Raul Gondim: Criticada pelo MPF, a ferrovia Ferrogrão atravessará 933 km de região amazônica; populações afetadas não foram ouvidas

Tempo de leitura: 5 min

 

Traçado da Ferrogrão (arte Divulgação/Programa Avançar Parcerias)

Ferrogrão: a obra faraônica do Governo Temer que atravessará 45 terras indígenas e 933 km de região amazônica

 por Raul Gondin*, especial para o Viomundo

No Brasil do pós-golpe, movimentos sociais e população brasileira não têm conseguido acompanhar toda a onda de retrocessos e ataques à soberania nacional que atingem a nação de maneira sistemática nos últimos dois anos.

Em meio a reformas que afetam diretamente a vida da imensa maioria da população brasileira, alguns projetos do governo ilegítimo Michel Temer estão passando em branco na mídia e nos protestos pelo País afora.

Um deles é a construção da Estrada de Ferro 170, também conhecida como Ferrogrão.

Pelo projeto,  a Ferrogrão deve atravessar  de 933 km entre os estados do Mato Grosso e Pará, criando um corredor para a exportação de grãos e outras mercadorias.

Capitaneado internamente pelo ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Blairo Maggi, o projeto ganha contornos de interesse pessoal, já que família dele é proprietária de uma das maiores tradings mundiais de grãos, a Amaggi.

O projeto tem sido veementemente criticado por desrespeitar aspectos legais, ambientais, humanitários, econômicos.

É criticado também por não se fazer acompanhar de estudos sobre o desenvolvimento regional.

Tampouco é fundamentado em estudos aprofundados sobre os impactos econômicos, sociais, ambientais e humanos para a região.

POPULAÇÕES AFETADAS NÃO FORAM OUVIDAS 

Embora o traçado detalhado da ferrovia não tenha sido apresentado até o momento, o projeto básico do empreendimento prevê que seu trajeto afetará o modo de vida de mais de 20 localidades da região amazônica, entre municípios e pequenos distritos.

No Mato Grosso, serão impactados os seguintes locais: Sinop, Colider, Santa Helena, Cláudia, Nova Santa Helena, Terra Nova do Norte, Peixoto de Azevedo, Matupá, Guarantã do Norte e Novo Mundo.

No Pará: Novo Progresso, Itaituba, Trairão, Alvorada da Amazônia, Cachoeira do Curuá, Castelo dos Sonhos, Moraes de Almeida, Vila Izol, Caracol, Km 30 e Miritituba – essa última local do porto de escoamento e ponto final da ferrovia EF 170.

Nessas localidades, encontram-se 45 reservas indígenas, inclusive de tribos isoladas sem contato com o homem branco, que terão sua cultura e subsistência drasticamente alteradas.

Ainda assim, essas populações têm sido alijadas da maior parte do processo de discussão, em desacordo com a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que prevê o direito dos indígenas de serem previamente consultados e participarem da formulação, aplicação e avaliação de projetos que podem afetá-los diretamente.

O processo de consulta pública realizado pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) foi feito às pressas e sem a devida abrangência, deixando de fora a maioria dos locais que serão atravessados pela Ferrogrão.

A ANTT previu inicialmente a realização de audiências somente nas cidades de Cuiabá, Belém e Brasília, locais por onde a ferrovia nem passará.

Após pressão social, foram programadas audiências em Sinop (MT), Itaituba (PA) e Novo Progresso (PA), sendo que as duas últimas foram canceladas e não ocorreram.

Por conta dessas falhas no processo, em 7 de novembro de 2017, o Ministério Público Federal (MPF) recomendou à ANTT a anulação das audiências públicas ocorridas em Cuiabá, Belém e Brasília. A agência, todavia, ignorou a recomendação de suspensão da consulta pública.

Em 12/12/17, na audiência pública de Brasília, o diretor geral da ANTT, Jorge Bastos, se comprometeu a realizar novos estudos e todas as oitivas necessárias antes de encaminhar o projeto para o Tribunal de Contas da União (TCU).

Contudo, o prazo para consulta pública se encerrou sob protestos no dia 29/01/18 e, até o momento, a agência não divulgou qualquer comunicado oficial sobre sua prorrogação.

ALÉM DE ATRAVESSAR RESERVAS INDÍGENAS, VAI PASSAR POR CAVERNAS NATURAIS

Sob o aspecto ambiental, a Ferrogrão está na mira de organizações não-governamentais por ter sido responsável em grande parte pela redução da área de preservação do Parque Nacional do Jamanxim, consolidada através da Lei 13.452/17.

A ação do governo, além de gerar manifestações contrárias de entidades internacionais como a World Wide Fund for Nature (WWF) e o Greenpeace, se tornou objeto de mais uma ação do MPF, que em nota técnica recomendou o ajuizamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade sobre a lei.

Soma-se ainda o fato de que o projeto da Ferrogrão não vem acompanhado de estudos de impacto suficientes, ainda que esteja prevista a passagem da ferrovia por áreas de cavernas naturais, comprometendo importantes sítios espeleológicos.

A ampliação do fluxo de mercadorias pelo Porto de Miritituba (PA), por sua vez, irá aumentar consideravelmente o escoamento de grãos pelo Rio Tapajós, que passará de 16 milhões para 58 milhões de toneladas, sem qualquer estudo de navegabilidade e capacidade fluvial.

AOS INVESTIDORES, CONCESSÕES INÉDITAS NA HISTÓRIA DAS LICITAÇÕES

O governo Temer  tem alardeado um investimento total de R$ 12,7 bilhões na Ferrogrão.

Mas cálculos mais realistas indicam que o valor total pode chegar a R$ 20 bilhões, se levadas em conta as diferenças entre o projeto existente hoje e o projeto executivo.

Por ter sido pensado como um modelo greenfield, todos os recursos a serem aplicados, desde o início da construção, partirão dos próprios investidores. Só que eles não tirarão nada dos respectivos bolsos.O dinheiro será integralmente emprestado pelo BNDES.

O papel do BNDES tem sido muito questionado nesse processo.

As  concessões do governo federal aos possíveis investidores da Ferrogrão são inéditas na história das licitações.

Ao invés dos usuais cinco anos para começar a pagar o empréstimo, quem investir na Ferrogrão terá de sete a oito anos.

O prazo para financiamento também será estendido de 20 para 25 a 30 anos. As taxas de juros e as garantias oferecidas ao BNDES em troca de um empréstimo tão grande e facilitado não foram divulgadas.

O próprio modelo de concessão, que também foge à regra geralmente praticada, tem sido criticado pelo setor. A concessão será de 65 anos, período muito mais elevado que o prazo padrão de três décadas.

“Ferrovia do Blairo”

O papel centralizador do Ministro Blairo Maggi, ex-governador do Mato Grosso, tem saltado aos olhos de todos os envolvidos no projeto, a ponto de fontes do governo federal terem apelidado a Ferrogrão de “ferrovia do Blairo”.

Como é de conhecimento geral, a Amaggi, de propriedade de sua família, é a maior produtora de soja do mundo.

Mesmo diante do flagrante interesse particular na ferrovia, Blairo foi responsável pela apresentação do projeto aos chineses, pela visita do embaixador da China ao seu estado e pelo lobby dentro do governo para que a Ferrogrão fosse acolhida entre os projetos do Programa de Investimentos em Logísticas (PIL), comandado pelo ministro Moreira Franco, espécie de “PAC do Governo Temer”.

Em entrevista concedida ao Globo Rural em 20 de março de 2014, na posição de senador da República e empresário do agronegócio, Maggi já declarava suas intenções com a Ferrogrão.

Desenho feito à mão pelo próprio Blairo Maggi como esboço inicial da Ferrogrão. Na parte inferior, é possível ler as palavras “meu sonho”, seguidas das iniciais de seu nome completo “BBM”. (Divulgação: Revista Globo Rural, 19/03/2014).

Fase atual do projeto

Com o encerramento da consulta pública em 29/01/18, o próximo passo será o encaminhamento do projeto da Ferrogrão ao TCU para dar abertura ao processo de licitação.

Contudo, movimentos sociais e indígenas reivindicam a reabertura da consulta pública pela ANTT, com a garantia de realização de novas audiências nos municípios impactados.

Paralelamente, especuladores do mercado cogitam  a possibilidade da licitação vir a ocorrer somente em 2019, devido a uma provável insegurança de investidores em ano eleitoral.

Ainda assim, o projeto, com todas as suas falhas, tem sido tratado com prioridade pelo governo e políticos  aliados que percorrem as regiões no entorno do traçado da ferrovia propagandeando a obra.

O momento é de vigília e estar alerta.

A Ferrogrão, agora nas mãos da ANTT, pode retornar à pauta do dia a qualquer momento, sem nunca ter ouvido quem realmente será impactado pela obra.

Raul Gondim é jornalista, integra o movimento Ferrogrão ou Ferrograna?

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Comentários

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FrancoAtirador

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Outra TransAmazônica Pra Despejar Dinheiro Público na Privada

    Doris

    Por falar nisso cadê a Ferro Norte Sul

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