Samuel Gomes: Alegria e amabilidade desconcertantes do povo de El Salvador

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El Salvador: a esfinge que sorri

por Samuel Gomes, especial para o Viomundo

Responda rápido: o que a menção a El Salvador te traz de imediato ao pensamento.

Violência, pobreza, divisão social, guerra civil, atraso econômico? Que cor, cinza?

E que tipo de gente? Triste, sofrida, cansada de desesperança e descrente no futuro?

Pois no encerramento da recente reunião plenária anual da Eurolat, em San Salvador, a unanimidade dos presentes aplaudiu de pé durante minutos a fio a quase desconcertante alegria e amabilidade desse povo com tantos motivos para chorar, mas que sorri com os olhos, bocas, gestos, o corpo todo.

A Eurolat é a assembleia permanente de 150 parlamentares europeus e latino-americanos que funciona como braço parlamentar da Associação Estratégica Europa-América Latina.

Em seu discurso na abertura da reunião, o senador Roberto Requião, Co-Presidente Latinoamericano da Eurolat, afirmou jamais haver visto semelhante gentileza e simpatia em qualquer outro lugar do Planeta.

No encerramento foi a vez do Co-Presidente Europeu, o deputado socialista espanhol Ramón Iáuregui Atondo, render homenagem à imensa capacidade de expressar gentileza e carinho dos salvadorenhos.

O país de 21 mil quilômetros quadrados de território, repleto de vulcões, alguns ainda ativos, é o menor da América Central.

Nele vivem 6,2 milhões de pessoas, sendo o mais densamente povoado do subcontinente, com uma economia baseada em serviços e na produção de uma pequena gama de produtos agrícolas, o principal deles o café.

Cerca de um quarto do PIB é constituído por remessas dos 2,5 milhões de salvadorenhos que migraram para os Estados Unidos em busca de uma vida melhor.

El Salvador é uma esfinge que sorri.

A pureza comovente e a alegria terna desse povo amável não encontra causas visíveis a olho nu.

Muito provavelmente não virá das lembranças da violência estatal sofrida por anos de governo da direita, com a sua corrupção endêmica e seus terríveis esquadrões da morte, mantidos por US$ 7 bilhões doados pelos governos Carter, Reagan e Bush.

O banditismo político de direita assassinou o hoje Beato Monsenhor Romero e mais 42 pessoas no seu funeral, desencadeando a reação popular que levou o país à guerra civil que resultou entre 60 e 80 mil mortos, sendo 30 mil assassinados e 9 mil desaparecidos, um milhão de desabrigados e um milhão de exilados.

A explicação para a alegria salvadorenha não estará, também e certamente, na tragédia da violência urbana trazida pelas maras, as megaquadrilhas resultantes dos temíveis agrupamentos de pandillas, que são pequenas quadrilhas formadas por micro-bandos de bandidos (clicas).

As maras foram deliberadamente exportadas pelos Estados Unidos durante a guerra civil pela boçalidade genocida de assesores militares norte-americanos.

Finda a guerra, hoje disputam na bala território em todo o país.

Segundo o respeitado periódico independente Elfaro são 216 clicas apenas na capital San Salvador.

A violência extrema provocou mais de 15 mil assassinatos em 2016, resultando na incrível taxa de 108 homicídios por 100 mil habitantes, maior do que a de regiões em conflito armado aberto e que lhe confere a nada honrosa condição de país mais violento do mundo.

A vida não é fácil para os pobres e pequenos comerciantes, vítimas preferenciais das maras.

Os pagamentos da extorsão, sustento das maras, representa 3% do PIB de El Salvador, mas que chega 16% quando considerado o que é gasto em segurança privada e o que os salvadorenhos perdem em receitas porque a violência os impede de trabalhar.

A violência das maras são também uma das causas principais da diáspora salvadorenha, via México em direção aos Estados Unidos. Fugir do país é, por vezes, a única alternativa à sentença de morte decretada aos que rompem os laços de lealdade eterna com as megaquadrilhas, pacto que é registrado em códigos tatuados na pele escura.

Mas os salvadorenhos sorriem e esbanjam simpatia e amabilidade! Se a explicação não está nas estatísticas nem na vida dura da grande maioria da população, onde poderemos encontrá-la?

No delicioso café que bebem em grandes xícaras?

Nas origens pré-colombianas, os nahuas, cuja língua e organização social e cultural foi praticamente extinta sob domínio espanhol?

Estariam, ao fim e ao cabo, nos povos originários as raízes da amabilidade de um povo que aprendeu a sorrir para acalmar vulcões?

Ou o sorriso franco e o olhar cálido desse povo improvável compartilham a mesma raiz vigorosa, profunda e ancestral da vegetação pujante que arrosta as rochas vulcânicas para rebentar em verde, luta e luz?

Eu pergunto: a esfinge docemente sorri.

Samuel Gomes, professor de Direito e advogado em Curitiba e Brasília.

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