam a si mesmos como visionários, quando criaram o euro. Pensavam enxergar além das demandas de curto prazo que normalmente ocupam os líderes políticos.

Infelizmente, sua compreensão sobre Economia foi menor que sua ambição; e a política daquele momento não permitiu criar uma estrutura institucional que tivesse permitido ao euro funcionar como se esperava. Embora se acreditasse que a moeda única traria prosperidade inédita, é difícil detectar um efeito positivo para a zona do euro como um todo, no período anterior à crise. Quando ela sobreveio, os efeitos adversos foram enormes.

O futuro da Europa e do euro depende agora de uma pergunta. Seus governantes serão capazes de combinar algum entendimento de Economia com sentido visionário e preocupação com a solidariedade europeia? Provavelmente, começaremos a descobrir a resposta desta questão existencial nas próximas semanas.

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Comentários

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Bacellar

Não posso acreditar que esses caras (da U.E.) simplesmente sejam burros e estejam fazendo barbeiragens desse calibre por engano ou apego ao neoliberalismo de cartilha.

Talvez diante da gravidade da situação grega saibam que não existe remédio no receituário econômico e resolveram fazer da Grécia um laboratório, mesmo com os pesados custos e riscos à U.E..

A experiência seria impor o impossível nos ajustes e inviabilizar o governo do Syriza. Aprofundar a crise e mandar um recado para o mundo: Ruim com governos “austeros”; caos total sem eles. Quando a crise atingir um ponto determinado de saturação apoiar e financiar setores conservadores para colocar na Grécia um governo ultra-neoliberal e truculento, utilizar o aparato midiático para anunciar o sucesso do novo governo.

    Bonobo, Severino de Oliveira

    O problema, eu penso, é que o mundo hoje é todo governado pelos 80 mil milionários em qualquer lugar e a ordem é destruir qualquer iniciativa que ouse confrontar a regra de total submissão à cartilha imposta pelo Deus Mercado.

    Considero que o caminho está no que disse o Locatelli. Chega de capitalismo. Em qualquer lugar do mundo é um desastre que se espalha e causa cada vez mais estragos. Corrompe instituições como fez até na suposta “democracia” modelo do capitalismo, onde o capital comprou o Congresso nos anos 90 e explodiu a economia mundial em 2008, graças à flexibilização das regras de controle do sistema financeiro que permitiu a criação das bolhas e pirâmides da felicidade. Todos contra a intervenção do Estado até que a farra chegou ao limite e a bandidagem veio correndo pedir a ajuda do Estado para tapar os rombos com o dinheiro do contribuinte. A corrupção está no DNA do capitalismo. Já deu!!!

Francisco

A Europa como a conhecemos começou com a Grécia e a União Europeia acabará quando a Grécia “acabar”.

Quem ganha? Os europeus revelando-se surpreendentemente tolos, ingênuos e crédulos…

Andre

A UE insiste em um plano falho do ponto de vista dos indicadores econômicos porque ele não foi falho do ponto da classe que a cúpula da troika e da UE representa: a dos muito ricos, dos grandes capitalistas. Não é uma questão de racionalidade econômica, economistas keynesianos insistem na ‘boa politica econômica’ e se esquecem da economia politica. A saída é formar uma outra UE, uma UE dos trabalhadores e não da aristocracia capitalista.

Roberto Locatelli

Estou entre os que consideram que o capitalismo já deu o que tinha que dar. Todo sistema econômico tem uma infância, uma era de ouro, uma velhice e uma morte. Os grandes impérios, que se proclamavam eternos, caíram. Caiu
Roma, caiu o Império Mongol, veio o feudalismo, que também se foi, depois a Revolução industrial.

A Rússia derrubou o capitalismo em 1917, mas o substituiu por uma caricatura macabra do socialismo, sob a batuta do ditador Stálin.

Agora é hora de a humanidade decidir se continua suma marcha rumo à barbárie ou se substitui o capitalismo por um sistema mais equânime.

    Museusp Batista

    That’s the point!! Já deu! Além de ser um sistema que traz em si o embrião da corrupção, como está evidente aqui e alhures, para onde se observar, o sistema tem um antagonismo atávico com o Estado sem o qual não sobrevive, nem a sociedade civilizada e nem, tampouco, o próprio Capitalismo. Então, além de carregar o germen da degradação humana (ou de ser o catalizador de suas imperfeições) ainda padece dessa singularidade insólita de trazer em si mesmo a própria inviabilidade. O maior exemplo da inviabilidade desse sistema está presente exatamente na nação que o simboliza, onde foi implantado com tanto sucesso que conseguiu corromper até as instituições (vide desregulamentação do sistema financeiro) e produzir uma sociedade excludente e preconceituosa, condicionada por um sistema de comunicação dominado pelo capital, confirmando as previsões de Joseph Pulitzer. Ou seja. Onde deu certo, o resultado não é bom.

    Bonobo, Severino de Oliveira

    A prova cabal e devastadora de que o Capitalismo está no DNA das crises e da corrupção do sistema financeiro mundial é que foi no reino do Capitalismo mundial que a crise grega foi gestada pelos mesmos atores que ora atuam no desfecho do espetáculo de tragédia. A Grecia começou a afundar quando contratou o Goldman Sachs para fazer a maquiagem dos números da sua economia para se habilitar a entrar na Zona (no sentido literal e figurado) do Euro, lá pelos anos 2000. Quem era o coordenador de operações internacionais do Goldman Sachs? Mario Draghi. O mesmo que agora parece ter importante papel na coordenação da Troyka e cobra a “austeridade” do governo Grego que lá atrás eles mesmo corromperam.

    “Como o Goldman Sachs ajudou a quebrar a Grécia”

    http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/Como-o-Goldman-Sachs-ajudou-a-quebrar-a-Grecia/6/24732

FrancoAtirador

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“Este Fascismo Financeiro, que toma conta do mundo e agora se prepara para esmagar a Grécia,
se não for brecado em países mais fortes, como é o nosso, fará desaparecer
não só as liberdades políticas democráticas, porque tornará irrelevantes os partidos e os governos,
mas também fará desaparecer ‘todo o Sistema de Direitos Individuais e Coletivos’.
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A questão democrática em curso, hoje, integra de maneira incontornável
a crise da democracia com a crise financeira do Estado.”
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Por Tarso Genro, na Carta Maior.
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(http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Tarso-Genro-Os-cidadaos-servos-e-o-Congresso-do-PT/4/33720)
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