Lighia Horodynski-Matsushigue: Por que a greve das federais foi unificada

Tempo de leitura: 5 min

por Lighia Brigitta Horodynski-Matsushigue

As universidades federais (IFES) encerraram recentemente, de modo impressionantemente unificado, uma greve que, dependendo da instituição, havia completado 3 meses ou até mais. Foi um movimento amplo, que deixou de envolver apenas duas das 59 universidades e atingiu vários dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, criados há pouco. É interessante analisar por que a greve, unificada desde seu início, conseguiu atingir instituições com histórias e características tão diversas, situadas praticamente do Oiapoque ao Chuí. É intrigante, também, verificar que tenha se mantido apesar das várias tentativas de desmobilização do governo federal que, tardiamente, entre outras ações – algumas claramente intimidatórias – apresentou à categoria docente duas “propostas”.

Várias causas desse acontecimento extraordinário, numa era em que o individualismo é a característica dominante, podem ser discernidas por quem acompanhou a situação das universidades federais ao longo dos últimos anos.

A primeira é óbvia: muitos docentes recém-contratados se viram às voltas com condições de trabalho completamente inadequadas, em especial nos vários novos campi das universidades federais, superlotados de aulas, em locais improvisados, sem possibilidades de realizarem suas pesquisas para as quais foram formados e contratados. Tudo isso devido à expansão REUNI, apressada e subfinanciada.

A segunda, talvez a mais divulgada pela imprensa, se bem que sem análise alguma de seu real significado: na mesa de negociação, finalmente instituída, que demonstrou ser antes uma mesa de imposição, as duas “propostasconsistiram apenas na apresentação de tabelas, elencando a remuneração futura para cada uma das duas carreiras, a do magistério superior e a dos docentes nos novos Institutos Federais – que o executivo insiste em manter separadas, apesar de oferecerem ensino superior. Esquecendo, pelo momento, o ridículo de o governo querer vender para o público em geral como positivo um valor de “reajuste” que, ao longo dos 3 próximos anos, se transformaria em perda para a ampla maioria dos docentes, a inadequação da proposta quanto à remuneração estava muito presente nas discussões efetuadas pela categoria.

A diferença entre a primeira e a segunda das “propostas” consistia, simplesmente, em conceder perdas um pouco menos drásticas para alguns dos níveis das carreiras. Apenas para os aproximadamente 10% dos docentes nas posições de titular ou de associado (por sinal, criada durante o governo Lula e, portanto, numericamente pouco representativa) havia, em ambas as propostas, algum ganho real.

Contudo, a imprensa não deu destaque algum ao fundamental: nunca houve qualquer progresso na mesa em relação à reivindicação mais importante para o futuro da Educação Superior pública, que se referia à reconquista de uma carreira docente que preservasse a autonomia das universidades. Essa é a terceira e a mais importante causa da persistência da greve.

Desde 2007, com a anuência de um sindicato de fachada promovido pelo executivo, o Proifes, o governo federal vem manipulando níveis e regimes de trabalho. Naquela ocasião, outro “reajuste” escalonado por 3 anos conseguiu ludibriar uma parcela considerável dos professores que, no entanto, não parecem, hoje, dispostos a cair em outro conto do vigário.

Vale ressaltar que o último reajuste desse pacote incidiu na folha de pagamento em julho de 2010 e que, portanto, os valores alardeados inicialmente pela imprensa cobrem meia década, sem compensação pela a inflação passada e nenhuma previsão para a futura! Nesse sentido, é importante lembrar que os servidores federais não dispõem, há mais de 10 anos, de qualquer reajuste por tempo de serviço, tipo quinquênio, anuênio ou sexta parte, ainda vigente, por exemplo, em São Paulo...

Com a Constituição de 1988, os docentes federais haviam conquistado seu regime jurídico único, com classes e níveis definidos nacionalmente e com fatores, também definidos, entre os 3 regimes de trabalho a que estão submetidos. Se, no fatídico acordo de 2007, já haviam sido desmontadas essas relações, em julho de 2012 o governo repetiu a dose: apresentou suas tabelas de remuneração sem nenhuma relação lógica entre regimes, nem entre os níveis propostos.

Isso sedimenta uma manipulação grave e aponta para que, doravante, o governo tenha toda possibilidade de continuar modificando o fator de valorização, ou não, do regime de dedicação exclusiva – DE (que era de 50% em relação ao regime de 40 h, o qual, por sua vez, era o dobro daquele da jornada de 20 h semanais).

Em 2015, considerando a última proposta do executivo federal (de julho de 2012), e tomando os dois extremos das tabelas remuneratórias apresentadas, a relação entre os salários, aquele proposto para o regime DE e o de 20 h de trabalho semanal, varia de um mínimo de 2,07, para o primeiro nível, até o máximo de 3,38, destinado aos poucos professores titulares; para o nível Adjunto 1 (onde se encontra boa parte dos doutores recém-contratados) é atribuído o fator 2,99, mas um bem maior, de 3,35 para o Associado 1 – classe introduzida recentemente e alcançada por muito poucos. Vale notar que são previstos interstícios mínimos de 24 meses para qualquer ascensão, sujeita também à avaliação de desempenho, entre dois níveis adjacentes dos 13 níveis da carreira proposta.

Os fatores acima são diferentes daqueles aplicados em 2007. A partir daí, nova mudança pode ser facilmente introduzida quando de nova negociação salarial, daqui a 3 ou 4 anos! Será que o ponto fulcral de todas as propostas é manter o conjunto da folha salarial em valor baixo, mas apresentar para a mídia valores extremos chamativos? Qual carreira está sendo construída?

As tabelas para 2015 revelam outras particularidades: para o regime em DE, há um desnível salarial importante, de 27%, entre o professor Associado 1 e o Adjunto 4, nível que lhe fica logo abaixo, mas de apenas 7,4% entre o Adjunto 1 e o Assistente 2 (último nível da classe inferior, em geral ocupado por docentes com titulação de mestre); para o regime de 20 h esses fatores diminuem para, respectivamente 16% e 4,9%. Que tipo de política implícita o governo pretende fazer, manipulando desse modo os valores?

Ademais, pela proposta mencionada – novamente “aprovada” sob aplausos pelo Proifes, em começos de agosto – independentemente da titulação, todo docente a ser contratado no futuro iniciará sua carreira como Auxiliar 1 e apenas poderá ser transposto para o nível, em princípio, correspondente à titulação (Adjunto) após o estágio probatório. Assim, em 2015 (!), o salário inicial de um professor com doutorado e dedicação exclusiva passaria a ser de apenas R$ 8.639,50, quase certamente significando perda inflacionária apreciável, em relação aos atuais R$ 7.627,02 (valores de julho de 2010). Segundo, anúncio na página oficial, “o salário inicial dos professores iniciantes com mestrado e dedicação de 40 horas saltará de R$ 3.137,18 para R$ 3.799,70”.  Será que estaremos iniciando a era de depreciação da carreira docente, repetindo a derrocada vivenciada na Educação Básica? Que jovem doutor poderá ser atraído por esse tipo de carreira – ainda depreciada pelo fato de não oferecer mais aposentadoria integral?

por Lighia Brigitta Horodynski-Matsushigue é professora aposentada do Instituto de Física da USP, membro dos GT-Política Educacional da Adusp e do ANDES-SN.

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Vinícius

Ué, cadê o galerê que gosta de falar mal de direito à greve? Não vão se pronunciar pra defender a coalizão nacional-desenvolvimentista da Dilma?

Azenha, posso deixar como pedido, um texto ou entrevista de alguém do PROIFES. Eu quero ver o que o sindicato pelego, no sentido mais próprio e original da palavra, tem a dizer sobre o seu comportamento e sobre suas derrotas humilhantes. Diga-se de passagem que a própria CUT, acusada de ser pelega, às vezes com justiça, denunciou o governo Dilma na OIT por causa do decreto 7.777. Como o PROIFES justifica ter ido muito além do que se espera até mesmo de um braço do governo federal? Como os comentaristas anti-greve do Viomundo convivem com o “duplipensar” de se dizerem a esquerda, em oposição à direita da mídia e aos trotskystas da “quinta coluna”, quando não conseguem fazer o mínimo do mínimo da solidariedade de classe, que é desconfiar do que o patrão e a imprensa falam de uma greve?

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