Laura Carvalho: Como Temer, em vez de debelar, pode prolongar a crise

Tempo de leitura: 7 min

laura carvalho - edilson rodrigues agencia senado

Crédito da foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

10 perguntas e respostas sobre a PEC 241

por Laura Carvalho, no Blog da Boitempo,13/10/2016

Organizei 10 perguntas e respostas sobre a PEC 241, com base na minha apresentação de terça-feira, dia 11 de outubro de 2016, na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado.

Espero que ajude aqueles que estão sendo convencidos pelo senso comum.

Lembrem-se: o orçamento público é muito diferente do orçamento doméstico.

1. A PEC serve para estabilizar a dívida pública?

Não. A crise fiscal brasileira é sobretudo uma crise de arrecadação. As despesas primárias, que estão sujeitas ao teto, cresceram menos no governo Dilma do que nos dois governos Lula e no segundo mandato de FHC.

O problema é que as receitas também cresceram muito menos — 2,2% no primeiro mandato de Dilma, 6,5% no segundo mandato de FHC, já descontada a inflação.

No ano passado, as despesas caíram mais de 2% em termos reais, mas a arrecadação caiu 6%. Esse ano, a previsão é que as despesas subam 2% e a arrecadação caia mais 4,8%.

A falta de receitas é explicada pela própria crise econômica e as desonerações fiscais sem contrapartida concedidas pelo governo e ampliadas pelo Congresso.

Um teto que congele as despesas por 20 anos nega essa origem pois não garante receitas, e serve para afastar alternativas que estavam na mesa no ano passado, como o fim da isenção de 1995 sobre tributação de dividendos, o fim das desonerações e o combate à sonegação.

A PEC garante apenas que a discussão seja somente sobre as despesas.

A PEC também desvia o foco do debate sobre a origem da nossa alta taxa de juros — que explica uma parte muito maior do crescimento da dívida, já que refere-se apenas às despesas primárias federais.

Uma elevação da taxa de juros pelo Banco Central tem efeito direto sobre o pagamento de juros sobre os títulos indexados à própria taxa SELIC, por exemplo — uma jabuticaba brasileira.

A PEC é frouxa no curto prazo, pois reajusta o valor das despesas pela inflação do ano anterior.

Com a inflação em queda, pode haver crescimento real das despesas por alguns anos (não é o governo Temer que terá de fazer o ajuste).

No longo prazo, quando a arrecadação e o PIB voltarem a crescer, a PEC passa a ser rígida demais e desnecessária para controlar a dívida.

2. A PEC é necessária no combate à inflação?

Também não. De acordo com o Banco Central, mais de 40% da inflação do ano passado foi causada pelo reajuste brusco dos preços administrados que estavam represados (combustíveis, energia elétrica…).

Hoje, a inflação já está em queda e converge para a meta. Ainda mais com o desemprego aumentando e a indústria com cada vez mais capacidade ociosa, como apontam as atas do BC.

3. A PEC garante a retomada da confiança e do crescimento?

O que estamos vendo é que o corte de despesas de 2015 não gerou uma retomada. As empresas estão endividadas, têm capacidade ociosa crescente e não conseguem vender nem o que são capazes de produzir.

Os indicadores de confiança da indústria, que aumentaram após o impeachment, não se converteram em melhora real.

Os últimos dados de produção industrial apontam queda em mais de 20 setores.

A massa de desempregados não contribui em nada para uma retomada do consumo. Que empresa irá investir nesse cenário?

Uma PEC que levará a uma estagnação ou queda dos investimentos públicos em infraestrutura física e social durante 20 anos em nada contribui para reverter esse quadro, podendo até agravá-lo.

4. A PEC garante maior eficiência na gestão do dinheiro público?

Para melhorar a eficiência é necessário vontade e capacidade. Não se define isso por uma lei que limite os gastos.

A PEC apenas perpetua os conflitos atuais sobre um total de despesas já reduzido.

Tais conflitos costumam ser vencidos pelos que têm maior poder econômico e político.

Alguns setores podem conquistar reajustes acima da inflação, e outros pagarão o preço.

5. A PEC preserva gastos com saúde e educação?

Não, estas áreas tinham um mínimo de despesas dado como um percentual da arrecadação de impostos.

Quando a arrecadação crescia, o mínimo crescia. Esse mínimo passa a ser reajustado apenas pela inflação do ano anterior.

Claro que como o teto é para o total de despesas de cada Poder, o governo poderia potencialmente gastar acima do mínimo.

No entanto, os benefícios previdenciários, por exemplo, continuarão crescendo acima da inflação por muitos anos, mesmo se aprovarem outra reforma da Previdência (mudanças demoram a ter impacto).

Isso significa que o conjunto das outras despesas ficará cada vez mais comprimido.

O governo não terá espaço para gastar mais que o mínimo em saúde e educação (como faz hoje, aliás).

Gastos congelados significam queda vertiginosa das despesas federais com educação por aluno e saúde por idoso, por exemplo, pois a população cresce.

Outras despesas importantes para o desenvolvimento, que sequer têm mínimo definido, podem cair em termos reais: cultura, ciência e tecnologia, assistência social, investimentos em infraestrutura, etc. Mesmo se o país crescer…

6. Essa regra obteve sucesso em outros países?

Nenhum país aplica uma regra assim, não por 20 anos. Alguns países têm regra para crescimento de despesas.

Em geral, são estipuladas para alguns anos e a partir do crescimento do PIB, e combinadas a outros indicadores. Além disso, nenhum país tem uma regra para gastos em sua Constituição.

7. Essa regra aumenta a transparência?

Um Staff Note do FMI de 2012 mostra que países com regras fiscais muito rígidas tendem a sofrer com manobras fiscais de seus governantes.

Gastos realizados por fora da regra pelo uso de contabilidade criativa podem acabar ocorrendo com mais frequência.

O país já tem instrumentos de fiscalização, controle e planejamento do orçamento, além de metas fiscais anuais.

Não basta baixar uma lei sobre teto de despesas, é preciso que haja o desejo por parte dos governos de fortalecer esses mecanismos e o realismo/transparência da política fiscal.

8. A regra protege os mais pobres?

Não mesmo! Não só comprime despesas essenciais e diminui a provisão de serviços públicos, como inclui sanções em caso de descumprimento que seriam pagas por todos os assalariados.

Se o governo gastar mais que o teto, fica impedido de elevar suas despesas obrigatórias além da inflação.

Como boa parte das despesas obrigatórias é indexada ao salário mínimo, a regra atropelaria a lei de reajuste do salário mínimo impedindo sua valorização real — mesmo se a economia estiver crescendo.

O sistema político tende a privilegiar os que mais têm poder. Reajusta salários de magistrados no meio da recessão, mas corta programas sociais e investimentos.

Se nem quando a economia crescer, há algum alívio nessa disputa (pois o bolo continua igual), é difícil imaginar que os mais vulneráveis fiquem com a fatia maior.

9. A PEC retira o orçamento da mão de políticos corruptos?

Não. Apesar de limitar o tamanho, são eles que vão definir as prioridades no orçamento.

O Congresso pode continuar realizando emendas parlamentares clientelistas.

No entanto, o Ministério da Fazenda e do Planejamento perdem a capacidade de determinar quando é possível ampliar investimentos e gastos como forma de combate à crise, por exemplo.

Imagina se a PEC 241 valesse durante a crise de 2008 e 2009?

10. É a única alternativa?

Não. Há muitas outras, que passam pela elevação de impostos sobre os que hoje quase não pagam (os mais ricos têm mais de 60% de seus rendimentos isentos de tributação segundo dados da Receita Federal), o fim das desonerações fiscais que até hoje vigoram e a garantia de espaço para investimentos públicos em infraestrutura para dinamizar uma retomada do crescimento.

Com o crescimento maior, a arrecadação volta a subir.

temer-meirelles

PEC 241 pode prolongar a crise

por Laura Carvalho, publicado originalmente na Folha de S.Paulo em 13/10/2016.

De acordo com o ministro da Fazenda Henrique Meirelles, se a PEC “do teto de gastos” não for aprovada, o Brasil teria de enfrentar alternativas “muito mais sérias e muito piores para o país”, como a alta de impostos.

De fato, como já vem ocorrendo desde 2015, o que a regra garante por meio de uma alteração na Constituição é que, independente de quanto se arrecadar, o debate econômico e o conflito distributivo sobre o orçamento público fique restrito por 20 anos a uma disputa sobre um total já reduzido de despesas primárias, onde os que detém maior poder econômico e político saem vencedores.

Os dados apresentados no Texto para Discussão n. 2132 do IPEA mostram que a deterioração fiscal verificada no Brasil nos últimos anos em nada tem a ver com um crescimento mais acelerado das despesas primárias federais.

Tais despesas — que seriam limitadas pela PEC a crescer apenas com a inflação do ano anterior — expandiram-se menos entre 2011 e 2014 do que nos governos anteriores.

Em 2015, caíram mais de 2% em termos reais.

O problema é que as receitas também cresceram menos durante o primeiro mandato de Dilma — 2,2% contra 6,5% no segundo mandato de FHC, por exemplo.

Além das desonerações fiscais sem contrapartida concedidas pelo governo e ampliadas pelo Congresso, a própria crise econômica explica o fenômeno.

A contração na arrecadação chegou a 6% em 2015 e, segundo as previsões, será de 4,8% em 2016.

O pagamento de juros, por sua vez, é responsável pela maior parte do aumento recente da dívida pública.

Embora o argumento comumente propagado seja de que tais despesas apenas refletem um equilíbrio de mercado, o fato é que as sucessivas elevações da taxa básica em 2015 pelo Banco Central encareceu —no mínimo — a alta parcela dos juros paga sobre os títulos indexados à própria taxa Selic.

Note-se que o aumento da taxa em nada ajudou a frear uma aceleração da inflação causada, essencialmente, pelo reajuste brusco dos preços administrados que vinham sendo represados.

E, mesmo com o processo atual de convergência da inflação para a meta, o Banco Central continua elevando a taxa de juros em termos reais.

Nesse contexto, a PEC não só não é a panaceia anunciada no que tange à estabilização da dívida pública —ou ao controle de uma inflação já em queda— como pode até mesmo prejudicar sua dinâmica ao tirar da mesa de discussão os três itens que mais explicam o quadro de deterioração fiscal atual: a falta de crescimento econômico, a queda de arrecadação tributária e o pagamento de juros.

Pior. Com o crescimento inevitável dos benefícios previdenciários por muitos anos, que ocorrerá mesmo no caso de aprovação de outra reforma, outras áreas terão seu peso cada vez mais comprimido.

Ao contrário dos magistrados, que parecem ter força suficiente para conquistar reajustes em meio a conflitos acirrados, despesas com educação por aluno, saúde por idoso, ciência e tecnologia, cultura, assistência social e investimentos públicos sofrerão queda vertiginosa.

Já a reforma tributária, o fim das desonerações fiscais, o combate à sonegação de impostos e a abertura de espaço fiscal para a realização de investimentos em infraestrutura não parecem fazer parte dos planos de Meirelles.

Frouxa no curto prazo, a PEC 241 não é um plano de ajuste e, muito menos, uma agenda de crescimento.

Trata-se de um projeto de longo prazo de desmonte do Estado de bem-estar social brasileiro.

Laura Carvalho é professora do Departamento de Economia da FEA-USP com doutorado na New School for Social Research (NYC). Escreve na Folha de S.Paulo às quintas-feiras.

Veja também:

Conceição Tavares: PEC 241 é “suicídio programado”; nem o FMI recomenda


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

Mimir

Querida Dr. Professora, só vou citar alguns argumentos contra os seus, com todo o respeito:

1- Ao se taxar os mais ricos (normalmente donos do capital, que se arriscam no setor empreendedorial, para nos fornecer produtos e serviços, que ficam a mercê da demanda), eles só embutirão os impostos no preço final do produto ( e assim que se precifica), o que afetará os mais pobres que terão que desembolsar mais dinheiro para se suprirem;

2- o governo possui 3 formas de se financiar –
a)impressão de dinheiro ( Total do Meio Circulante Nacional: R$ 203.963.545.671,34 Posição em: 27/10/2016) fonte:http://www4.bcb.gov.br/adm/mecir/Resposta.asp este que, quanto mais em circulação mais inflação gera, príncipio oferta e demanda
b)impostos – nada mais que espoliação para encarecer produtos e bancar burocratas
c)empréstimos – a dívida do Brasil ultrapassa 4 trilhões- dinheiro este que poderia ser voltado para fins produtivos e baixar juros, pois, se o governo me paga 14% a.a. porque, oras, abriria um empreendimento que me dará dor de cabeça e retorno líquido de uns 10% aa, ou um banco para que emprestaria para as polulação por um juro menos ao do governo???

3- Não é a taxa de juros que controla a inflação, mas, sim a falta da oferta, ou aumento da demanda, então se aumenta-se a taxa de juros fica mais caro produzir e este encarecimento é incorporado ao produto.

A solução do Brasil é desburocratizar os empreendimentos, quebrar as regulamentações, parar de sujar o câmbio, privatizar as estatais, abolir CLT, abrir o comércio, extinguir salário mínimo, simplificar e diminuir impostos, extinguir faculdades públicas, diminuir o número de funcionários do estado, entre tantas outras coisas.

FrancoAtirador

.
.
Olha só por que e para quem foi superdimensionado o Déficit Orçamentário de 2016:

O Governo Federal enviou hoje (14) ao Congresso Nacional
16 Projetos de Lei pedindo Autorização para Liberação
de Créditos Extraordinários

O projeto de Maior Valor é o PLN 40/2016, que libera R$ 95 BILHÕES

para o PAGAMENTO DE ENCARGOS FINANCEIROS DA UNIÃO FEDERAL.

http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/127151

http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/10/14/congresso-recebe-projetos-de-liberacao-de-verbas-para-ministerios-e-estatais
.
.

    FrancoAtirador

    .
    .
    EM nº 00281/2016 MP
    Brasília, 11 de Outubro de 2016

    1. Dirijo-me a Vossa Excelência para apresentar Projeto de Lei que abre crédito especial

    ao Orçamento Fiscal da União em favor de Encargos Financeiros da União,

    no valor de R$ 95.000.000.000,00 (NOVENTA E CINCO BILHÕES DE REAIS).
    .
    2. O crédito possibilitará a antecipação, para o exercício corrente, da cobertura

    de valor parcial do Resultado Negativo do Banco Central do Brasil,

    referente ao primeiro semestre de 2016,

    objetivando assegurar àquela Autarquia uma carteira mínima de títulos públicos

    emitidos pelo Tesouro Nacional, necessária à execução de suas operações de política monetária.
    .
    PRESIDENCIA DA REPUBLICA

    MENSAGEM Nº 563 de 2016

    Senhores Membros do Congresso Nacional,

    Nos termos do art. 61 da Constituição, submeto à elevada deliberação de Vossas Excelências o texto do projeto de lei que “Abre ao Orçamento Fiscal da União, em favor de Encargos Financeiros da União, crédito especial no valor de R$ 95.000.000.000,00, para o fim que especifica”.

    Brasília, 13 de outubro de 2016.

    http://www.senado.leg.br/atividade/rotinas/materia/getTexto.asp?t=201338&c=PDF
    .
    .

FrancoAtirador

.
.
“Tudo já foi Dito Antes.
Como Ninguém Escutou,
é Preciso Repeti-lo”

André Gide
Escritor Francês
.
.
Em toda a História, Nenhum País Capitalista Jamais se Desenvolveu

Sem Cobrar Impostos Diretos dos Ricaços e Sem Isentar os Pobres.
.
.

Deixe seu comentário

Leia também