“Não somos solidários com a morte dos outros, em especial dos jovens negros pobres da periferia”

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chacina de osasco, barueri e itapevi

 ‘Chacinas revelam anestesia moral’, diz sociólogo

Luís Guilherme Barrucho – @luisbarrucho, Da BBC Brasil em Londres, sugerido por Antônio David

22 agosto 2015

Nas décadas de 1980 e 1990, execuções em massa levavam pânico e terror à região metropolitana de São Paulo. Moradores viviam assustados e corpos amanheciam estirados pelas ruas. O cenário mudou ─ para melhor ─, mas as chacinas não foram extintas. Pelo contrário, continuam a assombrar a população e turbinar as estatísticas de criminalidade.

O sociólogo Sérgio Adorno conhece a fundo o problema. Coordenador do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP, ele é uma das principais referências no estudo sobre o tema.

Na quinta-feira passada, uma chacina em Osasco e em Barueri resultou na morte de 18 pessoas e suscitou temores de um novo ciclo de violência.

Um levantamento do Instituto Sou da Paz, com base em dados obtidos junto à Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP SP), mostra que o número de mortos em chacinas na Região Metropolitana de São Paulo dobrou no primeiro semestre deste ano na comparação com o mesmo período de 2014 ─ e sem que as vítimas fatais do episódio mais recente fossem contabilizadas.

Em entrevista à BBC Brasil, Adorno abordou as causas mais comuns para as chacinas, o papel da polícia como fator gerador de violência e a comoção popular ante este tipo de crime.

“Vivemos uma ‘anestesia moral’. Não nos sentimos solidários com a morte dos outros, especialmente dos mais vulneráveis. Não se generalizou no Brasil o sentimento de que a defesa e a promoção da vida é um direito de quem quer que seja, mesmo de um criminoso”, afirma.

Confira abaixo os principais trechos da entrevista.

BBC Brasil – Na semana passada, uma chacina resultou na morte de 18 pessoas na Grande São Paulo. Nas décadas de 80 e 90, esse tipo de crime era muito mais frequente. Por que até hoje execuções sumárias como essa ocorrem?

Adorno – As causas são complexas. Infelizmente, não temos estudos que permitam uma radiografia completa desses acontecimentos. Para isso, seriam necessárias investigações rigorosas e imparciais, o que, na grande maioria das vezes, não acontece.

Como resultado, nós, pesquisadores, ficamos dependendo ora do que é veiculado pela imprensa ora do que ouvimos em campo. É claro que essas informações são muito importantes, mas também são extremamente parciais. Mas temos algumas certezas.

BBC Brasil – Quais são elas?

Adorno: Em primeiro lugar, observamos que as chacinas costumam ser fruto de disputas pelo controle de território e de negócios ilícitos, seja entre grupos criminosos ou entre criminosos e a polícia. Em segundo, que esse tipo de crime tende a aumentar nos períodos em que crescem as mortes praticadas pela polícia.

É o que chamo de ‘ciclo de vinganças’. Ou seja, um policial é assassinado e a partir daí várias pessoas são executadas, muitas delas sem qualquer envolvimento com atividades criminosas. Aqui vale lembrar que mesmo que elas não fossem inocentes, deveriam estar sujeitas ao Estado de Direito, julgadas e processadas segundo as regras que prevalecem numa sociedade democrática.

Por último, que as chacinas têm um componente racial muito forte. A imensa maioria das vítimas é jovem, negra e pobre. E moradora da periferia das regiões metropolitanas.

Sérgio Adorno: "As chacinas têm um componente racial muito forte. A imensa maioria das vítimas é jovem, negra e pobre. E moradora da periferia das regiões metropolitanas"

Sérgio Adorno: “As chacinas têm um componente racial muito forte. A imensa maioria das vítimas é jovem, negra e pobre. E moradora da periferia das regiões metropolitanas”

BBC Brasil – Por que as chacinas parecem ter localização e alvo muito específicos?

Adorno: Não podemos generalizar. Mas na periferia encontramos uma carência de instituições de promoção de bem-estar e de proteção social; escolas e hospitais são algumas delas. Por outro lado, há também casos em que regiões desprovidas disso apresentam taxas de violência muito baixas.

Nesse caso, outros fatores têm de ser analisados. De qualquer forma, o alvo é normalmente o mesmo: a população de baixa renda, especialmente a de jovens negros pobres. Há um componente racial indissociado às chacinas.

Embora estudos mostrem que o negro não seja potencialmente mais criminoso do que o branco, essa associação entre cor e crime continua sendo muito forte. Não existe aleatoridade. O crime não é privilégio de raça, mas a punição é.

BBC Brasil: Essa é uma das razões pelas quais esse tipo de crime não gera grande comoção popular?

Adorno: Sim. Faça uma reflexão: o que aconteceria se o mesmo crime tivesse acontecido em alguma região nobre da cidade? A comoção popular seria provavelmente muito maior.

Mas também vivemos uma ‘anestesia moral’. Estamos anestesiados pela violência, e não nos permitimos nos preocupar com os outros, especialmente os mais vulneráveis.

Tampouco se generalizou no Brasil o sentimento de que a defesa e a promoção da vida é um direito de quem quer que seja, independentemente das diferenças de raça, etnia, classe social, procedência regional. Pelo contrário, o pensamento generalizado é de que os direitos devem ser preservados apenas para quem obedece às leis. Já aqueles potencialmente transgressores não devem ter nenhum direito, inclusive direito à vida.

BBC Brasil: A participação de policiais em chacinas é apontada como frequente. Qual papel cabe à polícia nesse processo?

Adorno: A sociedade tem de cobrar da polícia respeito às leis. Quando a população entende que o policial está numa guerra e nesse conflito armado ele pode usar a força letal sem limites, o Estado de Direito sai enfraquecido.

Temos de fazer uma crítica sobre como a polícia funciona, ao modo como ela está organizada e como exerce suas atribuições constitucionais. Interessante notar que a polícia como instituição tem, notoriamente, um grau de confiabilidade muito baixo junto à sociedade, mas isso não se reflete na maneira como parte dela vê os agentes policiais. Basta ver as ‘selfies’ registradas com PM’s durante as manifestações do último domingo.

Não podemos divorciar o desempenho da polícia de seus integrantes. Temos de discutir a natureza das decisões, como elas operam e por que elas produzem esses policiais que são violentos e causam essas mortes.

BBC Brasil: Existe solução possível para as chacinas?

Adorno: Existe, mas essa solução tem de ser conjunta, entre governo e sociedade. Do lado do Estado, é necessária uma ampla reforma da atual política de segurança. E isso inclui uma apuração rigorosa sobre a responsabilidade criminal de agentes que violem as leis.

A impunidade é um elemento-chave nesse processo. Se o policial que comete um crime não for punido, ele se sente legitimado e vai cometê-lo novamente. Do nosso lado, temos de construir uma base de solidariedade pela qual todos sintam que preservar a vida é um valor absoluto.

A maioria de nós não se dá conta de que a situação que vivemos hoje não favorece a ninguém. Não é saudável viver numa sociedade onde nos sentimos permanentemente ameaçados. Enquanto não pensarmos em uma política de segurança pública que beneficie a todos sem qualquer tipo de distinção ─ e que defenda o direito à vida, não teremos paz.

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abolicionista

https://www.youtube.com/watch?v=K4IRn55k3hw

Pato N’água foi um diretor de bateria da Vai-Vai, escola de samba do bairro do Bexiga, no centro de São Paulo. Assassinado pelos grupos de extermínio paramilitares de Médici em 69, seu corpo foi encontrado boiando numa lagoa em Suzano. Negro e sem antecedentes criminais, foi mencionado nas manchetes: “Bandido morto pelo esquadrão da morte”. Bandido, na época, significava preto, pobre ou comunista. Muita coisa mudou de lá pra cá, e muita coisa continuou exatamente igual…

Bacellar

Denunciar as violências sofridas pelos mais pobres -e a própria condição de miséria em si é uma forma de violência- no Brasil é tarefa ingrata. Falo isso com meus 15 anos de foto-documentarismo nas costas…A gente se rala, corre risco, ganha mal e ainda leva fama de “gostar de tragédia” e fazer fotos “de mal gosto”…TNC….

FrancoAtirador

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Tantas vezes me mataram,
Tantas vezes eu morri,
E no entanto estou aqui
Ressuscitando.
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Agradeço à tal desgraça
E à mão com o punhal,
Porque me matou tão mal.
E segui cantando.
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Tantas vezes me apagaram,
Tantas desapareci,
A meu próprio enterro fui
Só, e chorando.
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Um nó em meu lenço fiz,
Mas depois eu esqueci
Que não era a única vez,
E segui cantando.
.
Tantas vezes te mataram,
Tantas ressuscitarás,
Tantas noites passarás
Desesperando.
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E na hora do naufrágio
E a da escuridão
Alguém te resgatará,
Para ir cantando.
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Cantando ao sol,
Tal como a cigarra
Depois de um ano
Embaixo da terra,
Igual ao sobrevivente
Que volta de uma guerra
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COMO LA CIGARRA
(María Elena Walsh)*
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Por Mercedez Sosa: (https://youtu.be/yzUAUv16x6k)
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Por León Gieco: (https://youtu.be/YUH8me2z4Yo)
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A CIGARRA
(Versão: Renato Teixeira)
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Por Renato Teixeira:
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Por León Gieco e Renato Teixeira: (https://youtu.be/ioohfifASa0)
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(*) María Elena Walsh (1º/02/1930-1º/01/2011):
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Poetisa, Compositora e Intérprete Argentina
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(https://es.wikipedia.org/wiki/Mar%C3%ADa_Elena_Walsh#Democracia.2C_reconocimiento_y_libros)
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Documentário: (https://youtu.be/vMCDOCQFiIs)
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    FrancoAtirador

    .
    .
    “Cada um de nós
    Compõe a sua história
    Cada ser em si
    Carrega o dom
    De ser capaz
    E ser feliz”
    .
    Renato Teixeira/Almir Sater
    (https://youtu.be/OuiNZpLwJfQ)
    (https://youtu.be/FLytAsLw6V0?t=3527)
    .
    EU SÓ PEÇO A DEUS
    (León Gieco)
    Versão:
    .
    Por Beth Carvalho e Mercedes Sosa: (https://youtu.be/lT9zs3bdexo)
    [Estadio Luna Park = Buenos Aires = Argentina (1988)]
    .
    Com Mensagem de Mahatma Ghandi: (https://youtu.be/hDMcH0kkvEI)
    [A Guerra é Aqui na Periferia da Metrópole]
    .
    Eu só peço a Deus
    Que a dor não me seja indiferente
    Que a morte não me encontre um dia
    Solitário sem ter feito o que eu queria
    .
    Eu só peço a Deus
    Que a dor não me seja indiferente
    Que a morte não me encontre um dia
    Solitário sem ter feito o que eu queria
    .
    Eu só peço a Deus
    Que a injustiça não me seja indiferente
    Pois não posso dar a outra face
    Se já fui machucada brutalmente
    .
    Eu só peço a Deus
    Que a guerra não me seja indiferente
    É um monstro grande e pisa forte
    Toda pobre inocência dessa gente
    .
    Eu só peço a Deus
    Que a mentira não me seja indiferente
    Se um só traidor tem mais poder que um povo
    Que este povo não esqueça facilmente
    .
    Eu só peço a Deus
    Que o futuro não me seja indiferente
    Sem ter que fugir desenganado
    Pra viver uma cultura diferente
    .
    SÓLO LE PIDO A DIOS
    (León Gieco)
    .
    Por León Gieco: (https://youtu.be/Ek4qqkJ9950)
    [Festival de la Solidaridad Latinoamericana (1982)]
    .
    Por Mercedes Sosa e León Gieco: (https://youtu.be/Gvyl_zdji2k)
    [Luna Park (1984)]
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    Ilustração: (https://youtu.be/9d_IzDJBAAo)
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    Sólo le pido a Dios
    Que el dolor no me sea indiferente,
    Que la reseca muerte no me encuentre
    Vacío y solo sin haber hecho lo suficiente.
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    Sólo le pido a Dios
    Que lo injusto no me sea indiferente,
    Que no me abofeteen la otra mejilla
    Después que una garra me arañó esta suerte.
    .
    Sólo le pido a Dios
    Que la guerra no me sea indiferente,
    Es un monstruo grande y pisa fuerte
    Toda la pobre inocencia de la gente.
    .
    Sólo le pido a Dios
    Que el engaño no me sea indiferente
    Si un traidor puede más que unos cuantos,
    Que esos cuantos no lo olviden fácilmente.
    .
    Sólo le pido a Dios
    Que el futuro no me sea indiferente,
    Desahuciado está el que tiene que marchar
    A vivir una cultura diferente.
    .
    (https://es.wikipedia.org/wiki/S%C3%B3lo_le_pido_a_Dios)
    .
    .

Urbano

Trata-se de mais um ato dos descerebrados fascistas, que nesse afazer são autoridades.

FrancoAtirador

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GOVERNO DO PSDB DE SÃO PAULO ENVERGONHA O BRASIL NO EXTERIOR
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OEA condena Chacina na Grande São Paulo e pede Punição para Responsáveis
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(http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2015-08/oea-condena-chacina-na-grande-sao-paulo-e-pede-punicao-para-responsaveis)
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