Robert Fisk: Obama e o jogo de espelhos no Oriente Médio

Tempo de leitura: 4 min

É pouco provável que Obama enfrente as questões reais do Oriente Médio

19/5/2011, Robert Fisk, The Independent, UK

Tradução do Coletivo da Vila Vudu

OK, então lá vai o que o presidente Barack Obama deveria dizer em discurso sobre o Oriente Médio: Vamos sair amanhã do Afeganistão. Vamos sair amanhã do Iraque. Vamos parar de dar apoio covarde incondicional a Israel. Os EUA forçarão os israelenses – e a União Europeia – a pôr fim ao sítio de Gaza. Suspenderemos todos os fundos que Israel espera receber de nós, até que acabe, completamente, sem condições, a construção de colônias em terras roubadas aos árabes que nunca pertenceram a Israel. Poremos fim a todos os negócios e cooperação com os ditadores viciosos do mundo árabe – seja saudita, sírio ou líbio – e apoiaremos a democracia também nos países nos quais os EUA têm interesses comerciais massivos. Ah! E, sim, conversaremos com o Hamás, claro.

Evidentemente o presidente Obama não dirá nada disso. Arrogante e covardemente, só falará sobre os “amigos” que o ocidente teria no Oriente Médio, sobre a segurança de Israel – e “segurança” é palavra que Obama jamais usou ao falar da Palestina – e enrolará e enrolará sobre a Primavera Árabe, como se, algum dia, tivesse dado algum apoio a alguma democracia no Oriente Médio (antes, claro, de os ditadores já estarem em fuga); como se – quando mais precisaram do apoio de Obama – Obama tivesse oferecido a ajuda moral de sua autoridade ao povo do Egito. E que ninguém duvide: Obama falará também muito sobre um grande Islã religioso (mas nunca muito grande, ou os Republicanos recomeçam a exigir a certidão de nascimento de Barack Hussein Obama). Temo que ouçamos também – ah, sim, temo! – um convite-comando para que viremos a página de Bin Laden, para “dar o assunto por encerrado” e “seguir avante” (convite-comando que, também temo, o Talibã não aceitará).

Mr. Obama e sua igualmente desfribrada secretária de Estado não têm ideia do que enfrentam no Oriente Médio. Os árabes perderam o medo. Estão fartos de nossos “amigos” e enojados de nossos inimigos. Breve, os palestinos de Gaza marcharão sobre as fronteiras de Israel e exigirão o direito de “voltar para casa”.

No domingo, já se viram sinais disso nas fronteiras da Síria e do Líbano. O que farão os israelenses? Matarão palestinos aos milhares? E o que dirá então Mr. Obama? (Claro, exigirá “contenção dos dois lados”, frase que aprendeu do seu torturante predecessor).

Penso que os norte-americanos sofrem do mesmo mal que os israelenses: acreditam cegamente nos seus próprios argumentos de autoengano. Os norte-americanos continuam a falar da bondade do Islã; os israelenses, de como entendem “a mente árabe”. Mas não entendem coisa alguma.

O Islã, como religião, nada tem a ver com isso, como tampouco o Cristianismo (palavra que não tenho ouvido nos últimos tempos) tem algo a ver com isso, ou o Judaísmo. Trata-se agora de dignidade, honra, coragem, direitos humanos – qualidades que, noutras circunstâncias, os EUA sempre elogiam –, que os árabes entendem agora que também lhes cabem. E estão certos.

É hora de os norte-americanos livrarem-se do medo que lhes inspiram os lobbyistas  pró-Israel – de fato, são lobbyistas pró-Likud – e a repugnante acusação de antissemitismo que repetem contra qualquer um que se atreva a criticar Israel. É hora de os norte-americanos aprenderem a ter coragem, como a valente comunidade de judeus norte-americanos que protestam contra as injustiças cometidas por Israel e líderes árabes.

Mas nosso presidente favorito jamais dirá em seu discurso qualquer dessas verdades. Podem esquecer. Não passa de presidente bico-doce, que diz qualquer coisa, e que deveria ter devolvido – esquecemos? – seu Prêmio Nobel, porque nem Guantánamo conseguiu fechar; imaginem se conseguirá construir alguma paz!

E o que disse ele no discurso do Nobel? Que ele, Barack Obama, tinha de viver no mundo real; que não é Gandhi… Como se – e honra ao The Irish Times, por ter sabido ler – Gandhi não tivesse combatido contra o império britânico! Assim sendo, seremos como sempre ensaboados pelas análises de sempre nos EUA, que elogiarão a fala do presidente, essa conversa fiada miserável.

Depois, virá o fim de semana em que Mr. Obama falará à conferência anual do AIPAC, o mais poderoso “amigo” de Israel nos EUA. E começará tudo outra vez, segurança, segurança, segurança; rápida – se acontecer – referência às colônias israelenses na Cisjordânia; e, isso eu garanto, muitas e muitas referências a terrorismo, terrorismo, terrorismo, terrorismo, terrorismo, terrorismo, terrorismo. E, sim, mencionará o assassinato (para não usar a palavra execução) de Osama bin Laden.

Mas o que Mr. Obama não entende – e Mrs. Clinton, essa, então, não faz nem ideia – é que, no novo mundo árabe, já não se trata de confiar em ditadorezinhos e seus asseclas. Que basta de bajulação. A CIA deve andar carregando malas cheias de dinheiro para distribuir, mas suspeito que poucos árabes se animarão a tocar nesse dinheiro.

Os egípcios não mais tolerarão o sítio de Gaza. Nem, creio, os palestinos. Nem, tampouco, os libaneses, e nem os sírios, depois que se livrarem dos chefetes que os governam. Os europeus perceberão antes que os norte-americanos – estamos, afinal de contas, mais próximos do mundo árabe –, e duvido que continuem a admitir que a vida de todos continue a ser guiada pela indiferença acovardada com que os norte-americanos insistem em não ver o roubo de terras de que os israelenses fizeram meio de vida.

Tudo isso, claro, será como deslocamento vertiginoso de placas tectônicas para os israelenses – que deveriam estar elogiando e congratulando-se com os vizinhos árabes e com os palestinos, por se terem reunificado e unificado a causa; e que deveriam estar demonstrando solidariedade e amizade aos vizinhos árabes, em vez de medo.

Faz tempo que minha bola de cristal partiu-se. Mas lembro bem do que Winston Churchill disse em 1940: “o que o general Weygand chamou de batalha pela França, acabou. Começa agora a batalha pela Grã-Bretanha.”


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gilberto

A Hora que acontecer um ataque maciço de homens e mulheres bombas dentro de israel…quem sabe?

    Beto_W

    Não acho que mais violência seja a resposta, Gilberto.

José Mendes

Fisk é o cara. Quiça todo jornalista tivesse a coragem dele.

Maria Dirce

O discurso de Obama o atual, foi para pedir desculpas para Israel, os judeus que sustentam a economia americana deram um pito no Obama ele subserviêntemente teve que se retratar ao falar das terras de 67.Que deprimente, a que ponto chega um presidente de uma economia que era forte.Os àrabes estão chegando!!!!!!!!

fernandoeudonatelo

A Palestina, deve urgentemente fortalecer a unidade interna, formar coalizões político-partidárias em torno do objetivo comum, a criação de um Estado, e começar a arquitetar instituições essenciais como a Justiça, Fazenda e Serviços Públicos.

Seria muito sacrificante, dado às parcas fontes de recursos disponíveis à máquina administrativa Palestina atual, que tambm é muito frágil, mas pressionaria da mesma forma que Israel, num sentido unilateral para a formação do território, já que teriam planejamento habitacional oficializado, com expansão prevista de moradias populares, por exemplo.

diogojfaraujo

Essa de desqualificar qualquer crítica à Israel usando o antissemitismo acontece pq pra cada uma crítica decente existe mais três carregadas de puro preconceito… Aqui, no Nassif, PHA, Miro, Vianna, Gumarães, pra falar só do Brasil (e me refiro aos comentaristas, obviamente)… Essa galera prejudica o trabalho sério de quem realmente está preocupado com a situação dos palestinos, que são muito muito poucas pessoas…

E sobre a permanência da turma do Bibi no governo é sustentada por uma campanha permanente de medo, bem semelhante a do Bush… Todo país tem o seu PiG, que luta pela manutenção do rico, e quer que o pobre se exploda… Principalmente se essse pobre for não judeu, no caso de Israel…

Marat

Enquanto isso, os jornais vão alimentando as massas de manobras com os mesmos discursos vazios e falaciosos sobre a criação do Estado Palestino. Em contrapartida, os genocídios israelenses permanecem, sob os auspícios da Europa e, principalmente, dos EEUU. Crimes de guerra? Não. Isso só se aplica aos ditadores NÃO ALIADOS do ocidente.
Um dia a grana acaba, ai eu quero ver!!!

Beto_W

Excelente texto do Fisk, como sempre botando o dedo na ferida. Se Obama realmente pretendia ser o novo bastião da paz, lhe faltaram culhões para enfrentar vários lobbies (pró-Israel, das armas, do petróleo, etc.) para levar a cabo seus projetos. Já em Israel a coisa é grave, pois Netaniahu e sua patota estão afundando o país num atoleiro de onde será difícil sair. E atualmente eu não vejo nenhum político da esquerda israelense com carisma e força política suficiente para conseguir chegar ao poder, expulsar a corja religiosa e fascista que está lá há décadas, estabelecer um diálogo com os palestinos, devolvendo-lhes Gaza, a Cisjordânia, e ao mesmo tempo sua dignidade – e além disso tudo conseguir manter-se no poder com o apoio da maioria do parlamento.

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