Lincoln Secco: As lutas de classes retornam pelos banheiros

Tempo de leitura: 2 min

por Lincoln Secco, no site da Boitempo, sugestão de Maria Salete Magnoni

Podemos agora reler cuidadosamente O 18 Brumário de Luiz Bonaparte que a editora Boitempo acaba de lançar em nova tradução. Mas não podemos deixar de dizer que, apesar de sua genialidade, Karl Marx não imaginou até onde chegariam as lutas de classes em França ou fora dela.

Bem, elas simplesmente chegam aonde é necessário.

Recentemente, a Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da USP foi palco de um protesto sujo. As funcionárias de uma empresa terceirizada de limpeza estavam sem receber seu salário. Diante disso, juntamente com alguns estudantes elas viraram os cestos de lixo e inundaram o prédio de História com os rejeitos que raramente aparecem aos olhos de quem os produz.

Todos ficaram justamente indignados quando viram o que havia dentro da lata de lixo da história.

Não é preciso dissertar sobre qual seria a responsabilidade jurídica do Estado perante funcionários terceirizados que trabalham em suas dependências e nem mesmo sobre a legalidade do ato para reconhecer sua legitimidade. Talvez errado na forma, ele foi certo no conteúdo. Afinal, não é tolerável fazer um trabalho degradante e nem receber por isso.

Longe do lixo, seria mais aprazível retomar um antípoda de Karl Marx: Alexis De Tocqueville em suas Lembranças de 1848. Tanto quanto Marx, ele narrou vivamente alguns episódios da Primavera dos Povos. Mas de uma perspectiva política contrária.

Naqueles dias tempestuosos ele encontrou seu amigo Adolphe Blanqui, então um próspero economista. Adolphe era irmão do revolucionário permanente Auguste Blanqui, descrito pelo próprio Tocqueville no dia da tomada do parlamento como uma figura horrenda sob todos os aspectos.

Mas Adolphe também tinha coração. Certo dia, ele viu um jovem provinciano vivendo em extrema miséria e resolveu adotá-lo como parte da criadagem de sua residência em Paris.

Quando começou a insurreição de junho de 1848, era uma quinta feira. Esgueirando-se pelos meandros da casa, Adolphe ouviu um diálogo na cozinha entre aquele rapaz e uma de suas jovens empregadas. Dizia o jovem desaforado: No domingo que vem, seremos nós que comeremos as asas do frango. Ao que a moça retrucou: E seremos nós que usaremos belos vestidos de seda?.

Para Tocqueville o que havia de mais surpreendente na história não era a insolência daquele par, mas o fato de que Adolphe não tivesse coragem de surpreendê-los e expulsá-los naquele momento. Eles o atemorizavam. Só depois que a classe operária parisiense foi esmagada nas ruas é que o respeitável economista teve a coragem de botá-los para fora de sua casa.

A luta de classes não é algo tão abstrato que habite apenas os discursos e os livros. Às vezes, ela se insinua no mais inesperado cotidiano. Ettore Scola em seu filme La Cena (O jantar) teve o mesmo bom gosto de Tocqueville ao situá-la na cozinha onde um velho chef comunista lançava seus impropérios.

Na Universidade, as lutas de classes, expulsas das salas de aula, resolveram voltar de forma mais incômoda: pelo banheiro.

Lincoln Secco é professor de História Contemporânea na USP


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Comentários

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FrancoAtirador

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Justiça de SP condena homem por racismo no Orkut

A juíza Maria Isabel Rebello Pinho Dias, da 16ª Vara Criminal de São Paulo, condenou um homem de 27 anos acusado de racismo pela internet a dois anos, quatro meses e 24 dias de prisão. Ele respondeu a um processo originado em 2008 pelo crime de praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

As agressões foram difundidas por meio do site de relacionamentos Orkut. Como a condenação foi inferior a quatro anos de reclusão e o acusado é réu primário, a pena foi convertida em prestação de serviços à comunidade.

O Ministério Público Estadual acusou o homem de ter adicionado no seu perfil do Orkut as comunidades “coisas que odeio: preto e racista”, “Adolf Hitler Lovers”, “Sou racista” e “racista não, higiênico!”.

De acordo com a sentença, o rapaz afirmou que há negros em sua família e não teria motivos para ser racista. Ele reconheceu que fez comentários infelizes, mas disse que na época não pensava sobre suas consequências.

A juíza não cedeu a esse argumento. “Em que pese o acusado sustentar que apenas fez comentários infelizes, com intenção de brincadeira e discussão, tal alegação deve ser rechaçada, pois não é admissível que a livre manifestação de pensamento seja usada como subterfúgio para condutas abusivas e lesivas a um dos objetivos da República Federativa do Brasil, qual seja, a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, cor, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, disse a juíza.

http://africas.com.br/site/index.php/archives/116

Márcio Gaspar

Azenha o link acima da boitempo acho que está errado, pois remete para um site fazenda boitempo, quando clicado neste link. O site correta da boitempo: http://boitempoeditorial.wordpress.com/.

Lucile

Parabéns, LS!
Acompanhei suas pesquisas! Sinto orgulho de vc!
Na mesa da Biblioteca não pensei que chegaria tão longe, bravo!
Lucile

assalariado.

A luta de classes é a sociedade baseada na exploração de uma classe pela outra(capital x trabalho).Um exemplo:Trabalho em uma empresa que o capitalista(patrão), cobra dos clientes R$80,00 /hora e me paga R$10,00 /hora sendo que,trabalho 8 horas/dia.Isto significa que em 1 hora de produção pago o meu salário/ dia mas,a jornada de trabalho é de 8/h.O que acontece então com as restantes 7 horas? Essas 7 horas,os operários trabalham de graça para o patrão.Essas 7/h são trabalho excedente do operário e,que o patrão usa mas não paga. Portanto,o colaborador,com seu trabalho excedente,produz mais valor do que ele recebe como salário,isto é, produz MAIS VALIA que,vai para o bolso do dono do capital com o nome de lucro,depois de subtrair impostos,etc. Está aí o "mistério" do lucro que é o motor da economia capitalista.A construção de uma sociedade socialista é o antídoto para os males do capeta-lismo e dos capeta-listas.____Aqui vai um video: [youtube F-Nb2-B0Hj0 http://www.youtube.com/watch?v=F-Nb2-B0Hj0 youtube]

FrancoAtirador

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A TERCEIRIZAÇÃO É MAIS UM SUBPRODUTO DO NEOLIBERALISMO.
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dukrai

a cozinha e a gastronomia na França foram a centralidade da cultura do império, que perdura até hoje. os nossos protestos nascem do banheiro, na labuta da limpeza dos restos como os pretos tigrados da nossa velha sociedade escravocata carioca, que carregavam os barris carregados de dejetos fecais (a Aninha está lendo rs) das casas senhoriais que escorriam pelas suas costas e deixavam as marcas das chagas das dermatoses. a minha admiração pelos meninos uspianos traidores da sua classe vil e que souberam encontrar o caminho justo da solidariedade.

Guillermo

Ainda bem que elas não limpavam lixo de contaminação biológica ou nuclear.
Imagino que isso seja reflexo de um processo que precisa ser revisto, ou pelo menos deveria existir uma delegacia da PF especializada em licitação e concursos. Toda vez que chega ao fim do contrato, o "dono" da empresa apronta uma, são comuns os casos de desaparecimento, não pagamento de direitos trabalhistas etc.
Tem as honestas, sim, mas com o processo exigindo preços cada vez mais baixos, aquelas de má-fé vão vencendo as licitações.

    assalariado.

    Guillermo,capitalismo é um mal por si só,uma das bestas do apocalipse,basta olhar como ele se impõe no seu dia/dia.Salários míseros, desemprego,crises ciclicas,corrupção estatal,assalto ao Estado,miséria, sofrimento e fome em plena abundância,… Enfim,quem esta acabando com o ser humano e o planeta? Quem corrompe a sociedade são os ricos ou os pobres?

    Saudações Socialistas.

Jair Almansur

Isso não é luta de classes! É o emporcalhamento de uma escola! É forma infantil de revolta que em verdade desserve a luta de classes. Misturando Freud com Marx eu diria que é a fase anal da luta de classes. Tal manifestação está em consonância com uma instituição que em pesquisas eleitorais indica PSDB/Dem como sua preferência eleitoral.

    A.J

    Desculpe. Estudo lá, e cxom certeza, os estudantes responsáveis por isso foram da MNN e da LER – QI… radicais xiitas de esquerda. Nao fale do que nao sabe.
    Mas concordo com o resumo: emporcalhamento da escola.

ZePovinho

Só quero ver os comentários dos trolls.Segundo eles,a luta de classes está superada pelo aspecto técnico da globalização…

Pedro Luiz Paredes

Se um dos lados não luta não há luta.
Um dos lados esta sempre lutando, com o objetivo intacto de acumulação, sem qualquer responsabilidade social ou simplesmente humana. Assim qualquer manifestação de luta pela outra parte é considerada ultrajante.
Ora, se a cada dia se acumulam, alem de riquezas e também em virtude delas, ferramentas para se manter e adquirir novas armas contra os que não lutam, será cada dia mais vil qualquer menção de desajuste, contrariedade; e que isso alcance a moral.
Cheguemos então ao ponto que além das questões objetivas, que já são consideradas insuperáveis (e muitos acreditam nisso), teremos também o alcance da ferramenta moral à imposição, de impeto e impulso, descaracterizando qualquer resquício do que possa parecer uma luta.
Para haver luta deve haver no mínimo dois lados individualizados.
Na idiotice de alguns, o contentamento, por saber desfrutar da utopia de fazer parte daqueles, e não dos que deveriam estar lutando e por isso a posta e dita utopia.
Para haver luta deve se dar nome aos bois sempre, e da mesma forma, intocável.

    João

    Paredes, você está querendo defender a "humanização do capital"?
    Rapaz, Gandhi foi apenas um, e conseguiu expulsar a Inglaterra da Índia porque os ingleses eram inimigos comum a todos.
    Você considera o princípio da não-violência válido para a luta entre capital e trabalho??
    Sua mensagem está muito confusa. Afinal, o que você quer dizer?

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