Márcio Santos fez pós-doutorado na França: O Brasil mudou, sim!

Tempo de leitura: 4 min

Marcio Campos

Acesso à Universidade em dois tempos: Dos anos 80 a 2014

por Márcio Santos

No início dos anos 80, ainda em plena ditadura militar, “vestibular” era uma palavra quase maldita. As pernas tremiam e o coração saltava só de olhar o número de concorrentes: eram dezenas e dezenas de candidatos para uma mísera vaga num dos cursos de graduação das universidades federais. Em Belo Horizonte, quem não conseguisse a façanha de entrar na UFMG tinha que contar com a família para custear os caros cursos da então “Universidade Católica”, hoje Pucminas. Ou, o que era largamente o mais comum, abandonar por completo o sonho de entrar no tal do “curso superior”.

Num dia entre o final de 79 e o início de 80, já não me lembro exatamente em que mês, acordo assustado com o chamado da minha mãe. Havia varado noites a fio nos estudos para as provas de vestibular e estava atrasado. Ela tirou algum dinheiro da bolsinha e disse “vá de táxi, meu filho, você vai perder a prova”. Recusei e atravessei correndo os quarteirões que me separavam do ponto de ônibus para a UFMG. Consegui chegar a tempo, afinal, para encarar a primeira de uma sucessão de provas eliminatórias e classificatórias aplicadas ao longo de já não me lembro mais quantas etapas de seleção.

O tal do “cursinho” era quase obrigatório. Promove e Pitágoras se revezavam na captura de adolescentes de classe média que lotavam as salas quentes. Os professores davam aulas para centenas de pessoas. Eu, que não pudera pagar um desses cursinhos, acabei por ler a notícia da aprovação para o curso de Economia num cartaz estampado no antigo Promove da Rua São Paulo, no centro da cidade. Sozinho, dei um pulo silencioso de alegria e fui para casa abraçar a minha mãe. Mais tarde teria a cabeça raspada, como era de praxe.

Um salto de 30 e alguns anos me leva ao início de 2013. Foi quando escrevi o projeto de pós-doutorado em História, apresentado ao CNPq, uma das duas agências federais de fomento à pesquisa. Alguns meses depois veio a resposta positiva para o pedido de bolsa de pós-doutorado na França, na prestigiosa École des hautes études en sciences sociales.

O Programa Ciência Sem Fronteiras, do governo federal, garantiria a minha permanência em Paris por sete valiosos meses. A verba incluía, além da bolsa de manutenção mensal, auxílio para as passagens aéreas e uma taxa extra de 400 euros mensais, por se tratar de cidade cara. A minha esposa, doutoranda em Linguística, conseguira bolsa semelhante para o chamado “doutorado sanduíche”. E assim pudemos ir em família, levando o filhinho de 8 anos. Graças a essas bolsas e às facilidades que encontramos na França, pudemos morar e estudar numa das cidades mais desejadas e encantadoras do mundo.

O Brasil mudou, sim. Nos anos 80 da minha juventude éramos desesperançados, atravessamos pessimistas a chamada “década perdida”. O Plano Real, que debelou a inflação, trouxe-nos algum alento, mas todos sabíamos que mexia-se na superfície financeira de uma sociedade em que crianças morriam diariamente de fome nas ruas das grandes cidades. País “subdesenvolvido”, de “Terceiro Mundo”, “atrasado”, eram os termos mais comuns para nos referimos ao Brasil.

Esse quadro desalentador foi sacudido nos últimos 12 anos. Felicito-me diariamente pela dificuldade em conseguir uma empregada doméstica, porque as jovens pobres das vizinhanças são vendedoras de lojas, cabeleireiras, cuidadoras de idosos ou, até mesmo, universitárias. A lavadora de roupas da nossa casa estraga e a nossa ajudante opina certeira sobre o problema, pois tem um equipamento igual ou melhor em casa. Recebe um salário mínimo e meio por 6 horas diárias de trabalho, apenas de segunda a sexta-feira, com carteira assinada e direitos trabalhistas, um padrão impensável há 20 ou 30 anos.

Quanto a mim, pude desfrutar de um curso de pós-doutorado num centro mundial de produção intelectual graças a um programa dos governos Lula e Dilma. Não foi “dádiva”: tive que batalhar duro para ter o projeto aprovado e, depois, prestar contas do resultado final da pesquisa realizada. Mas esse ambiente de múltiplas alternativas de estudo, pesquisa e aprimoramento intelectual só foi possível por meio das transformações operadas pelos últimos 3 governos.

Na França o meu supervisor de pesquisa dizia-se surpreendido com a oferta de bolsas de pós-graduação pelas universidades públicas brasileiras, segundo ele maior até mesmo do que nas escolas francesas. É isso: somos comparados à França. E a comparação não vem de algum “petista apaixonado”, mas de um acadêmico e intelectual francês, nada interessado nas nossas lides políticas e eleitorais.

Muito resta por se fazer. O relatório da ONU informa que o país reduziu em 50% o número de pessoas que passam fome. Estamos nos aproximando do sonho de Lula em 1989: que todo brasileiro coma 3 vezes por dia. Mas ainda nos resta um fundo terrível de desigualdade, violência, exclusão e corrupção. Mudanças históricas são lentas, a menos que sejam feitas por revoluções – e esse não foi o nosso caso. Mas, com os programas sociais dos últimos 12 anos, sabemos que estamos no caminho certo.

Setembro de 2014

Márcio Santos

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Comentários

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Sônia Caldas Pessoa

Parabéns, Márcio, pelo texto. É ainda mais valioso o seu depoimento por ser uma pessoa discreta e que mal usa as redes sociais. O que vivemos em Paris deve servir de exemplo mesmo para outros que sonham em continuar os estudos e mal sabem o que o governo brasileiro oferece. São inúmeras as oportunidades e os processos são claros, exigentes, e conferem legitimidade ao Programa Ciências Sem Fronteiras. E é bacana também ver como o Brasil mudou como um todo, né… Você, que veio de uma família pobre, pode ser considerado um dos personagens de um período mais longo dessa história e não apenas de resultados mais recentes. Parabéns, que essa história incentive não só o nosso filho mas os filhos de muitos outros márcios por aí. Beijo, com amor

Luciana

Parabéns pelo depoimento, Márcio! Aproveito para deixar um que fiz em junho, que lembra o que você disse. Um abraço!
“O que eu sei é o seguinte: nasci em 1968 e, portanto, vivi minha infância e juventude nos anos 70 e 80, em plena ditadura. Só quem viveu e presenciou estes anos de história do Brasil é que têm na carne e na alma a marca da realidade que existia nesse país naquela época. Existiam uma desesperança e um sentimento terrível de que esse país jamais tomaria jeito! E este sentimento se manteve por anos a fio durante este período da minha vida, perdurando por uns 30 anos. Creio que fui uma criança mais triste por ter convivido muito de perto com histórias de extremo desespero e miséria, como as dos retirantes e mendigos por esse país afora. Cada vez que via na TV, ou ao vivo pelas ruas, as histórias de vida daqueles miseráveis, daquelas crianças mortas de fome, era como estar relendo e vivendo “Vidas Secas”, de novo e de novo, com toda a dor que aquela leitura (e a visão dos fatos reais) me davam. Aquela era a realidade que batia na nossa porta várias vezes ao dia, ano após ano, sem mudanças. Lembro também, na escola, da miséria que sempre rondava a educação. Lembro a falta de materiais básicos como o simples álcool para rodar os textos no famigerado mimeógrafo (rsrsrs…ôh veiêira)! Pois até isto tinha, a corriqueira falta de álcool para rodar os textos que teríamos que receber para estudar! E estudei no Centro Pedagógico da UFMG! A UFMG vivia numa eterna falta de tudo. Eu me lembro de ir com a turma do jornalzinho da sala, Ernesto Perini, Flavia Godinho, Juliana Christo, entre outros, para nos encontrarmos com o Reitor da UFMG e pedir para que não fechassem nossa escola, porque havia este boato. Lembro-me das obras faraônicas que nunca (nunca mesmo!) acabavam. Lembro-me dos escândalos que surgiam meio velados e jamais seus responsáveis eram penalizados. E principalmente, eu me lembro da total descrença de que algo poderia funcionar nesse país e no sentimento de estarmos a anos luz de qualquer possibilidade de mudança. Então, não me digam que nada mudou! A educação nunca viu tanto dinheiro quanto neste governo. Eu não sei os números e os detalhes, mas perguntem ao Márcio quanto o Cefet recebia no governo PSDB e quanto recebe hoje em dia. Felizmente, os valores são absurdamente diferentes! Perguntem para quem viveu na UFMG há 20 ou 30 anos e está lá hoje e vejam o que têm a dizer sobre as mudanças que aconteceram. Perguntem para quem foi indigente e podia morrer na rua por não ter serviço médico (bom ou ruim) para procurar em hora de necessidade. Perguntem para quem foi retirante e viu seus filhos morrerem de fome. Então, falem o que quiserem, mas meu voto sempre será para o candidato que pelo menos tentar diminuir o abismo social e melhorar esse país. Pago meus impostos feliz se eles estiverem ajudando pessoas (e estão) a ter uma vida mais digna.”

Urbano

Quantas reencarnações serão necessárias, a fim de que os panacas seguidores da oposição ao Brasil consigam ter pelo menos um vislumbre dessa dádiva que o Governo PT propiciou a todos?

O Mar da Silva

Sem comunicação das transformações ocorridas nos últimos 12 anos, o PT vai duelando com uma mídia que agrega muitos simpáticos da nova classe média. Esta muito beneficiada justamente pelos governos petistas tão odiados pelo PIG.

Nem vou falar do papel de uma parte da esquerda que de tão cega faz coro com uma direita em vias de extinção ou de ser incorporada aos senhores da nova política, que deverá ser enviada para UTI depois de 5 de outubro de 2014.

Fui estudante do CEFET nos governos FHC e sei o que foram aqueles tempos em termos de desinvestimento, acobertamento de todo tipo de fraude e corrupção. É preciso ter muito preconceito e pouca massa cinzenta para reproduzir os delírios do PIG sobre o governo petista.

Ainda assim, se as pesquisas, sempre suspeitas, estiverem corretas, o povo ainda lembra da tragédia para a maioria da população que foi o governo do sociólogo da Sorbone coligado com o ex-PFL e PMDB de sempre. A maioria aprova o governo Dilma e lembra sem saudades de todo mal que foi o desgoverno do FHC e seu sócio majoritário, o PIG.

Edgar Rocha

Pergunte aos alunos da FFLCH USP, em qualquer tempo, em qualquer época, em qualquer momento… Tudo uma bosta! E não poderia ser diferente. Como é que se formam ‘intelectuais’ de esquerda naquele lugar, se tudo não estiver ruim? eles vão pra rua contra-tudo-que-taí e colocam no mesmo barco o poder federal e estadual. Fazem ‘greve de alunos’ (rá!) e comemoram aumento de salário pra funcionários como se eles fossem receber o dinheiro. Não movem uma palha pra garantir a melhoria do nível de aprendizado (quem precisa disto? alguém que queira trabalhar, oras!), fazem greve até pelo direito de fumar maconha no campus….
Mas, querem saber, bem feito pras elites! Quem mandou colocar nas mãos de seus filhos o dever de produzir conhecimento

Cláudio

Com Dilma, a verdade vai vencer a mentira assim como a esperança já venceu o medo (em 2002 e 2006) e o amor já venceu o ódio (em 2010). ****:D:D . . . . ‘Tá chegando o Dia D: Dia De votar bem, para o Brasil continuar melhorando!!!! ****:L:L:D:D ****:D:D . . . . Vote consciente e de forma unitária para o seu/nosso partido ter mais força política, com maioria segura. . . . . ****:L:L:D:D . . . . Lei de Mídias Já!!!! ****:L:L:D:D ****:D:D … “Com o tempo, uma imprensa [mídia] cínica, mercenária, demagógica e corruta formará um público tão vil como ela mesma” *** * Joseph Pulitzer. ****:D:D … … “Se você não for cuidadoso(a), os jornais [mídias] farão você odiar as pessoas que estão sendo oprimidas, e amar as pessoas que estão oprimindo” *** * Malcolm X. … … … Ley de Medios Já ! ! ! . . . … … … …:L:L:D:D

Ricardo

Conheço o autor do texto. Márcio foi companheiro meu na ALMG. Fiquei emocionado lendo este depoimento dele no Viomundo, hoje.
Valeu, Márcio!
Um abraço
Ricardo

Rodrigo Barbosa de Vasconcelos

Ótimo texto!

Agora, só uma dúvida. O Ciências Sem Fronteiras não é apenas pra área de Ciência e Tecnologia deixando de lado as chamadas Ciências Humanas? Acho que a verba do CNPQ não é do CsF.

José Antônio Pinto Pereira

O Brasil mudou sim, para melhor, muito muito melhor. Eu sinto muito orgulho de vivenciar essas mudanças. Por isso, voto DILMA.

Neila

Não dá nem para comparar: o acesso hoje à oportunidades de avançar na escolaridade é muito, mas muito maior do que na década de 1980!

    Pois é

    Imagine que tipo de gente desgraçada seria o petismo se não tivesse avançado nem uma miséria grama, quando quando grama a mais pode se transformar num dos maiores feitos já ocorrido no Brasil?

Luisk2017

Sou “daquela” época e o quadro era bem precário. Eram poucos, nem por isso os melhores! A Coreia do Sul deu um salto na educação quando investiu em salas que coubessem até 100 alunos. O mito do funil é só para garantir a elite!

Silvio Torres

A pergunta que tantos milhões se fazem há tanto tempo: porquê o PT não escancara tudo isso para a população, dessa forma simples e direta? O que acontece com os gênios da comunicação do partido?

    MARCOS AURELIO VIEIRA

    Silvio.

    Acredito que o PT até esteja (tentando) fazer isso. Porém as pessoas não querem ouvir para compreender, mas para poder responder e apontar o que tem de errado (na visão delas está tudo errado).

    Basta comparar as “sabatinas” de todos os candidatos.

    À Dilma não é permitido fechar uma linha de raciocínio se quer. E ai sabe o que ouço de colegas anti-PT, que a Dilma não responde as perguntas, que ela não é clara na respostas.

    É a mesma coisa quando eu tento fazer um contraponto, pois vivi a era FHC e a era Lula/Dilma. E falo pra eles, que eu ganhei muito dinheiro na era FHC, na era Lula fiquei desempregado, mas percebi que a vida mudou para melhor para muita gente. A minha complicou por escolhas minhas (muitas delas erradas). Mas nem por isso fico pensando no próprio umbigo. Mesmo porque já estou curtido, e sei batalhar pelo que é meu, ao contrário de quem realmente precisa de apoio do governo e suas politicas sociais. Eles simplesmente não deixam eu terminar o contraponto, sou interrompido a cada 5s, com petrolão (eles tem memória e conceitos de corrupção seletivos), mensalão, aparelhamento, etc.

    O que mais me irrita, são pessoas com Prouni, morando em uma casa pelo Minha Casa Minha vida, participando do Ciências Sem Fronteira, com Bolsa Auxilio (estudo atualmente na UTFPR e tem muitas dessas bolsas), e ainda falarem que está tudo errado e o PT tem que sair.

    Julio Silveira

    Meu caro, tenho esse mesmo sentimento. Muitos podem até duvidar, mas minha gratidão aos governos petistas é pelo fizeram (e muito) de bom para o Pais. E digo isso de forma isenta mesmo, já que sequer sou petista, filiado, militante, sou apenas um sujeito grato pelas tentativas de mudanças inclusive culturais, as mais doloridas para “nossos” conserva-dores, para o povo.

Ricardo

Por tudo isso, e muito mais, o Lula é tão odiado pela elite escravocrata brasileira.

Hidelbrando Penteado da Silva

Só que naquela época só os melhores entravam na universidade. Hoje as salas de aulas estão cheias de analfabetos. Temos verdadeiras fábricas de diplomas e nenhuma qualidade. Salvo raras exceções de algumas universidades federais.

    Lucia

    As chances, Hildebrando. As chances.
    O negócio são AS CHANCES para os despossuídos de chances.
    Repita comigo: “as chances”. Outra vez: “As chances”.
    Isso. Continue repetindo…

    Bertold

    Esse negócio de “só os melhores” precisa ser relativizado. Basta levar em conta as formas de ingresso nas universidades da época, bem diferente nos dias atuais, bem como as quantidades de vagas oferecidas tanto públicas como privadas. Concordo contigo sobre as “fábricas de diplomas” mas mesmo estas também sempre existiram, ou não?

    JapValla

    E o mercado de trabalho faz a triagem necessária. Isso ocorre no mundo inteiro. Nos USA existe a Ivy League.

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