José Carlos Freire: O desafio é reconstruir a esquerda longe do PT

Tempo de leitura: 15 min

IMG_3634O ocaso do petismo e as tarefas da esquerda brasileira: apontamentos para debate

por José Carlos Freire*, especial para o Viomundo

Em uma ceia, prolongada noite adiante, perguntara alguém as horas ao suíço de serviço; ao que este, olhando para o relógio, e verificando que era passada a meia-noite, respondeu: “Já é amanhã, meus senhores”.

Essa anedota foi recolhida por Alberto Torres quando, no início do século XX, enfrentava a tarefa de pensar os limites da República Velha e consequentemente propunha os rumos para superar seus problemas fundamentais.

Guardadas as devidas diferenças de contexto histórico e ressalvadas as posições ideológicas do autor, ela bem que poderia ser aplicada a uma reunião da esquerda no tempo presente da história brasileira.

A pauta da reunião da esquerda teria dois itens fundamentais: primeiro, o informe de que o intervalo do petismo dentro do bloco histórico hegemônico burguês acabou; segundo, os encaminhamentos daí decorrentes.

É claro que na política, como na vida, nada é simples.

O ocaso do petismo apresenta desafios urgentes, no qual se situa o debate sobre a intensificação da ofensiva de direita por meio dos órgãos de imprensa. Ainda assim, penso ser o momento de muita frieza e cautela no debate porque se é grande o desafio imediato da conjuntura, maiores serão os desafios colocados à esquerda nos próximos anos: reconstruir um projeto popular para o Brasil distante do petismo.

As modestas reflexões aqui colocadas são tentativas de contribuir para o debate, limitadas e certamente cheias de lacunas.

O urgente parece ser distinguir as táticas imediatas de combate a esta espécie de “midiocracia” burguesa que vivenciamos da ação estratégica de construção de um projeto popular para o Brasil, participativo e democrático, que resgate o referencial do socialismo sequestrado pelo petismo e confinado aos limites da burocracia estatal, ao pragmatismo político e à manutenção do poder.

Tentando compreender o ocaso do petismo

Enquanto vejo o noticiário para saber quais as novidades de show da realidade que virou a política brasileira, sigo escutando o tilintar das enxadas das trabalhadoras que limpam as ruas de pedra do bairro.

Trabalho ingrato e duro, sem as mínimas condições de proteção do sol e do calor, sem a mínima assistência do poder público que as lança às ruas como as mineradoras lançam os mineiros às montanhas, contando simplesmente com a boa vontade dos moradores em ceder-lhes um copo d’água ou o banheiro para uso, elas seguem, duramente existindo, bravamente resistindo.

A situação destas trabalhadoras se assemelha à daqueles em estado de semiescravidão das lavouras de cana, dos que oscilam entre o desemprego fruto da implementação tecnológica do agronegócio e o subemprego nas panhas de café, retiro de leite e colheita de frutas, dos que se matam por um salário miserável nas capitais do Brasil.

As condições desses trabalhadores reais, como estas que a minha porta enxugam o suor no escaldante sol de Teófilo Otoni, substancialmente, não se alteraram no intervalo que foi os Governos do PT. O que não implica em dizer que benefícios sociais não foram realizados.

O determinante é que estruturalmente o Brasil não se alterou. Daí a dificuldade de se criticar o petismo que se mostrou tão aguda nos momentos de eleição em 2006, 2010 e 2014. Mudou ou não mudou? O pensamento binário – do qual também servem de exemplo “PT ou PSDB?”, “Dilma ou Aécio?”, “Lula ou FHC?” e tantos outros a que a mídia nos leva a pensar e que o petismo ajudou a alimentar – não nos ajuda.

O Brasil mudou e não mudou. E nessa amálgama de mudança e permanência, alma da história, considerando que em nenhum momento a hegemonia burguesa foi ameaçada, o pouco que mudou não alterou o predominante que não se alterou.

A sutil diferença dos governos Lula e o primeiro mandato de Dilma em relação aos governos anteriores do período pós-redemocratização não alterou o essencial: continuamos um país subdesenvolvido, com uma gritante segregação social, dependência econômica crescente, não apenas com pouca industrialização, mas com desindustrialização e uma democracia de fachada que transforma o popular em plateia e o parlamentar em palco.

Nesse registro interpretativo, não só porque não conseguiria fazer uma análise consistente do ocaso do petismo, mas porque penso que os elementos essenciais já foram colocados no debate, destacado quatro abordagens: Fernando Silva, em seu texto “Precisamos construir outro projeto de país, longe dos governistas”; Fábio Nassif, com “É possível combater a direita e dizer adeus ao lulismo”; Mauro Iasi, com “A crise do PT: o ponto de chegada da metamorfose”; e Valério Arcary, no texto de 2015 “É possível reconstruir uma esquerda revolucionária depois da ruína do PT ou esta soterrará toda a esquerda?”.

Passo a alinhavar livremente alguns pontos presentes nestas análises que me parecem convergentes, substancialmente, e podem nos dar pistas para entender o processo para além da avalanche de elementos que a conjuntura diariamente nos impõe:

A responsabilidade primeira por termos chegado aonde estamos cabe aos governos petistas. O modelo de desenvolvimento (neo-desenvolvimento, social-desenvolvimento, enfim, palavras tantas usadas para ocultar a essência que é mesma), calcado, na agroexportação extrativista, com tímida distribuição de renda sem mexer nos lucros do capital financeiro representa uma forma de conciliação de classes, expressa no lulismo.

Mais que isso, a opção de conciliação com a burguesia nefasta que temos no Brasil implica, necessariamente, em traição de classe. Num contexto específico de ampliação de mercado na periferia, grande quantidade de capital disponível, numa margem grande de manobras, Lula foi aceito pelo capitalismo global.

De sua parte, ele agradeceu o acolhimento, aplicou as medidas necessárias – já previstas na Carta ao Povo Brasileiro de 2002 – e convenceu as massas de que estas regras do jogo eram administráveis.

O efeito colateral trágico foi a despolitização das classes populares. Ao desarmar os movimentos sociais de sua autonomia necessária, ao congelar a reforma agrária com o agronegócio, ao responder ao extermínio de jovens e negros da periferia e ao tratamento das posições de esquerda como fatos policiais pela Lei Antiterrorismo, entre tantas outras ações ao longo destes 13 anos, o PT desorganizou as classes trabalhadoras e deslocou o campo da luta para o Estado, onde a burguesia tem o mando de campo, é dona do uniforme, da bola, contrata o juiz e ainda cobra ingresso.

O momento atual do PT não é fruto do acaso, e sim decorrência do caminho que o partido escolheu. Da articulação entre conquista de espaço no poder, de um lado, e a construção de um movimento de massas de outro, modelo que está na origem do Partido dos Trabalhadores, caminhou-se paulatinamente para a ênfase na disputa pelo poder para que depois se buscasse avançar rumo ao socialismo.

Um programa antilatifundiário, anti-imperialista e antimonopolista exigiu, gradativamente, do partido a acomodação de táticas cada vez mais flexíveis para se chegar ao governo. Quando lá se chegou, a antiga articulação entre busca do poder e avanço da organização de massas cedeu lugar à estrita manutenção do poder, reduzida a alianças parlamentares e performances eleitorais.

Ampliar alianças, vencer eleições e garantir a governabilidade. Do ponto de vista de um “partido”, tecnicamente correto; do ponto de vista “dos trabalhadores”, cooptação.

A direita não precisa mais de intermediários, prefere governar diretamente. Ao tentar se livrar de Lula, a burguesia se orienta pela estabilidade.

Não que Lula represente um projeto socialista de enfrentamento, o que colocaria o cenário eleitoral de 2018 como incerto. Mas porque, dadas as necessidades de aprofundamento da ofensiva neoliberal, não cabe absolutamente nenhuma concessão às classes populares, nem mesmo aquelas que o modelo de conciliação em um momento anterior tornou possível.

A margem de manobra que a conjuntura de 2003 e seguintes permitiu não existe mais.

É para retomar o governo de forma direta e empreender avanços no modelo neoliberal que todo o circo se arma, não porque Lula ou PT represente a esquerda ou o socialismo.

A defesa do governo Dilma e de Lula pela esquerda representa uma armadilha. Não obstante o jogo ilícito jurídico-midiático armado, não cabe à esquerda efetivamente comprometida com a transformação social fazer coro às manifestações de apoio ao governo que misturam, de modo deliberado, denúncia ao modo como a ofensiva da direita se apresenta com uma necessidade de defesa de Lula e Dilma. São coisas distintas.

Ademais, a defesa incondicional do governo e de Lula, como apresentam os setores petistas e que seduz enorme parcela dos setores da esquerda, implica quase que de modo fatal o silêncio sobre a corrupção, sobre o enriquecimento de lideranças populares, sobre o modo com se rasgou a ética o espírito republicano, reduzindo-se tudo à tese do golpismo.

Defender o lulismo implica em aceitar as condições da hegemonia burguesa.

O resgate do lulismo, na forma messiânica que os setores mais à direita do PT propõem, é o mesmo que defender as pazes com a burguesia corrupta brasileira, que não tem projeto nacional de sociedade que possa realizar mudanças civilizatórias profundas, muito menos em aliança com a classe trabalhadora.

Acreditar que esta burguesia possa defender bandeiras anti-imperialistas, antimonopolistas e antilatifundiárias representa uma ingenuidade que a esquerda brasileira já deveria, no seu conjunto, ter superado há muito tempo.

No limite, retomar a conciliação de classe, o lulismo, ainda que hipoteticamente possível, implica em aceitar as regras atuais do jogo, que são piores que as de 2003: avançar sobre os trabalhadores nos seus direitos mais elementares.

O preço da governabilidade, no contexto de hoje, não é a flexibilização ou mistificação de um programa democrático popular e sim a sua renúncia radical e irrestrita.

É necessário defender de modo crítico o Estado democrático de direito e denunciar o papel da mídia. Não podemos nos calar diante dos métodos judiciais aplicados nos últimos dias que, além de questionáveis e fundados em interpretações mais políticas que jurídicas, coloca uma linha direta entre Polícia Federal e grande mídia, especialmente a Rede Globo.

Vivemos uma espetacularização do político que combina o princípio do “pão e circo” dos seculares modelos de dominação com os sofisticados instrumentos seletivos de informação.

Ocorre que a mídia burguesa e a elite brasileira sempre foram reacionárias, o que não significa que devamos isentar de responsabilidade quem se aliou a elas. O PT propagou a ilusão de que poderia tê-las como aliadas, negociou com elas e governou para elas.

A defesa do Estado democrático deve se basear na garantia da legalidade, para que o que fazem hoje com Lula e o PT não se torne um elemento da cultura política e, portanto, apresente-se como naturalizado.

É preciso muita cautela com a tese do golpe. O modo apressado com que os governistas interpretam o momento como golpe, associando-o sem mediação alguma com o contexto de 1964 é perigoso.

Potencializada pelas redes sociais, a tese do golpe ganha espaço crescente. Ainda que evidente a manipulação de interesses e informações, não temos, ainda, um processo que coloque partidos na ilegalidade, feche sindicados e movimentos sociais, proíba a liberdade de expressão, exile políticos etc.

Nem Lula pode salvar o projeto petista de poder. Há uma articulação direta entre o agravamento da crise social e econômica que atinge os trabalhadores, por um lado, e a insatisfação de setores da classe dominante – parte do mercado financeiro e a grande mídia corporativa, por outro.

O que nos impede de pensar o “efeito Lula” como solução mágica. Nem com toda alquimia política, Lula poderia, neste contexto, que difere radicalmente de seu primeiro mandato, articular interesses díspares como são a necessidade do grande capital e as das classes populares.

Não há mais margem de manobra. Não deve ser subestimada a capacidade política de Lula e talvez até venha a reerguer seu projeto de voltar ao poder, na cadeira presidencial. Mas será outro momento, outro Lula e não a pura reedição de 2003.

Enquanto a direita se articula com facilidade a esquerda é heterogênea. Mesmo que possamos formular de modo variado a configuração da esquerda – quer dividida entre reformistas, centristas e revolucionários, quer, numa outra forma, dividida entre moderados e radicais, o fato é que em conjunturas distintas a esquerda tem comportamento diferenciado no seu interior.

Simplificando ainda mais, no nosso caso, poderíamos falar de uma esquerda que se opõe ao petismo e uma que ainda aposta nele. Como nas conjunturas das últimas eleições presidenciais, quando se descortinou a ameaça efetiva do retorno de um governo de direita (ressalvando-se que, nesta leitura, o PT seria de esquerda), no presente, a tendência é de uma hegemonia, no campo da esquerda, do reformismo.

Enquanto a esperança seria de que setores e agentes progressistas desembarcassem do governo para fortalecer uma plataforma de esquerda mais combativa, o que ocorre é que muitos setores titubeantes que ensaiavam uma ruptura acabam por reembarcar no trem do governo.

Numa palavra: a esquerda de oposição ao governo precisa de muito trabalho, debate, paciência, articulação e organização para se mover no terreno argiloso que reduz todo jogo a uma disputa entre os do bem (pró-governo) contra os do mal (antigoverno).

Evidentemente a situação exige uma análise muito maior. No entanto, os elementos acima parecem suficientes para pensarmos os desafios que se colocam para a esquerda brasileira atual, tomada, nestas breves reflexões, como o conjunto das forças sociais que, situadas na defesa das classes trabalhadoras, colocam-se contrárias tanto ao governo quanto à ofensiva da direita, rompendo o dualismo nefasto em que fomos lançados.

Tarefas urgentes para a esquerda

Passo a elencar algumas tarefas que me parecem imprescindíveis. Longe de qualquer pretensão de receituário ou coisa do tipo, nada mais são do que tarefas permanentes da esquerda que, em alguns contextos, se apresentam de modo mais urgente, como é o caso brasileiro atual.

Esforçar-se por distinguir as coisas de modo crítico

“Buscar a real identidade na aparente diferença e contradição, e procurar a substancial diversidade sob a aparente identidade é a mais delicada, incompreendida e, contudo essencial virtude do crítico das ideias e do historiador do desenvolvimento histórico”
(Antonio Gramsci)

Na avalanche de coisas que a conjuntura nos lança a cada dia, a cada hora quase, torna-se difícil compreender quem é quem e que jogo é jogado. Esta dificuldade é tanto maior quanto for o isolamento do militante de esquerda. Aponto apenas três elementos que me parecem urgentes para fomentar o debate.

Claro que há muitos outros. Primeiramente, parece-me fundamental superar a aparente associação que é feita entre oposição ao governo do PT e negação das conquistas realizadas desde 2002 no plano social.

Ser contrário ao governo não é o mesmo que negar o avanço representado pela inclusão de jovens pobres e de negros na Universidade, a expansão do ensino superior público, o debate e ações em torno da diversidade afetivo-sexual, o enfrentamento da violência contra a mulher, a demarcação de terras indígenas e quilombolas, ainda que insuficientes.

Estas conquistas, inclusive, não podem ser atribuídas exclusivamente ao governo, mas também à luta histórica de movimentos diversos que por elas batalharam.

A saída para esta confusão de ideias parece estar em compreender que a correlação de forças, políticas e econômicas, nacionais e internacionais, permitiu este avanço em um momento, agora não permite mais, mesmo com toda a retórica de luta empreendida por Lula. E não se trata de um agora imediato: a inflexão já se acentua desde o primeiro mandato de Dilma.

Um segundo ponto é a insistência quase religiosa dos setores governistas em opor o programa do PT ao do PSDB como extremos. Ressalvadas as origens dos dois partidos e sua composição, programaticamente situam-se na defesa da mesma ordem burguesa.

Deste imbróglio, resultam as propostas capitaneadas, mas não monopolizadas, por atores como a CUT e a UNE: apoio ao governo e cobrança por mudança no modelo econômico para favorecer os trabalhadores, como se fossem ações convergentes e não opostas.

O caso do MST é a dor mais doída, não apenas por sua demora em romper com o lulismo que se prolonga demais, mas porque guarda em suas bases uma experiência de formação e organização e um potencial de lutas enormes.

A saída dessa confusão parece ser a necessidade de se colocar em primeiro plano o posicionamento de classe e não o posicionamento de poder, da qual decorrerá a constatação de que, substancialmente, PT e PSDB não se diferem mais.

Em terceiro, tomado aqui de modo muito genérico, refiro-me ao conceito de bloco histórico, entendido como o modo pelo qual economia, política e ideologia se articulam no interior de uma sociedade em um período histórico determinado.

Corremos o risco, numa leitura apressada, de afirmar que achegada de Lula à presidência inaugurou um novo bloco histórico, este mesmo que a elite brasileira e seus órgãos de imprensa estariam propondo agora o fechamento por meio de um golpe.

No entanto, se atentarmos para o fato de que, para chegar ao poder, o PT teve, como nos mostra detalhadamente Mauro Iasi em seus estudos, de negociar seu programa e abrir mão de seu caráter socialista, concluiremos que o breve intervalo petista não alterou o capítulo burguês pós-64.

Em outros termos, o bloco histórico pós-golpe militar consolidou, dito aqui sem maiores aprofundamentos, um tipo de capitalismo dependente no Brasil que mesmo a redemocratização e a ascensão do PT ao poder não conseguiram alterar.

Aliás, Lula foi um agente, naquele momento, necessário exatamente para combinar desigualdade social interna administrada por benefícios sociais e aumento do crédito – estas mesmas medidas que ele cobra hoje do Governo Dilma – com alta lucratividade do grande capital nacional e, principalmente, internacional.

Ocorre que dentro de um bloco histórico, pode haver pequenos intervalos que não invalidam a lógica dominante. Quando um intervalo termina (“já é amanhã, meus senhores”), não significa que há um novo bloco, apenas a continuidade do que já estava afirmado.

A suposta ruptura que o PT teria representado na sociedade brasileira – propagandeada pelo ideário do novo-desenvolvimentismo e conceitos similares – nada mais foi que uma variação no modo e na intensidade como a burguesia brasileira administra o país desde 1964, ali sim, o início de um bloco histórico que não está nem de longe ameaçado de ruir.

Só ruirá quando houver real enfrentamento da dominação burguesa pela organização popular e discussão efetiva de nossos problemas estruturais. Fora isso, se é Lula, se é Dilma, se é Temer ou se é Aécio, trata-se apenas de escalação diferente para o mesmo time.

Lula, outrora atacante e artilheiro, caiu para zagueiro, gandula e, por fim, é convidado a se retirar do campo e do estádio. O jogo continuará. Agora, é melhor sem ele. Mas o mercado da bola transforma vilões em heróis. Nas curvas nebulosas da política brasileira, poderá ele ser ainda contratado? Desconfio que não.

Ele parece apostar que sim. De qualquer modo, ironicamente, os torcedores deste grande espetáculo futebolístico vestem a camisa da ilibada e altamente respeitada CBF. O povo brasileiro, bem, este permanecerá de fora, recolhendo latas amassadas.

Conservar a experiência original do PT de base e superar o mito Lula

“Aufheben era o verbo que Hegel preferia, entre todos os verbos do idioma alemão. Aufheben significa, ao mesmo tempo, conservar e anular; e assim presta homenagem à história humana, que morrendo nasce e rompendo cria”
(Eduardo Galeano)

A superação de Lula como mito messiânico que resolverá todos os problemas precisa ser enfrentada com coragem e seriedade pela esquerda. Mito se supera com leitura histórica concreta. Ainda que se safe no tribunal da Lava Jato, naquele que é mais importante para nós, o tribunal da luta concreta dos trabalhadores, neste, Lula perdeu em todas as instâncias, ainda que tenha entrado com muitos recursos que precisem ser analisados.

Será o processo difícil de superação de um mito. Mas nem mesmo mil discursos inflamados de Lula podem abalar a convicção daqueles que com seriedade, sem demagogia e sem pragmatismo político empreendem uma busca efetiva por transformação social no Brasil. Ouvir Lula, é certo, é sempre um risco. Alquimista da política, ele enfeitiça.

No entanto, Lula não esgota tudo o que foi o PT. Nesse sentido, a experiência original de base do partido é algo que precisamos revisitar, de modo crítico.

Ainda que se considere que desde o início a cúpula sindical sempre se pautou pelo modelo de conciliação, verdade é que nas comunidades, nos núcleos de base a experiência do partido como construção popular foi rica e representa um dos momentos mais significativos da nossa história. E isto não se deu apenas nas regiões industriais, entre a parcela proletarizada dos trabalhadores brasileiros.

Deu-se também em iniciativas pelo interior do Brasil de luta pela terra, organização de sindicatos rurais, entidades de formação de quadro que ainda hoje resistem apesar da cúpula do PT. O partido abarcou forçar sociais variadas, movimentos, grupos de igreja etc.

Antes de se tornar um partido “do capital”, em situações reais, não apenas no discurso do Lula, ele foi “dos trabalhadores”. Esta experiência deve ser conservada e recriada sob novos referenciais.

Formação política, vinculação a coletivos de luta e aposta na juventude

“É preciso reconhecer que a história é tempo de possibilidade e não de determinismo, que o futuro é problemático e não inexorável”.
(Paulo Freire)

A militância de esquerda sempre exigiu um esforço sobre-humano: além das lutas, além do trabalho, além da sobrevivência, ainda é preciso estudar, formar-se. O momento exige, de modo especial, capacidade de entendermos de onde viemos e como chegamos a este ponto. Sem isso, dificilmente traçaremos propostas factíveis de futuro.

Os tempos que se avizinham não serão fáceis, exigirão de nós muita convicção pessoal e o necessário engajamento em coletivos de luta ou fortalecimento daqueles que já o fizeram. Dos mais variados, não pesa tanto agora qual partido ou movimento, desde que se pautem por um caminho de ruptura – ainda que leve muito tempo – e não de conciliação.

Também teremos de nos adaptar, no conjunto da esquerda, com o que passou aquela sua parcela que se manteve ao longo desses anos em oposição ao governo: sem financiamento, sem auxílio do governo, sem ônibus ou passagem para viagens, sem a mínima estrutura para organização de eventos.

Voltaremos a condições gerais de luta muito difíceis. Na provável quadra história de direita, não só no Brasil, mas na América Latina, teremos de nos fortalecer teoricamente e com ações práticas dentro das possibilidades e determinações de cada movimento, região ou situação.

O que não podemos, neste contexto, é confundir dificuldade com impossibilidade.

O que deve mover um militante de esquerda nos tempos que se iniciam é a convicção expressa por Vandré em uma de suas canções: “Eu canto o canto, eu brigo a briga, porque sou forte e tenho razão”.

Força e razão que serão maiores na medida em que conseguirmos romper o isolamento e a dificuldade de diálogo no interior da esquerda, por vezes, tão presa a discussões escolásticas e definições linguísticas.

Por mais longa que possa ser a caminhada, ela exige convicção dos mais experientes e aposta nos mais jovens. Os espaços precisam ser criados ou fortalecidos. O que não pode faltar é esperança.

A esperança crítica de que falava Paulo Freire. Que não implica em um imobilismo acomodado, mas na imersão radical em um processo mesmo sabendo que os resultados podem não ser imediatos. Nas palavras de Pedro Casaldáliga, “saber esperar, sabendo, ao mesmo tempo, forçar as horas daquela urgência que não permite esperar”.

De imediato: e agora?

“Pode ser que ainda não seja a hora de uma nova esquerda socialista de massas, mas nunca será se ficarmos aprisionados nas velhas âncoras que podem nos levar juntos ao fundo mar”.
(Fábio Nassif)

Estas breves ponderações não resolvem a questão central que nos inquieta: o que fazer nos dias que correm com ações cada vez mais ofensivas da direita para tirar o PT de cena, com um braço jurídico e outro midiático, a velha combinação de força e consenso que Maquiavel já nos havia ensinado há tempos.

É claro que, em contraponto aos protestos contra Dilma e contra o reingresso formal de Lula no governo, haverá manifestações de apoio nos próximos dias pelo país. A história não permite que tenhamos a compreensão total das coisas, para só depois nos posicionarmos. Ela vai acontecendo, sem nos esperar.

É muito difícil que em uma manifestação contra a mídia e as ações arbitrárias da Polícia Federal, resumidas na ideia do “contra o golpe”, não haja uma decorrência espontânea para o apoio ao governo e, diretamente, a Lula. Será possível pautar estas reais ameaças ao Estado de Direito e ao mesmo tempo colocar-se contra o governo que empreende um acirramento da ofensiva neoliberal?

É algo que as bases organizadas de cada manifestação devem debater. Seria descabido apontar uma resposta válida para todos os casos.

As duas propostas ventiladas em setores mais combativos da esquerda, o “Fora todos!” e “Eleições gerais já!, em tese são coerentes com o que o momento pede, mas esbarram na falta de organização popular que as respalde.

O cenário, embora mude toda hora, parece apontar para a opção da direita pelo impedimento de Dilma, o que coloca o poder nas mãos do PMDB e, certamente, freará a força das investigações.

Tirando o PT, dificilmente a Lava Jato manterá seu vigor. O bloco histórico se acomoda e voltamos à normalidade. Isso indica que a ideia de novas eleições vai esbarrar não só na falta de organização da base mas também na resistência da direita.

Sem bola de cristal, sem passe de mágica, resta-nos a paciência e o diálogo como forma de reagir à intolerância, o encontro face a face com companheiros de luta para resistir ao isolamento e a construção coletiva como forma de traçar caminhos coerentes com um projeto popular, democrático e socialista. Não será fácil. O que não significa que é impossível.

*Professor na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri – UFVJM. Campus de Teófilo Otoni/MG. Email: [email protected]

O texto se distancia de qualquer proposta de análise especializada sobre a política ou a conjuntura. É muito mais uma tentativa de debater sobre o momento presente em continuidade com os muitos diálogos com companheiros e alunos, em especial, da disciplina de Ciência Política no atual semestre.


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Comentários

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Julio Silveira

Se o PT fosse um partido de lideres dignos, não no sentido da honestidade, mas da percepção da perda de sintonia com os interesses populares, capacidade perdida na troca de parcerias desde sempre recriminadas pela esquerda verdadeira, não pragmática que acredita na informação democrática para mudar o perfil sócio cultural do Brasil deveriam por conta própria ir saindo de cena com dignidade e ajudando a apresentar outras opções a esquerda.
Mas sei que o apego ao poder e as suas consequências os farão ficar agarrados as suas prerrogativas.
Pelo que já percebi deste partido que estou revendo meu apoio eleitoral, mas não o institucional, ele pouco se diferencia nas ambições e nas estratégias desses da direita que aprendi a desprezar.
Infelizmente o PT só é esquerda na hora de recolher os dividendos inerentes a ser esquerda. Na hora de se mostrar esquerda é uma vergonha só, uma negação só, inclusive na questão de suas preferencias politicas de parceria.
O PT não quer uma politica baseada em ideologias, quer a baseada em pragmatismo onde “gente séria se obriga” a conviver com cafajestes, e no fim vira tudo um grande colegiado para o povo e o país .

FrancoAtirador

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Historicamente, a Sociedade Brasileira foi Constituída sobre Bases Estruturadas
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na Monarquia Escravocrata, no Patriarcalismo, no Coronelismo e no Messianismo.
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Para quebrar esses Paradigmas Políticos e Culturais é preciso muita Informação.
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    FrancoAtirador

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    Aqui, quando se apaga um Mito, ele logo é Substituído por Outro, para o Bem ou para o Mal.
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    Assim, na Atual Conjuntura Política, se a Esquerda Abandonar o Lula, Cometerá o Suicídio,
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    pois estará colaborando para a Ascensão dos Salvadores da Pátria: Bolsonaro ou Marina? …
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FrancoAtirador

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A Esquerda tem é que buscar a Hegemonia dos Meios de Comunicação de Amplo Alcance.
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mineiro

é bom quem escreveu o texto saber , é que ele sabe , é que a direita facista, nazista , golpista , piguenta, quer acabar com todo mundo sem exceçao inclusive ele que escreveu o texto. o que ele escreveu eu assino em baixo , mas no momento atual , a luta é contra a direita e simplismente contra a direita golpista que quer exterminar a nos todos. depois de vencer o golpe ai sim , temos que pensar em tudo o que foi e é de errado e como tem coisa errada. so para lembrar , cade a bancada do pt , alguem sabe informar ? conta no dedo quem botou a cara para bater , sera que estao escondidos debaixo da cama com medo da direita ? covardes eles sao , nao era hora de todos se manisfestar como esta fazendo a jandira feghali e o lindenberg farias.

Urbano

Esse escrito é a cara do danoso ferrando henriqueaux…

Nilson Moura Messias

O Partido dos Trabalhadores, cometeu dois erros capitas: Não fez as reformas: Política, não democratizou as comunicação e acreditou na conciliação de classes. No resto o autor esta certo, as análise são limitadas e certamente cheias de lacunas.

Joana

Estão tentando tirar, à fórceps, uma presidente democraticamente eleita do poder. Isso não é golpe?

A esquerda, no Brasil, não ganha eleições para cargos executivos. Partindo dessa premissa, como a esquerda pretende, algum dia, governar o Brasil? Através de uma revolução (que também é golpe)?

O discurso é muito bonito, porém nada prático.

Eu nunca imaginei o “efeito Lula” como solução mágica, mas sim como um rito de passagem necessário para que a esquerda vá moldando o país, de tal forma a permitir avanços sociais constantes, democracia e uma certa paz na convivência entre classes (o que implica concessões à direita), ao mesmo tempo em que vai formando novas ideias e ideais, novos conceitos de país através da inclusão social e educação.

O reacionarismo da direita está entranhado culturalmente e, portanto, não se resolve em 1, 5 ou 10 anos. São necessárias gerações para que haja alguma mudança nesse cenário.Não há solução mágica – nem mudança – sem convivência minimamente harmônica entre classes. Não estamos em 1867.

A esquerda precisa atualizar o discurso, o que implica abandonar ideais arcaicos, se quiser sobreviver no cenário atual. Caso não faça isso, ficará sempre em sua ilha de conforto, por mais desconfortável e paradoxal que isso pareça.

Marcos Faria

Não estou entendendo o Vi o Mundo, acho que site de noticias deve ser o mais plural possível, para que possamos ter várias opiniões. O site pode ter uma visão mais a esquerda ou de direita. Se é um site com viés esquerdista, como parece ser o vi o mundo, podem discordar de um grupo e concordar com outro. Contudo, no momento crucial para as esquerdas, pois, o que querem não é só a cabeça do PT, mas de toda a esquerda.
Sabemos que o PT cometeu vários erros, mas não acho que é hora de jogar pedras, porque, por reflexão, elas podem voltar.
Venho acompanhando, críticas oportunistas e vingativas de Luciana Genro ao Lula e ao PT. Agora um texto que já conta com a derrocada do PT. A quem serve o Vi o Mundo?

Hildermes José Medeiros

Tudo muito certo, mas não foi dito o principal problema do que está colocado, que em síntese aponta para o fato real de que até aqui somente o PT, que não é um partido de linha socialista, mas têm práticas que mesmo discutíveis levam a melhorias para o povo, que de outra feita o capital não faria, sob a liderança de Lula, liga-se às massas, ao povão. A alternativa existente nem de longe é a esquerda que se diz socialista (ou se acha assim), porque lê os manuais que fundamentam a ideologia, mas a direita (fascista ou não) com apoio da mídia. Nem de longe têm os pretensos socialistas uma prática para chegar ao poder, não têm voto não se ligam ao povo e aos movimentos sociais. Em quase quatorze anos (vem de antes na realidade) nada construíram para tornarem-se alternativa ou no mínimo aliarem-se para influir. Só não fazem oposição como o PSDB, os DEMOS e o PPS, mas não se cansam ou de omitirem-se ou a darem apoio às ações destes partidos. No geral, sobram para Lula, Dilma e PT só críticas e distanciamento. E o pior é que se essa direita chegar ao poder, se for num contexto autoritário (o mais comum) serão também alvo da repressão que certamente acontecerá.

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