José Miguel Wisnik: Vaia a Dilma no Itaquerão, grau zero da dignidade civil

Tempo de leitura: 3 min

Superficial e pesado

A famigerada vaia a Dilma, na abertura da Copa, tem alguma coisa de destampatório infantil

por José Miguel Wisnik, O Globo, via Blog da Maria Frô

Não gostei de me ler no GLOBO falando sobre a vaia verbal a Dilma na abertura da Copa. Quando recebi o telefonema da repórter, imaginei que se tratava do formato enquete, em que se colhe uma frase de cada uma entre muitas pessoas, e não uma entrevista com destaque e fotografia, sugerindo a intenção de um pensamento completo. Prezo muito o esforço para se chegar à formulação de um pensamento minimamente sustentável. É o que tentarei fazer aqui.

Vaias e aplausos são ruídos com sinais opostos. Não têm palavras, mas têm direção e sentidos. Ruídos são ondas sonoras desorganizadas, caóticas, com poder destruidor e mortífero. Mas na forma de aplausos, produzidos pela cascata do bater das mãos, resultam numa soma de frequências graves, médias e agudas que se parecem com o chamado “ruído branco” do mar, lavando o aplaudido num banho consagrador. Já os apupos são viscerais, guturais, contínuos, monocórdicos, como se tentassem soterrar a vítima num monte de excremento sonoro.

Discursos em estádios de futebol são candidatos praticamente eleitos a tomar vaias. O jogo de futebol, que não se faz com palavras, ocupa um espaço imaginário que está no avesso dos cerimoniais e das solenidades. Estas afirmam as hierarquias, os papéis e os valores que sustentam a ordem estabelecida. A massa no estádio de futebol, que tem muito de um carnaval acirrado pela disputa, quer se ver livre disso. É o que diz a frase de Nelson Rodrigues, “estádio de futebol vaia até minuto de silêncio”. A massa vaia o presidente, a presidenta, o juiz, o morto, o que estiver atrapalhando a promessa de gozo. E os brasileiros, diferentemente dos argentinos, vaiam a sua seleção, se esta estiver atrapalhando a promessa de gozo.

A famigerada vaia a Dilma, na abertura da Copa, tem alguma coisa desse destampatório infantil. Mas é menos, ou nada, inocente. Mais que vaia, era um mote verbal ofensivo, dirigido, pontual. Sem nada de original, adaptava uma frase ritmada recorrente em estádios, especialmente em São Paulo, onde a massa é menos imaginativa: “ei, juiz, vai tomar no cu”. Sempre achei esse mote, mesmo no contexto futebolístico, um atestado de primarismo, com sua métrica estropiada e sua rima caolha. Com o nome “Dilma” mal ajambrado ritmicamente no lugar de “juiz”, resulta em definitivo no que há de mais tosco em matéria de “dinamogenia política”, como chamava Mário de Andrade essas manifestações de massa, cuja riqueza ele analisou num comício em São Paulo em 1930.

Frases ritmadas, cantadas em coro pelas multidões, em aglomerações esportivas ou políticas, são sintomáticas do que está acontecendo ali, tanto nos conteúdos quanto nas formas, que são, aliás, inseparáveis. Há uma rica variedade de cantos de torcidas, por exemplo, no futebol do Rio de Janeiro. Freud fala em chistes, cuja elaboração verbal, brotada do inconsciente, com suas rimas, ritmos e duplos sentidos, gratifica o prazer da língua, ao atingir seus alvos de maneira tendenciosa. Cita chistes agressivos, que substituem com palavras o ataque físico, e chistes obscenos, que desnudam e humilham alguém perante outros. Mas, num caso ou no outro, justificados pela engenhosidade do trocadilho, pelas aliterações, pela imaginação que faz rir, por um senso certeiro da carnavalização. O ataque verbal a Dilma no Itaquerão era, além de tudo, um chiste destituído de qualquer chispa de inteligência, um exemplo quimicamente puro da liga do agressivo com o obsceno, inconscientemente orgulhoso de ser burro, no grau zero da dignidade civil.

Já que os estádios não são mais caldeirões sociais, mas arenas para o consumo abonado (e por isso mesmo foram todas construídas ou reconstruídas para a Copa), faço coro à vaia aos VIPs, como escreveu Augusto de Campos, ao protestar contra o uso banalizador, distorcido e ambíguo do seu poema “VIVA VAIA” pela “Folha de S.Paulo”. E também, em desagravo, ao seu VIVA DILMA. A vaia tem um recorte de classe.

Ao mesmo tempo, reverbera aquelas vibrações rancorosas e obscuras que perpassam a sociedade brasileira. As culturas combinam seus aspectos superficiais com seus aspectos profundos, seus pesos com suas levezas. No Brasil, reina uma conhecida alergia àquilo que é profundo e pesado, e uma considerável congratulação com o que é leve e superficial. No entanto, muito das suas mais geniais criações, na literatura, na canção e no futebol, participam de uma etérea e singular leveza profunda. Muito da alegria da Copa do Mundo, agraciada pela dimensão latino-americana que ela assumiu em território brasileiro, é expressão disso. A vaia verbal a Dilma, por sua vez, representa o que pode haver de pior nisso tudo, numa direção ou noutra: a sombria conjunção do superficial com o pesado.

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Comentários

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Antena

Vou votar na Dilma por interesse…….nos 10% para educação, Mais Médicos, bolsa família

Cláudio

… “Com o tempo, uma imprensa [mídia] cínica, mercenária, demagógica e corruta formará um público tão vil como ela mesma” *** * Joseph Pulitzer. … … “Se você não for cuidadoso(a), os jornais [mídias] farão você odiar as pessoas que estão sendo oprimidas, e amar as pessoas que estão oprimindo” *** * Malcolm X. … … … Ley de Medios Já ! ! ! . . . … … … …

Dudu, o outro

Antes da copa, ouvíamos: “imagine na copa”, “vai ser um caos”, “há criminosos em toda parte”.

Na abertura da copa descobrimos onde estava o caos e os criminosos: o “caos” está na falta de educação e civilidade da ala vip; eles mesmos são os “criminosos”, pois representam a parcela da população que deve milhões aos cofres públicos por sonegação fiscal.

Agora, “imaginem depois da copa”, depois do seu sucesso, o que eles tentarão fazer!

Ei vips, vão tomar …. maracujá!

Fernando

Genial texto de Luis Miguel. Ressalto a parte:
“Sem nada de original, adaptava uma frase ritmada recorrente em estádios, especialmente em São Paulo, onde a massa é menos imaginativa: “ei, juiz, vai tomar no cu”. Sempre achei esse mote, mesmo no contexto futebolístico, um atestado de primarismo, com sua métrica estropiada e sua rima caolha. Com o nome “Dilma” mal ajambrado ritmicamente no lugar de “juiz”, resulta em definitivo no que há de mais tosco em matéria de “dinamogenia política”, como chamava Mário de Andrade essas manifestações de massa, cuja riqueza ele analisou num comício em São Paulo em 1930.”

Pois parece que ele, como eu também já percebi, vê neste episódio triste da vaia a Dilma uma oportunidade de todos os brasileiros, especialmente os fanáticos por futebol, reavaliarem a tolerância a violência verbal e corporal que existe em TODOS OS JOGOS DE FUTEBOL. José Miguel este mote citado por você é repetido não só em São Paulo mas em TODOS OS ESTÁDIOS, EM TODOS OS DIAS DE JOGOS. Seja Mineirão, Maracanã, independência, no nordeste, no sul, no centro oeste. Se falar nos orgulhosos pais torcedores ensinando os filhos a gritarem Chupa… sob educativo sorriso e aprovação. E o buzinaço a meia noite??
O que mais me incomoda no entanto é perceber que a falta de educação e violência dos “orgulhosos” torcedores não passa de um monte de asneiras sem qualquer criatividade e comportamentos padrões infantis e sem sentido (como são os buzinaços). Todos repetem sempre as mesmas formas de “comemorar” e agredir o adversário. Como disse Luís Miguel : o coro é sempre o mesmo (vai tomar no cu) repetitivo e sem criatividade.
E pior ainda: estes comportamentos e refrões padrões são incentivados pela mídia e pelos envolvidos no futebol(jogadores, técnicos, etc.) como sendo prova do amor (?) ao time e orgulho (de quê?) de ser torcedor.

Mardones

Sensacional!

O último parágrafo é memorável.

Eudes Hermano Travassos

Este extraordinário músico e compositor me deu o prazer de conhecer seu lado sociólogo, que até então, só conhecia por ouvir falar.
Mas em minha opinião, a vaia na democracia deve ser tão legitimada quanto é o aplauso, só que no caso de Dilma na abertura da Copa no Itaquerão, é eufemismo se chamar aquilo de vaia, não se constituiu em direito aquelas ofensas a mulher, a maior representação política do país a instituição que ela significa e representa um povo.
Não foi vaia, foi ofensa desleal e política por seu recorte de classe, não foi protesto, foi ódio, não foi direito, foi fascismo.

PIMENTA

fugindo do assunto:
Em Minas, professor tem jornada de 60 horas semanais

A Lei Federal 11.738/08 que estabeleceu o Piso Salarial Profissional Nacional para o magistério é uma conquista de toda a sociedade. Isso porque além de tentar trazer dignidade ao salário do profissional do magistério, estabeleceu uma nova organização do tempo do professor. De acordo com ela, o professor deve se dedicar à sala de aula, no máximo, 2/3 da sua jornada de trabalho. Em contrapartida, no mínimo, 1/3 dela deve ser para a hora-atividade, ou seja, momentos de reuniões, formação, planejamento, elaboração de atividades, entre outras atividades que preparam o momento da regência. Sempre fizemos estas atividades, mas fora da escola e sem remuneração, o que trouxe mais desvalorização à profissão.

Estar na sala de aula com 30 a 50 crianças requer preparo, estudo constante e dedicação. As jornadas extenuantes de trabalho a que são submetidos os professores da Educação Básica devem causar indignação a todos.

Em Minas Gerais, a situação é de colapso. De acordo com o Plano de Carreira Estadual, a jornada semanal do professor de Educação Básica é de 24 horas. Dentro desta jornada, no máximo 16 horas são de regência e oito de hora-atividade. É o que prevê a Lei Estadual 20.592, aprovada em dezembro de 2012. A conta é simples, mas a Secretaria da Educação tem obrigado professores com dois cargos a assumirem jornadas semanais de 60 horas. Mais uma vez o Governo de Minas distorce uma lei federal. Vale lembrar a sua manobra de pagar subsídio para não bancar o Piso Salarial como vencimento básico. Como não bastasse, em Minas Gerais não houve o aumento do número de professores na rede estadual, que seria a consequência natural da implantação de 1/3 da jornada para hora-atividade. Ocorreu o aumento da jornada de trabalho.

Além disso, retirou professores habilitados em educação física e ensino religioso dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Para se ter uma idéia do caos do quadro de pessoal, em 2010, o Governo havia contratado cerca de 73 mil profissionais para as escolas. Em 2013, foram contratados pouco mais de 60 mil. Isso num Estado que tem taxa de analfabetismo superior à média nacional.

O tempo de hora-atividade deveria melhorar a condição da categoria, mas em Minas Gerais está justificando o aumento da jornada de trabalho do professor, o que significa nova modalidade de massacre aos educadores. Mais uma inovação do Governo de Minas, cuja conta está sendo paga por quem precisa da escola pública.

Fabio Passos

É a grande vergonha do Brasil na Copa.
A “elite” branca e rica mostrou que foi educada em uma estrebaria.

Os eleitores do aécio neve, incitados pelo PiG, mostram o que há de pior no ser humano.

wendel

Ô Assalariado, já deu e vai dar muito mais ainda!!!!!!!!!!
Só irá terminar, quando consagrarmos o nome de Dilma nas urnas em outubro próximo, para mais quatro anos!!!
Até lá…………..

Assalariado

ô Jesus ainda estão dissecando isso?

já deu né

    Fabio Passos

    Mude teu nick p/ “assalariado do PiG”.
    É mais a tua lata, PiG-boy.

    Eudes Hermano Travassos

    Já deu?….kkkkkkkk…..Você tá por fora, mexeram na caixa de marimbondo por que quiseram, esta ainda vai fazer história, caríssimo Fábio Passos….kkkkkk

    Mário SF Alves

    Ê, Fábio, esse aí não é o assalariado que conhecemos, não. É um sósia. Algo de tipo Felipão, do Mário S. Conti.

    Fabio Passos

    Mario, não há como confundir. Este aí é bem limitado. Um típico leitor do PiG. O assalariado original tinha ótimo nível.

    luisa valdorf

    Olá falso assalariado. vc está mais para rentista especulador, e o povo que se exploda. Pelo jeito, dói mexer na ferida fétida que vocês abriram no Itaquerão. Pois bem, ela vai doer mais ainda quando os verdadeiros assalariados derem a resposta em outubro reelegendo a presidenta Dilma.

    Assalariado

    e o preconceito que desce abaixo do meu comentário

    é lindo de ver a hipocrisia

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