Procurador-geral do Trabalho: “Não vejo como o STF possa decidir contra o banimento do amianto; estamos tratando de vidas”

Tempo de leitura: 4 min

por Conceição Lemes

Atualmente, o amianto está banido em mais 70 países, entre quais todos da Europa, Japão, nossos vizinhos, Chile, Argentina e Uruguai, e, em 1º. de janeiro de 2018, será a vez do Canadá.

No Brasil, tenta-se o mesmo desde 1995, quando foi aprovada a lei federal 9055, que permite o chamado “uso controlado” do mineral cancerígeno.

Parêntese: a lei proposta na época pelo então deputado federal Eduardo Jorge era para banir o amianto; porém, por uma manobra parlamentar, ela foi substituída por esta de uso infinito da matéria-prima condenada no mundo todo. Fechando parêntese.

Só que:

1) O uso controlado é balela. Em se tratando de substância cancerígena, não há limite seguro a partir do qual não faça mal à saúde humana.

2) O amianto crisotila existente no Brasil não é “light” coisa nenhuma, como ludibria o lobby da fibra assassina.

Assim, para proteger os seus cidadãos, dez estados –São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Mato Grosso, Minas Gerais, Santa Catarina, Pará, Maranhão e Amazonas — e dezenas de municípios já têm leis que proíbem o amianto.

Porém, o pesado lobby da indústria, capitaneado pela Eternit, tenta derrubá-las desde 2001 junto ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Ao mesmo tempo, uma decisão definitiva sobre o questionamento da lei do uso controlado vem sendo sucessivamente protelada.

Uma batalha de 22 anos, que pode ter fim nesta quinta-feira, 10 de agosto.

O STF pautou para este mesmo dia o julgamento de seis Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) e uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF).

Seis delas reivindicam a revogação das leis estaduais de São Paulo, Pernambuco, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul e a do município de São Paulo.

Apenas uma ação questionará a lei federal 9055/95, a famigerada do dito “uso controlado” do amianto.

É a ADI 4066, ajuizada em abril 2008 pelas associações nacionais dos Procuradores do Trabalho (ANPT) e dos Magistrados do Trabalho (Anamatra).

A partir daí, o MPT se posicionou claramente pelo banimento, passando a lutar lado a lado com a Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea).

Em 2012, criou o Programa Nacional de Banimento do Amianto, coordenado pela procuradora Marcia Cristina Kamei Lopez Aliaga.

Desde então, firmou Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) para substituição do amianto com as empresas Infibra, Confibra, Isdralit, Casalit, Imbralit e Multilit.

Também ajuizou ações civis públicas contra a Eternit de Osasco, do Rio de Janeiro e de Colombo (PR).

Resultado: institucionalmente, o programa do MPT é  único no mundo.

Daí esta entrevista com o procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Curado Fleury, que o abraçou firmemente.

Viomundo – O Ministério Público do Trabalho tem sido muito importante na questão do amianto, inclusive o seu programa pelo banimento foi premiado nos EUA, em 2015.  Só que estamos num momento crucial em que os direitos sociais estão sob ataque, direitos trabalhistas sendo destruídos, a CLT rasgada.  Qual o papel institucional do MPT neste contexto?

Ronaldo Fleury –  O MPT, por atribuição constitucional e também devido à nossa Lei Orgânica, a 9075/1993, tem como obrigação a defesa dos direitos sociais.

Obviamente, direitos sociais  não são um problema apenas de horas extras, décimo terceiro salário, férias. Nós estamos falando de dignidade do trabalhador, de condições adequadas mínimas para exercer esse trabalho, de um patamar mínimo civilizatório.

Por isso, a atuação do MPT é muito mais ampla do que apenas a fiscalização da aplicação da lei. E, aí, entra a questão do amianto.

Viomundo – De que forma?

Ronaldo Fleury – Não é fazer apenas com que ele seja manipulado em condições mínimas de segurança. Afinal, não há nenhum estudo que comprove existir segurança na manipulação do amianto. Não há como extirpar, eliminar o risco do amianto, principalmente devido às fibras que ficam em suspensão no ar.

Por conta disso, toda atividade com amianto – da exploração na mina, passando pela industrialização de artefatos, à manipulação na loja de material de construção e nas residências —  oferece risco potencial, não apenas para os trabalhadores, mas para todas as pessoas que estão naquele meio ambiente.

Pois bem, nós, enquanto MPT, defendemos os direitos sociais. E entre os direitos sociais estão o direito à vida, à saúde, a condições adequadas de trabalho, que não ofereçam risco.

Por isso, a partir dos estudos que comprovaram que não há manipulação segura do amianto, o projeto do Ministério Público do Trabalho passou a ser para que o Brasil fique livre do amianto.

Viomundo – O que representa para o MPT o Programa Nacional de Banimento do Amianto?  

Ronaldo Fleury — Ele representa muito mais do que simplesmente a questão do meio ambiente.  É a questão da dignidade do trabalhador. É a questão da dignidade do País internacionalmente porque ele já está banido em mais de 70 países.

Viomundo — Qual a sua expectativa em relação ao julgamento no STF?

Ronaldo Fleury — É muito positiva, pois a gente não está lidando apenas com uma questão de adicional de insalubridade ou uso de um equipamento de proteção.

Nós estamos lidando com vidas, que é o bem maior a ser protegido pela nossa Constituição, que está focada no ser humano. A base dela é a vida.

E como o amianto representa comprovadamente a morte, ele significa a negação do direito à vida.

Direito à vida que é um direito basilar da nossa Constituição.  Assim, eu não vejo como o STF possa decidir contra o banimento do amianto.

Viomundo – O senhor disse que confia no Supremo. Porém, o que nós vimos nos últimos tempos é o próprio STF fazendo mudanças na legislação trabalhista, fazendo a sua própria reforma trabalhista. Não lhe dá um frio na espinha saber que todas as ADIs e ADPF vão ser julgadas no mesmo dia num momento tão delicado?

Ronaldo Fleury — Eu concordo que o STF em relação a algumas questões trabalhistas com certeza tem decidido diferente daquilo que nós consideramos que seja o correto.

Mas neste caso nós estamos tratando de vidas. Comprovadamente milhares de trabalhadores já morreram ou estão com a vida ameaçada por um câncer em função da fibra do amianto.

Eu prefiro confiar nas nossas instituições. Seria uma loucura, eu como procurador-geral, não acreditar no Supremo. Eu posso até discordar de alguns pontos. Mas isso é plausível num país democrático. Mas eu não posso deixar de acreditar no STF.

Viomundo – A propósito, algum recado para a sociedade em relação aos direitos trabalhistas?

Ronaldo Fleury— O meu recado é que confiem no Ministério Público do Trabalho. O Ministério Público é o defensor da sociedade por determinação constitucional e nós, do MPT, trabalharemos com todas as nossas forças para que os direitos sociais sejam respeitados e que a dignidade do trabalhador seja preservada ainda que com essa recente reforma trabalhista tão nefasta.

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