Pepe Escobar: O AfPak chega à África

Tempo de leitura: 5 min

por Pepe Escobar, Asia Times Online

Tradução do Coletivo da Vila Vudu

Falcões liberais ou intervencionistas neoconservadores, todos amam a eficiente techno-guerra dos EUA. No momento em que círculos íntimos do poder em Washington – e em Londres – fazem barulho a favor de intervenção do Ocidente na Líbia, a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) nessa 2ª-feira atacou o complexo de Muammar Gaddafi, Bab al-Azizya, em Trípoli, pela segunda vez em cinco semanas.

A OTAN insiste que não visava a atingir o coronel – mas um “centro de comunicações” que haveria em Bab al-Azizya. Tudo bem. Como se a Resolução n. 1973 do Conselho de Segurança da ONU autorizasse a bombardear, para “proteger civis”, o complexo onde Gaddafi morava.

Essa “atividade cinética” aconteceu depois que o ex-secretário de Estado dos EUA  Henry Kissinger martelou a favor desse projeto para a Líbia em, no mínimo, três ocasiões: na Escola Elliot de Relações Internacionais da George Washington University; numa conferência no Aspen Institute sobre “Valores e Diplomacia”, também em Washington; e na reunião Bretton Woods II em New Hampshire [1].

O plano de Kissinger: invadir a Líbia e manter a coisa fervendo até, pelo menos, a primavera de 2012. A agenda (pirada): manter o Oriente Médio e o norte da África em estado de completo desarranjo, como tática/pretexto diversionista para que Washington possa atacar o Irã a serviço de Israel e a serviço, claro, do complexo militar-industrial. Há boa chance de o Marechal de Campo von Trump – codinome “Donald Trump” – comandar a invasão do Irã.

Gaddafi é o vilão perfeito para essa farsa anglo-franco-norte-americana digna do teatro de Georges Feydeau. Apesar de toda a megalomania ditatorial, Gaddafi é panafricanista empenhado – feroz defensor da unidade africana. A Líbia nada deve a banqueiros internacionais. Nunca tomou empréstimos do FMI para qualquer tipo de “ajuste estrutural”. Usou seu dinheiro do petróleo para serviços sociais – inclusive para construir a rede de aquedutos conhecida como Projeto Great Man Made River e para investimentos e ajuda a países subsaharianos. O Banco Central da Síria é independente, não-manipulável pelo sistema financeiro ocidental. E tudo isso é péssimo exemplo para o mundo em desenvolvimento.

Quebrar a Líbia seria só o hors d’oeuvres, antes de quebrar outras partes da África nas quais a China tem investimentos encampáveis. Sim, porque, se coturnos ocidentais pisarem o chão no norte da África, os tais coturnos logo chegarão ao Sahel – que já está em turbulência: Mali e Niger já estão recebendo armas dos ‘rebeldes’ líbios, e armas que rapidamente chegam às mãos da Al-Qaeda no Maghreb (AQIM). Os poderosos na Argélia e no Marrocos – onde continuam non-stop as manifestações pró-democracia – já começam a dar sinais de pânico.

Todas essas são variáveis que é preciso não perder de vista. No momento, o filme humanitário arrasa-quarteirões é, mesmo, “Drones sobre a Líbia” – mais uma coprodução Pentágono/Casa Branca/Departamento de Estado, diretamente saída de Hollywood, digo, desculpem, saída da Base Aérea Creech da Força Aérea, em Nevada.

Aviões-robôs drones humanitários comandados à distância

Por que ninguém pensou nisso antes?! Um exército de aviões-robôs, drones, comandados à distância (por enquanto são apenas cinco, com base no sul da Itália), em vez de coturnos no chão. O chefe do Pentágono Robert Gates até já disse que os aviões-robôs atacarão a Líbia por “motivos humanitários” (ninguém percebeu nem o sarcasmo nem as câmeras nos aviões-robôs). Gates já mentira ao Congresso dos EUA alguns dias antes: disse que o papel dos EUA na Líbia estaria encerrado no instante em que a OTAN assumisse.

Portanto, é hora de os pilotos à distância sentarem a pua nos controles dos aviões-robôs: o inferno, ao alcance de um toque no mause. Eis a techno-guerra dos EUA, no seu momento de glória: tragam a criançada que cresceu lutando em videogames, para lutar – é tudo virtual! – no deserto. Todos os sistemas de comando dos drones foram modelados como videogames.

Os mísseis Hellfire, na Líbia, atacarão os seguintes alvos: Produto Interno Bruto per capita de US$14.192; salário-desemprego de mais de $730 por mês; salários de $1.000/mês para enfermeiros do Estado; financiamento sem juros para casais recém-constituídos, para que comprem a primeira casa e o primeiro carro. Muitos desempregados norte-americanos adorariam ganhar passagem só de ida para Trípoli, se essas notícias se espalham!

Liberados os aviões-robôs para atacar a Líbia, Washington pode fingir que não está expandindo sua “ação militar cinética” – não é guerra. Kissinger acertou pelo menos uma: Obama apostou nessa guerra aérea em que não morrem pilotos, para chegar a 2012 e reeleger-se.

Há o problema dos malditos “danos colaterais” (mas quem liga? Os aviões-robôs podem permanecer 24 horas no ar – o que, na novilíngua do Pentágono, chama-se “persistência estendida”). Os militares de Gaddafi já se metamorfosearam e desapareceram entre os civis à maneira guerrilheira de Mao Tse Tung e Ho Chi Minh. O Vietnã de Obama está afundando – processo que, para o almirante Mike Mullen, chefe do comando do estado-maior dos EUA, estaria “com certeza andando rumo a um impasse”.

AfPak, teu nome é impasse (e danos colaterais): um avião-robô Predator matou pelo menos 25 civis em Mir Ali, 35 km a leste de Miranshah, na área tribal do Waziristão Norte – no dia em que os ‘rebeldes’ líbios comemoravam a chegada dos mesmos aviões-robôs. Forças relacionadas a Gaddafi por laços empresariais – e tribais –, já estão afinando técnicas de “já derrubou o seu Predator de hoje?” que os paquistaneses lhes trouxeram; uma dessas técnicas implica posicionar quatro atiradores, cada um com uma reles bazuca lança-granadas.

Pena que a empresa Northrop Grumman ainda não possa distribuir sua máquina X-47B –, avião-robô armado matador, que foi lançado em fevereiro desse ano, com direito a vídeo com trilha sonora à moda da banda Blue Oyster Cult [2]. O avião-neorrobô-matador só estará disponível para comercialização em 2013 – depois da reeleição de Barack ‘Guerra’ Obama.

Simultaneamente, os jogos de videogame começarão a incluir alguns acidentes “moralmente aceitáveis” (“danos colaterais”). E a Operação Alvorada da Odisseia afinal mostrará a que veio. Os EUA, de volta ao trono onde se sentem mais seguros – não como Ulisses no Mediterrâneo, mas como Zeus Todo Poderoso, lançando aviões-robôs-armados, em vez de raios.

Pode ser hora de remix de concurso futurista de dança à velha moda chapada-caidaça,  de Weapon of Choice [Arma Preferida], de Fatboy Slim. No papel título, em vez de Christopher Walken (como se vê/ouve em http://www.youtube.com/watch?v=XbNzOV6vhD0), um drone-matador dançante desenhado pela Pixar. E, como mestre de cerimônia, o Marechal de Campo von Trump, livre, afinal, para entrar e pegar o petróleo. OK. Não deu certo no Iraque. Quem sabe funciona na Líbia?

[1] NOTA DOS TRADUTORES: Sobre essas falas de Kissinger nesse mês de abril, a página “Bellum” (http://bellum.stanfordreview.org/?p=3260), da ultraconservadora revista The Stanford Review (http://stanfordreview.org/) da Universidade de Stanford, diz o seguinte: “Não há registro de nenhum evento na GWU nos dias 8-10/4 (…). Kissinger tampouco falou no evento do Aspen Institute dia 7/4. E não há qualquer evidência de que tenha falado na Conferência Bretton Woods II, realizada nos dias 8-11 de abril”.

Mas em http://www.trilateral.org/go.cfm?do=File.View&fid=166, vê-se que Kissinger participou das reuniões de uma Comissão Trilateral, no domingo, 10/4. Essa informação, inexistente hoje cedo, apareceu agora, meio da tarde, na página “Bellum”, como “Up date”. Ao que tudo indica, há uma ‘polêmica’ em curso, nos EUA, sobre se Kissinger disse ou não disse o quê. O mais provável é que Kissinger disse sim, o que se lê nessa coluna de Pepe Escobar, mas tem interesse em fazer crer que não disse (no Brasil, por exemplo, nenhum leitor de jornal ou telespectador de televisão foi informado sobre qualquer fala de Kissinger nessa direção, o que sugere fortemente que, sim, Kissinger disse o que Pepe Escobar disse que Kissinger disse. O ‘fato’, mais uma vez e como sempre, não interessa. O que interessa, como sempre, é pensar mais aplicadamente sobre o possível (o que Pepe Escobar mais uma vez nos ajuda a fazer, nessa coluna), do que sobre algum pressuposto ‘fato acontecido’ sobre o qual, fatal e infalivelmente, nunca se pode saber tudo – apesar de a página “Bellum” da ultraconservadora revista The Stanford Review e toda a ‘mídia’ no Brasil ainda insistirem que, sim, o William Waack saberia de tuuuuuuuuuuuuuudo. Só rindo!

Sobre a Conferência Bretton Woods II em 2011, promovida pelo Institute for New Economic Thinking (INET), de George Soros, há boa informação em http://www.americanfreepress.net/html/bretton_woods_ii_265.html.


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

Bonifa

Russia e China perderam a paciência. Brincadeira tem hora:

Conselho de Segurança não aprova condenação da Síria
LEMONDE.FR avec AFP et Reuters – 28.04.11

Os quinze membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas não conseguiram chegar a acordo, quarta-feira, abril 27 à noite, em um comunicado condenando a repressão na Síria. No último fim de semana Ban Ki-moon queria, por seu lado, a abertura de uma investigação independente.
Após a resolução que autorizou o uso da força para proteger os civis na Líbia, a China ea Rússia se opuseram a que o Conselho de Segurança se intrometesse em outro conflito que diz respeito, segundo eles, aos assuntos internos de um país.
O vice-embaixador da Rússia na ONU, Alexander Pankin, advertiu contra a "ingerência externa" que poderia causar "uma guerra civil". O diplomata acrescentou que ele queria "uma investigação real" e que "os culpados sejam levados à justiça" na própria Síria.
Referindo-se a Moscovo e Pequim, um funcionário da ONU comentou: "A tolerância dos russos e chineses para com a iniciativa dos europeus e americanos para proteger civis no Oriente Médio parece ter se esgotado."
Referindo-se a Moscovo e Pequim, um funcionário da ONU comentou: "A tolerância dos russos e chineses para com a iniciativa dos europeus e americanos para proteger civis no Oriente Médio parece ter se esgotado."
O embaixador sírio na ONU, Bashar Jaafari, rejeitou qualquer idéia de investigação internacional. "Nós lamentamos o que está acontecendo, mas vocês devem concordar que estes distúrbios e tumultos, em alguns aspectos, trazem a máscara de uma agenda oculta", disse ele.

SILOÉ

O hamás e Al Fatah, finalmente chegaram a um acôrdo para forçar Israel/EUA ao reconhecer do estado Palestino. Isso não acontecerá de graça, teremos aí mais um grande embate por justa causa.
Dessa vez a ONU, será obrigada pelas circunstâncias desfavoráveis no golfo Pérsico, impor à Israel o reconhecimento da palestina.
Só aí já será uma grande vitória para o mundo Árabe.
Em jogo a perda de prestígio e de domínio dos senhores do Império, dos donos do mundo.
E continuam todos "quietinhos", sentados à beira do caminho, aguardando a sua vez…

Morvan

Bom dia. Belo texto, como já é patente, no caso do articulista Pepe [Escobar]. Mas não posso deixar de registrar a "piada pronta": "…um avião-robô Predator matou pelo menos 25 civis em Mir Ali, 35 km a leste de Miranshah …".

Em Mir[a] Ali…

Morvan, Usuário Linux #433640.

Substantivo Plural » Blog Archive » O AfPak chega à África

[…] Pepe Escobar Asia Times Online (VIA VI O MUNDO) Tradução do Coletivo da Vila […]

FrancoAtirador

.
.
A BOLA DA VEZ É A SÍRIA

O Conselho de Direitos Humanos (CDH) das Nações Unidas debaterá nesta sexta-feira a situação dos direitos humanos na Síria, onde a repressão às manifestações pacíficas deixou centenas de mortos e feridos.

A iniciativa desta reunião urgente partiu de vários países europeus – como Espanha, França, Reino Unido e Suíça – e de outros como Japão, México e Estados Unidos.

EFE
.
.

    JotaCe

    Todos, países muito ‘preocupados’ com os Direitos Humanos…

    JotaCe

gilberto

A Russia e a China não deram ouvido ao Brasil que se absteve dessa porcaria toda. Se o Brasil tivesse poder de veto , assim o teria feito.
A Libia é um pais com melhores condições para o povo do que qualquer pais europeu…isso é uma realidade…ditador ou não o Gadaffi trata muito bem seu povo.

    Bruno

    Dizem inclusive que Tripoli articula um plano de negócios para se tornar "a Monte Carlo ao Sul do Mediterrâneo". Cada uma, viu…

    Bonifa

    Articulava. Agora será destruida.

    JotaCe

    Caro Gilberto,

    Você de fato acredita que o nosso governo, tão ‘patriota’ agiria mesmo assim? Abraços,

    JotaCe

FrancoAtirador

.
.
PREDADOR

O nome do "drone" é "Predator" , um avião teleguiado assassino.

Não poderia haver nome mais adequado e significativo

para expressar o que representa os EUA no mundo.
.
.

SILOÉ

EFEITO COLATERAL
Avião robô, de ultima geração, sem piloto e controlado à distância, é abatido por uma bazuca dos soldados fiéis a Kadaffi numa tarde de intenso combate na cidade de Naghazi na Líbia.
E aí como é que ficaria Hollyood já que não pode substituir o piloto???
E Kinsseger o "patrocinador " assumiria mais esse fracasso???
E os outros países do Oriente Médio e Norte da África???
E o irã , a China a comunidade Islâmica ???
E os paises membros da ONU diante de mais essa evidência de massacre continuariam calados???
Estariam todos quietinhos de braços cruzados sentados à beira do caminho, aguardando a sua vez???
Aguardem os próximos capítulos…

    Bonifa

    Para os americanos é ótimo. Mais encomendas de reposição e mais empregos onde em breve só haverá empregos na indústria da guerra.

luis

Agora, o que eu nao entendo e gostaria que alguém me explicasse é porque China e Russia, grandes perdedores neste processo, contrários a invasão, não vetaram a tal resolução!!!

Bonifa

Continuam os bombardEios Humanitários de Trípoli:

NATO (OTAN) nega Kadhafi como alvo dos ataques

A Líbia foi bombardeada este domingo pela NATO e esta terça-feira foi a própria Organização a revelar que o líder líbio não era o seu alvo dos bombardeamentos ao gabinete da residência de Muamar Kadhafi em Tripoli.
Podia não ser o alvo mas de facto, a NATO bombardeou o gabinete de Kadhafi na residência do líder líbio em Tripoli.
Em conferência de imprensa, o general canadiano Charles Bouchard revelou que "a missão da NATO na Líbia é proteger a população civil e não impor uma mudança de regime".

De acordo com a NATO, o ataque de domingo tinha como alvo um centro de comunicações que fica na residência de Kadhafi e é utilizado para coordenar os ataques contra civis.

Nos ataques de domingo ficaram feridas 45 pessoas, destas, 15 sofreram ferimentos graves.
SR – 17:57 | 2011-04-26 http://tvnet.sapo.pt/noticias/detalhes.php?id=667

Deixe seu comentário

Leia também