Mélenchon tem o que a França precisa; os outros, não

Tempo de leitura: 4 min

Jean-Luc Mélenchon tem o que a França precisa. Sarkozy e Hollande, não

Sarkozy tornou a França mais desigual, mas há um candidato presidencial progressista que não se dobrou à austeridade

por Mark Weisbrot, no diário britânico Guardian

O presidente conservador francês Nicolas Sarkozy concorreu em 2007 com um programa que prometia tornar a economia francesa mais parecida com a dos Estados Unidos. Escolheu uma época ruim: os Estados Unidos estavam próximos de sua pior recessão desde a Grande Depressão e arrastariam a Europa e boa parte da economia do mundo depois do colapso. Sarkozy provavelmente não gostaria de ter dito o mesmo hoje, depois que os Estados Unidos ficaram sem praticamente nenhum crescimento econômico em quatro anos.

Mas Sarkozy conseguiu tornar a economia francesa mais parecida com a dos Estados Unidos em alguns pontos. Depois de ser um dos poucos países de alta renda que não tiveram aumento da desigualdade dos anos 80 aos anos 2000, a França se tornou mais desigual desde que Sarkozy foi eleito. Por exemplo, a relação de renda entre pessoas que pertencem ao 1% do topo/1% da base da economia foi de 11.8 para 16.2. Outras medidas da desigualdade também aumentaram significativamente (o coeficiente Gini aumentou de 26,6 para 29,9). Isso aconteceu entre 2007 e 2010; provavelmente está pior hoje. Ao aumentar a idade para a aposentadoria — uma mudança totalmente desnecessária que causou enorme oposição e protesto — Sarkozy ajudou a tornar a França ainda mais desigual.

A comparação entre França e Estados Unidos é boa, já que os dois países têm praticamente o mesmo nível de produtividade por hora. Isso significa que eles têm uma capacidade econômica que permite praticamente o mesmo nível de vida. Os franceses escolheram receber seus ganhos de produtividade em menos horas de trabalho, férias mais longas, serviço de saúde universal, educação superior gratuita, creches e uma distribuição de renda mais equilibrada. Por contraste, nos Estados Unidos mais de 60% dos ganhos de renda das últimas três décadas foram para o 1% mais rico da população. A pobreza atingiu agora os níveis do fim dos anos 60; os custos da educação superior dispararam, não temos feriados ou férias legalmente pagas e 52 milhões de norte-americanos continuam sem cobertura do serviço de saúde (embora isso possa ser reduzido se a Suprema Corte não derrubar o plano de Obama).

A maioria dos cidadãos franceses gosta de sua segurança econômica e de sua prosperidade compartilhada. Parece estranho que alguém com o programa de Sarkozy tenha se elegido e tenha chance de se reeleger. Mas isso acontece principalmente por causa do desconhecimento do público sobre as questões econômicas mais importantes, com ajuda e cumplicidade de uma cobertura midiática distorcida. Como em 2007, o senso comum é de que a França está vivendo além de seus recursos e Sarkozy agora alerta que o país poderá ser a próxima Grécia e enfrentar um derretimento econômico se ele não for reeleito. Sarkozy promete equilibrar o orçamento nacional até 2016.

Infelizmente seu rival socialista, François Hollande, promete equilibrar o orçamento até 2017. Naturalmente que existem algumas importantes diferenças entre eles, mas se algum dos dois candidatos implementasse um programa de austeridade fiscal desta magnitude enquanto as economias francesa e europeia estão enfraquecidas, é quase certo que o desemprego e os problemas sociais iriam piorar. E a França perderia algumas de suas importantes conquistas econômicas e sociais.

Felizmente a França tem uma alternativa mais progressista: Jean-Luc Mélenchon, apoiado pela Frente de Esquerda. Ele parece ser o único na disputa que entende as verdadeiras escolhas econômicas diante da França e da eurozona. A França não precisa de austeridade — isso aumentaria a chance dela acabar sendo a próxima Grécia. Mélenchon propõe, em vez disso, que o Banco Central Europeu cumpra sua tarefa e faça empréstimos à França e a outros governos europeus com taxas de juros de 1%, da mesma forma que faz para os bancos privados. O peso dos juros pagos pela França em sua dívida já são razoáveis, representando cerca de 2,4% do PIB; se puder continuar emprestando com custos reduzidos, a França crescerá para fora dos seus problemas atuais, criando empregos e aumentando a renda no processo. Isso é política macroeconômica sensível.

Mélenchon também quer reduzir as horas de trabalho, aumentar o salário mínimo e os impostos dos mais ricos. Ele rejeita a estupidez do orçamento equilibrado — como a maioria dos economistas norte-americanos faz — e também rejeita a falta de compromisso do Banco Central Europeu com o pleno emprego. Isso também faz sentido, especialmente em um momento de recessão no qual o BCE pode emitir dinheiro (o Tesouro americano emitiu U$ 2,3 trilhões desde 2008) sem risco de inflação excessiva.

Nas eleições francesas, os dois primeiros colocados vão para o segundo turno se, como parece provável, nenhum conseguir a maioria no primeiro turno. Mélenchon aparece nas pesquisas com cerca de 15%, mas provavelmente teria mais se não houvesse medo dele empurrar o partido socialista para fora do segundo turno. Isso aconteceu em 2002, quando o candidato da ultradireita e anti-imigrantes ficou em segundo lugar. Mas não existe uma chance significativa disso se repetir este ano; Marine Le Pen aparece com cerca de 13%. Assim, qualquer pessoa que pretenda preservar o nível de vida dos franceses deveria votar em Mélenchon.

Comparado com os Estados Unidos, é muito mais fácil para o candidato de um terceiro partido na França obter significativa influência política sem vencer. Hollande já se moveu à esquerda para capturar votos da Frente de Esquerda e Mélenchon terá o poder de barganha ao definir quem apóia no segundo turno. Com os dois maiores partidos assumindo o compromisso com políticas econômicas que vão derrubar o nível de vida da maioria dos franceses — em 2007 foi apenas Sarkozy que assumiu este compromisso — é difícil imaginar ocasião melhor para votar fora do convencional.

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Comentários

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Marat

A única coisa boa que a decadente França produzia (antes de ser neocolônia estadunidense) era vinho… agora prefiro os argentinos, chilenos e uruguaios!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Luc

"…Afinal, para que esse blá-blá-blá se, como a própria capa de Veja mostra, existe uma nova ciência, a "tecnofísica", que explica "por que as pessoas mais altas são mais saudáveis e tendem a ser mais bem-sucedidas", e essa revelação apaga toda as estrepulias do bando de Demóstenes/Cachoeira?…"

http://cronicasdomotta.blogspot.com.br/2012/04/et

mfs

O contexto brasileiro é diferente.
Lá, o avanço das forças produtivas e os direitos sociais são muito maiores.
No Brasil, reformas social-democratas podem ser consideradas altamente radicais e demandam agudas batalhas de classes até serem implementadas.
Ou seja, aqui a social-democracia petista ainda é altamente progressista.
Na Europa Ocidental, cada vez mais, a social-democracia é terceira via, ou seja, mais do mesmo.
A velha cartilha de 1848 que sustentava que as contradições seriam maiores onde o capitalismo é avançado parece que volta a se configurar.
É por isso que os brasileiros ainda sonham com empreededorismo e os franceses tiram o mofo de cima de Karl Marx e voltam a ler – e agir! – com consciência.

    EUNAOSABIA

    """"Ou seja, aqui a social-democracia petista ainda é altamente progressista. """

    Que? progressista como assim rapaz? aliado do capital financeiro nacional e externo? pagando as maiores taxas de juros do mundo? onde um mês de juros fariam 5 copas do mundo ou três anos de bolsa família? bancando "projetos" claramente de interesse das grandes empreiteiras? dando uma total sequência ao mesmo modelo econômico do governo anterior, o mesmíssimo modelo, com a responsabilidade fiscal, metas de inflação e a garantia do superávit primário (garantia do pagamento dos juros da dívida), tudo como manda o FMI… ou não? se apoderando de tudo como se fosse obra sua, e se aliando ao que há de mais retrógrado e atrasado na política nacional, ressuscitando velhos fantasmas já sepultos…. tipos como Sareny, Collor, Renan, Jucá…. amigo… seja um pouco mais coerente, tem horas que a forçada de barra de vocês vai além do razoável.

    Tenha um bom domingo.

abolicionista

Gostei do texto, mas acho necessário se questionar sobre o papel do voto hoje. Penso que, no caso da europa, seja praticamente nulo. De que adianta eleger um candidato de esquerda e crítico do "modelo neoliberal" se, quando o banco central europeu engrossar a voz, a gente sabe que ele vai tomar as mesmas "medidas de austeridade" necessárias para "salvar o país" (expressão que significa: jogar uma grande parte da população na miséria para salvar a elite rentista)? Na Grécia não foi diferente, um primeiro ministro socialista tomando medidas neoliberais (que de "neo", pelo visto, não têm nada exceto o cinismo, ou seja, o fato de que não acreditam na própria eficiência). A consequência desses governos de esquerda pragmática foi um enorme desgaste político para toda a esquerda, inclusive aquela que pensa em mudanças sistêmicas. Acho que chegou a hora do eleitor europeu anular seu voto para demonstrar, com essa atitude, que não acredita na farsa da democracia européia, com seus governantes fantoches governados pelos grandes grupos de capital.

EUNAOSABIA

Tem gente que acha que dinheiro dá em árvores.

Tem gente que acha que fabricar dinheiro resolve todos os problemas econômicos.

    abolicionista

    Você está se referindo ao Fed?rs

Marat

Sarkozy é o candidato do capital, da imprensa venal e dos senhores das guerras colonialistas. O Hollande é um "socialista" domesticado. a Le Pen é o focinho da extrema direita retrógrada e preconceituosa mundial… Vai mal a decadente França!

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