Leandro Fortes derrota Gilmar Mendes

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Jornalismo 1 x 0 Gilmar Mendes

Leandro Fortes, no Brasília eu vi

Na edição de 8 de outubro de 2008 da CartaCapital, em uma reportagem de minha autoria intitulada “O empresário Gilmar Mendes”, revelei a ligação societária entre o então presidente do Supremo Tribunal Federal e o Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Trata-se de uma escola de cursinhos de direito cujo prédio foi construído com dinheiro do Banco do Brasil sobre um terreno, localizado em área nobre de Brasília, praticamente doado (80% de desconto) a Mendes pelo ex-governador do Distrito Federal Joaquim Roriz. O IDP, à época da matéria, havia fechado 2,4 milhões em contratos sem licitação com órgãos federais, tribunais e entidades da magistratura, volume de dinheiro que havia sido sensivelmente turbinado depois da ida de Mendes para o STF, por indicação do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. O corpo docente do IDP era formado, basicamente, por ministros de Estado e de tribunais superiores, desembargadores e advogados com interesses diretos em processos no Supremo, o que, por si só, já era passível de uma investigação jornalística decente. O que, aliás, foi feito pela CartaCapital quando toda a imprensa restante, ou se calava, ou fazia as vontades do ministro em questão. Foi a época da Operação Satiagraha, dos dois habeas corpus concedidos por Mendes ao banqueiro Daniel Dantas, em menos de 48 horas. Em seguida, a mídia encampou a farsa do grampo sem áudio, publicado pela revista Veja, que serviu para afastar da Agência Brasileira de Inteligência o delegado Paulo Lacerda, com o auxílio luxuoso do ministro da Defesa, Nelson Jobim, autor de uma falsa denúncia sobre existência de equipamentos secretos de escuta telefônica que teriam sido adquiridos pela Abin.

Naqueles tempos duros, fazer uma cobertura crítica da atuação de Gilmar Mendes no STF era uma tarefa quase suicida. Mesmo o governo federal, instado a não comprar briga com Mendes justo no momento em que o inquérito do chamado “mensalão” passava às barras do Supremo, manteve-se amedrontado. Emblema daquela circunstância foi a submissão do presidente Lula às idiossincrasias de Mendes, chamado pelo ministro “às falas” para responder pela inverossímil denúncia de espionagem no STF. CartaCapital e este repórter, por revelarem as atividades comerciais paralelas de Gilmar Mendes, acabaram processados pelo ministro, evidencie-se, dentro das regras democráticas e legais do Estado de direito.

Acusou-nos, Mendes, de termos elaborado a referida reportagem com o intuito de lhe “denegrir a imagem” e “macular sua credibilidade”. Alegou, ainda, que a leitura da reportagem atacava não somente a ele, mas serviria, ainda, para “desestimular alunos e entidades que buscam seu ensino”. Essa argumentação foi desmontada ainda antes da sentença, por este blog, no post que pode ser acessado aqui.

Em 26 de novembro de 2010, portanto, na semana passada, a juíza Adriana Sachsida Garcia, do Tribunal de Justiça de São Paulo, julgou improcedente a ação de Gilmar Mendes e extinguiu o processo contra mim e a CartaCapital. Dentre outras considerações, afirmou:
“As informações divulgadas são verídicas, de notório interesse público e escritas com estrito animus narrandi. A matéria publicada apenas suscita o debate sob o enfoque da ética, em relação à situação narrada pelo jornalista. Não restou configurado o dolo ou culpa, condição sine qua non para autorizar a condenação no pagamento de indenização. A população tem o direito de ser informada de forma completa e correta, motivo pelo qual esse direito deve sobrepor-se às garantias individuais, sob determinadas circunstâncias, como são as objeto de análise.”

Abaixo, alguns trechos da sentença proferida pela juíza Adriana Garcia. A decisão ainda é passível de recurso por parte da defesa do ministro Gilmar Mendes:

“(…) Desnecessária a colheita de outras provas, pois a matéria é eminentemente de direito e os fatos controversos vieram bem comprovados por documentos, de maneira que autorizado o julgamento antecipado, em conformidade com a regra do artigo 330, inciso I, do Código de Processo Civil. O pedido é improcedente. (…) Ocorre que, a documentação trazida com a defesa revela que a situação exposta é verídica; o que, aliás, não foi negado pelo autor.”

“Considerado o modelo da reportagem e as palavras utilizadas, não vislumbro ofensa ao ordenamento jurídico, condição indispensável para a condenação no pagamento de indenização.”

“O tema exige cautela do julgador para que não incida na odiosa restrição das liberdades de informação e de expressão, as quais contêm o direito de criticar. Careceria de justa causa a notícia falsa ou imprudentemente divulgada, mas não a baseada em fatos reais e de manifesto interesse público.”

“Insta aqui destacar que a reportagem de fato assevera não haver ilegalidade no proceder do autor ou de qualquer das pessoas físicas mencionadas, tanto que eminentes juristas foram entrevistados para emitir opinião técnica sobre a participação de magistrados em sociedades empresariais e restou registrada a controvérsia existente sobre o tema.”

“Não se considera ‘caviloso’ o texto do jornalista porque não criou fatos ou incluiu inverdades, nem omitiu dados importantes ao bom entendimento da notícia. De fato, já na inicial, o autor reconhece que o Ministro Gilmar Mendes é sócio da empresa e detém uma terça parte das quotas sociais. (…) Bem assim, a inicial admite a realização de contratos com vários órgãos do Poder Público no âmbito federal, com dispensa de licitação, por inexigibilidade.”

“Ainda, o autor relata que possui corpo discente de alto gabarito, ilustrado por figuras ocupantes do alto escalão dos diferentes Poderes da República. E se os fatos não são mentirosos, não vejo fundamento jurídico para coibir o livre exercício do questionamento e da crítica pela imprensa.”

“A reportagem impugnada consubstancia regular exercício de direito, consubstanciado em crítica jornalística própria dos regimes democráticos. A doutrina e a jurisprudência concordam que, pelo menos para efeito de responsabilidade civil, a licitude da matéria jornalística decorre do interesse público, da veracidade e pertinência de seu conteúdo.”

“E, finalmente, também o conteúdo é pertinente – não obstante a crítica inserida – havendo articulação lógica entre o conteúdo narrado e as conclusões expostas. A relevância dos fatos narrados foi apresentada de modo adequado em relação ao contexto dos fatos noticiados. A documentação acostada pela defesa demonstra que foi apurada a procedência dos fatos narrados, de modo a neutralizar a alegação de que houve divulgação precipitada e indevida de fatos aptos a arruinar a reputação das pessoas citadas.”

“Não se pode cogitar de verdadeira liberdade de informação e expressão sem a possibilidade da crítica, a possibilidade de emitir juízo de valor – favorável ou não – em relação a determinado comportamento.”

“Reconhecer ilicitude, sem provas sobre animus injuriandi ou animus nocendi, constitui, pelo peso da indenização por dano moral, restrição que se aproxima da censura”

“Condeno o autor no pagamento das verbas oriundas de sua sucumbência, com honorária que fixo em R$ 5.000,00 para cada um dos co-réus, atualizados monetariamente a partir da data desta sentença pelos índices da Tabela Prática editada pelo Egrégio Tribunal de Justiça deste Estado, nos termos do que preceitua o artigo 20, § 4º, do mesmo Código de Processo Civil. Transcorrido o prazo para recurso, ou processado o que houver, diligencie a serventia o arquivamento dos autos, observadas as formalidades legais e cautelas de praxe.

P.R.I. São Paulo, 26 de novembro de 2010.

Adriana Sachsida Garcia Juíza de Direito”


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Comentários

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José Luiz Rossi

Além de em Berlim,há juízes também no Brasil.Parabéns Leandro,extensivos à C.Capital.

Raquel

Parabéns!
É de jornalistas como vocês que o Brasil precisa!

Francisco José

Corajosa essa magistrada! É de juízes assim, independentes, que a justiça brasileira precisa. Essa derrota e outras que o Min.Gilmar Mendes vem sofrendo ultimamente, tanto na própria justiça, quanto no conceito da sociedade, significa que o Brasil não admite magistrados com o comportamento que sempre exibiu Gilmar Mendes. A torcida para a saída dele do STF, o mais rápido possível, vem se mostrando maior do que as do Framengo e Corinthians juntas. Parabéns CartaCapital!

@sergiobio

Cairia bem um glossário, para que nós mortais entendêssemos o idioma juridiquês proferidos nessas sentenças…

Vergonha

E quando os capangas vão começar a agir ?

IVAN N MORAIS

Olá Meu Caro Azenha,
A nossa população começa a compreender o jogo de poder perpetrado pelas "elites intelectuais" durante esses séculos.O processo é lento, porém tem que continuar. Acredito nos homens de bem desta NAÇÂO para evoluirmos. Eu acredito no BRASIL !!! Viva a DEMOCRACIA !!
Respeitosamente,
Ivan Nogueira de Morais
Cidadâo Brasileiro.

    Jairo_Beraldo

    Gostaria de manter este seu otimismo, mas ando bem desanimado!

Cícero

A sentença não poderia ser outra, senão a de improcedência da ação e extinção do processo. A matéria impugnada encerrava uma crítica jornalística a um fato público e verdadeiro, sob a ótica de um jornalista investigativo sério, publicada por uma revista bem conceituada como a Carta Capital, exemplo de jornalismo competente, de credibilidade, comprometido com a VERDADE DOS FATOS, sem distorcê-los. Não comete ato ilícito a empresa jornalística que se limita a publicar matéria narrando e analisando os fatos sem ofender as partes envolvidas, cumprindo apenas o seu dever de informar a verdade do fato jornalístico. Nesse sentido, várias são as decisões proferidas pelo STJ em sede de Recurso Especial. A matéria em pauta foi muito bem elaborada pelo Leandro Fortes. Difícil destruir os argumentos nela contidos. Parabéns à Carta Capital pela vitória. Parabéns à Juíza, Dra Adriana Garcia, pela sentença bem fundamenta.

PS: mesmo que o Gilmar Mendes recorra da sentença, a instância superior manterá a decisão, não há dúvidas quanto a isso. É farta a jurisprudência que embasa a tese de liberdade de imprensa.

Paulo

É como disse o colega se referindo ao mendes " esse ai só abre a boca para defender os ricos " casos ocorridos como o do Dantas e quando a policia federal foi investigar a construtora Camargo Correia e foi impedida de acessar os documentos da empresa, não foi apenas o Mendes a OAB tbm saiu em defesa da construtora.. e como todos vimos durante as eleições as falcatruas das obras do metro e do rodo anel de SP..

Essa juiza fez o que a lei manda nem a mais e nem a menos.. apenas seguiu na integra da lei e cada dia que passa este juizinho colocado pela direitia (FHC) a mascara vai caindo.. e graças a uma revista com muita ética para realizar este tipo de denuncias..

PARABÉNS CARTA CAPITAL e VIOMUNDO

Marta Guerra

É emocionante a integridade de alguns juízes! Principalmente os de primeiro grau!

    Jairo_Beraldo

    Ali reside os idealistas, os de nova moral, mostrando que basta ter ética.

Antonio Silva

Prezado Azenha, peço licença para postar um outro comentário .ESTOU REVOLTADÍSSIMO !

Aquele estrupício chapeludo, desqualificado blogueiro da revista lixo, digo Revista Óia, postou hoje um artigo(?) xingando o Presidente Lula de pscicopata .
Eis um comentario de um leitor denominada Heloisa :

” Heloísa -03/12/2010 às 18:48″

“É preciso chegar alguém para quebrar a cara desse pau-de-arara! ”
———–x———–

Ai eu pergunto : Este comentário conclamando uma agressão ao Presidente da República não poder ser tipificado como crime ? .
Utilizar um veículo de comunicação para conclamar a agressão física a uma pessoal (que dirá o Presidente da República) não é um crime grave ? .

Jairo_Beraldo

Agora tem-se que fazer uma manifestação contra a presença deste rábula no STF. Mas pelos nomes que Dilma está colocando em seu governo, desisto de achar que o Brasil vai mudar.

    Pedro

    Menos, Lula também teve vários desses nomes no governo e fez um dos melhores governos da história. Infelizmente, ainda se tem que fazer concessões nesse país.

    Marco

    Meno, Dilma não é Lula. Não tem o mesmo carisma e representatividade e pode quebrar a cara .

    Leider_Lincoln

    Ah, a torcida contra… É o que resta, né?

    Jairo_Beraldo

    Não Leider…fazer a crítica embasada. Bem diferente.

El Cid

… isso foi uma das tantas heranças non gratas do FHC.

El Cid

… o nosso querido Brasil merecia algo melhor no supremo !!

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